Acórdão nº 168/20.0T8RMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09-06-2022

Data de Julgamento09 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão168/20.0T8RMR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
I
O autor, A., instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra a Ré M., sua ex-mulher, peticionando que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento constituído judicialmente entre si e a Ré, relativamente à casa de morada de família, e que esta seja condenada a pagar-lhe o montante de €800,00 a título de rendas vencidas e não pagas, bem como as rendas que se vencerem na pendência da presente acção e até efectiva entrega do imóvel, e ainda a quantia de €5.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Alegou para tanto, em resumo, que por decisão proferida no âmbito do processo de divórcio que dissolveu o seu casamento foi atribuído à Ré o direito de arrendamento da anterior casa de morada de família, pelo período por que perdurasse a obrigação do Autor de pagar a pensão de alimentos à filha comum, tendo sido estipulada uma contrapartida financeira a cargo da Ré e em favor do Autor no valor de €80,00, que esta nunca pagou, num total de dez rendas em falta no valor de €800,00 até à data de entrada em juízo da presente acção.
Diz ainda que esta circunstância o tem deprimido, causado tristeza e angústia, danos que deverão ser ressarcidos pela Ré.
II
Devidamente citada, a Ré contestou, defendendo-se essencialmente com a alegação de que as rendas mencionadas pelo Autor se encontravam pagas por o Tribunal ter ordenado o seu desconto nos termos do art. 48º do RGPTC, em incidente de incumprimento de responsabilidades parentais, uma vez que o Autor não pagava os alimentos devidos à filha comum, acumulando dívida no montante de €5.670,00.
Termina a Ré pedindo a consequente absolvição do pedido.
Respondeu ainda o Autor, defendendo a improcedência da defesa da Ré, por o crédito de pensão de alimentos não ser titulado pela Ré e, por isso, não poder ser compensado com o seu, invocado nestes autos.
III
Veio a ser proferida sentença, que decidiu favoravelmente à posição do Autor (só julgou improcedente o que se refere ao pedido de indemnização por danos morais).
É o seguinte o decidido, na parte em que atendeu os pedidos do Autor:
a) Declarar a resolução do contrato de arrendamento constituído entre o Autor A. e a Ré M. por decisão judicial datada de 2019/09/11 e proferida no âmbito do processo de divórcio n.º 1042/18.5T8AVR que correu termos no Juízo de Família e Menores de Aveiro – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, sobre o prédio misto, sito em (…), composto por cultura arvense, oliveiras, casa de habitação de rés-do-chão e logradouro, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial urbano (…) e o artigo matricial rústico (…), da Freguesia de (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º (…) da freguesia de (…);
b) Condenar a Ré M. a restituir ao Autor A. o prédio melhor referido no ponto a) supra, livre de pessoas e bens;
c) Condenar a Ré M. a pagar ao Autor A. a quantia de €800,00 a título de rendas vencidas e não pagas entre setembro de 2019 e junho de 2020, respeitantes ao contrato referido no ponto a) supra, bem como todas as rendas vencidas a partir de julho de 2020 em diante até trânsito em julgado da presente sentença;
d) Condenar a Ré M. a pagar ao Autor A. a quantia mensal de €80,00 pelo período de tempo em que se mantenha na sua disponibilidade o prédio urbano após o trânsito em julgado da presente sentença e até à sua efetiva entrega ao Autor.
IV
Contra o assim decidido, reagiu a Ré através do presente recurso de apelação, que termina com as seguintes conclusões:
a. Vem o presente recurso a interpor da douta sentença proferida que condenou a R., nos seguintes termos: “Declarar a resolução do contrato de arrendamento… Condenar a R. a restituir ao autor o prédio livre de pessoas e bens… Condenar a R. a pagar ao A. a quantia de €800,00 a título de rendas vencidas e não pagas…. Condenar a R. a pagar ao A. a quantia mensal de €80,00 pelo tempo que se mantenha na sua disponibilidade o prédio urbano após o trânsito em julgado da presente acção…”
b. Com a qual a Ré não concordou pelo que ora se recorre,
c. Entende a R., e ao contrário do decidido do Meritíssimo Juiz a quo, que as rendas se devem considerar pagas,
d. Nada devendo a R. ao A a título de rendas pelo uso de casa morada de família.
Ora vejamos,
e. No seguimento do processo de divórcio com o nº 1042/18.5T8AVR que decorreu no Tribunal de família e menores de Aveiro, procedeu-se à atribuição da casa morada de família à R. por entender aquele tribunal, que a casa seria mais necessária àquela do que ao A. pois tinha um rendimento mensal baixo e necessitava desta para residir com a sua filha menor, ficando assim onerada com o pagamento das despesas da casa como a luz, água, eletricidade e televisão e uma compensação ao autor de 80,00€ (oitenta euros) mensais,
f. Resultando desta decisão um contrato de arrendamento, celebrado por via judicial,
g. Pois, do casamento entre R. e A. nasceu B., relativamente à qual no ano de 2012, se procedeu à regulação das responsabilidades parentais,
h. A que deu origem ao processo nº 110/12.1TBRMR que decorreu no tribunal judicial de Rio Maior,
i . No qual o A. ficou obrigado a pagar à filha menor de ambos a quantia de 70,00€ (setenta euros) a título de pensão de alimentos;
i. Que o A. nunca pagou;
j. Pelo que a R. intentou ação de incumprimento das responsabilidades parentais, a que deu origem ao apenso 110/12.1TBRMR-A, no qual ficou provado que o A. se encontrava em dívida na quantia de 5200,00€ (cinco mil e duzentos euros),
k. No entanto mesmo com esta condenação o A. continuou sem pagar a pensão de alimentos devido à sua filha menor,
l. Pelo que a A. se viu obrigada a instaurar nova ação de incumprimento das responsabilidades parentais a que deu origem ao processo nº 110/12.1TBRMR-B,
m. Pois desde o acordo da regulação das responsabilidades parentais, homologado por sentença, em 29/02/2012, o R. nunca pagou a pensão de alimentos ali estipulada e devida à sua filha menor.
n. No processo nº 110/12.1TBRMR-B que decorreu no tribunal de Família e menores de Santarém – Juiz 3, foi proferida sentença que se transcreve:
”i - julgar verificado o incumprimento por A. da obrigação de prestação de pensão de alimentos à filha B., respeitante ao mês de novembro de 2019 a janeiro de 2020 (inclusive) no montante total de 210,00€ em cujo pagamento se condena, absolvendo-o do mais peticionado;
ii - ordenar o desconto do montante mensal global de €70,00 a título de pensão de alimentos devidos aos filhos na renda (compensação pelo uso da casa da morada de família),
iii - ordenar o desconto do montante mensal de €10,00 na renda (compensação pelo uso da casa de morada de família), até perfazer o montante de €210,00 referido em 1. “
o. Sentença esta que transitou em julgado a 05/03/2020,
p. Em cumprimento da sentença referida em 18. a R. não pagou as rendas pelo uso da casa morada de família, diretamente ao A.
q. Mas sim pagava o valor da pensão de alimentos devida à filha pelo A. com a renda que lhe teria que pagar,
r. Então com esta situação a R. não compensou a sua obrigação de pagamento das rendas com o crédito devido à sua filha
s. Ao invés, o valor da renda pelo uso da casa de morada de família que a R. teria que pagar ao A., no montante de 80,00€, pagaria à sua filha menor de modo a ser cumprida a obrigação de A. a pagar a pensão de alimentos à filha, e a proceder ao seu sustento,
t. Neste caso substituía-se ao A. no pagamento da pensão de alimentos,
u. Sendo este desconto efetuado como se de penhora de créditos,
v. O que é permitido e legalmente previsto conforme disposto no art. 48.º al. c) do RGPTC,
w. Pelo que a sentença proferida no âmbito dos autos de incumprimento das responsabilidades parentais nº 110/12.1 TBRMR-B, decidiu pelo desconto das quantias devidas a titulo de pensão de alimentos no valor das rendas;
x. Decisão na qual a R. confiou e por isso cumpriu,
y. Da mesma Sentença foi junta cópia simples aos autos de que ora se recorre, de modo a comprovar nos mesmos a razão pela qual a R. não pagava a renda diretamente ao A.;
z. No entanto o Meritíssimo Juiz a quo decidiu que tal desconto na renda não poderia proceder, considerando-o enquanto compensação de créditos prevista no art. 847.º do Código Civil, pois o mesmo crédito era titulado pela filha menor e não pela R.
aa. Pelo que considerou que as rendas não se encontravam pagas,
bb. Por conseguinte declarou a resolução do contrato de arrendamento celebrado judicialmente.
cc. E condenou a R. a restituir ao autor o prédio objecto do contrato de arrendamento que se discutiu nos autos de que se recorre
dd. Condenando ainda a R. a pagar as quantias devidas a título de rendas vencidas e não pagas, na quantia de 800,00€
ee. Contudo, e salvo o devido respeito, o desconto da pensão de alimentos no valor da renda não deverá ser entendido enquanto compensação de créditos, nos termos do art. 847.º do CC mas sim enquanto penhora de créditos nos termos do art. 48.º do RGPT,
ff. Devendo assim a decisão proferida na Douta Sentença ser alterada e, por conseguinte, considerarem-se as rendas peticionadas pagas, por desconto do crédito, conforme cumprimento da sentença proferida no processo 110/12.1TBRMR-B,
gg. Nada a R. devendo ao A. a título de rendas pelo uso da casa morada de família,
hh.E nessa senda absolver a R. da Resolução do contrato de arrendamento, por falta de fundamento,
V
Pelo Autor, recorrido, não foi apresentada resposta às alegações de recurso.
VI
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade, que entendeu relevar para a decisão da causa:
1. O prédio misto, sito em (…), composto por cultura arvense, oliveiras, casa de habitação de rés-do-chão e logradouro encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial urbano n.º (…) e o artigo matricial rústico n.º (…), da Freguesia de (…), e
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