Acórdão nº 16709/21.2YIPRT.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-04-07

Data de Julgamento07 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão16709/21.2YIPRT.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam neste colectivo da 6ª Sessão Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO(segue-se, de perto, o Relatório da sentença por espelhar as posições das partes e as vicissitudes processuais).


1–Comunicações, SA, instaurou procedimento de injunção contra SM Unipessoal, Lda., pedindo:
-O pagamento da quantia de 21 828,96€, sendo 20 568,86€ de capital, 430,60€ de juros de mora, 600,00€ de outras quantias e 229,50€ de taxa de justiça paga.

Invocou que está em causa uma transacção comercial.

Alegou que foram celebrados dois contratos de prestação de bens e serviços de telecomunicações, pelos quais ficou obrigada a prestar os serviços no plano tarifário escolhido pela requerida, e esta obrigou-se a pagar o valor dos serviços e a pagar cláusula penal em caso de rescisão antecipada do contrato.São identificadas as facturas cujo pagamento está em falta.

2–Citada, a requerida deduziu oposição, invocando a prescrição da dívida emergente das facturas que se haviam vencido há mais de seis meses aquando da citação. Quanto às restantes, impugna-as, uma vez que jamais as recebeu.

3–Os autos foram remetidos à distribuição, tendo a requerente sido convidada a responder à matéria de excepção, o que fez, defendendo a respectiva improcedência, dizendo tratar-se de uma prescrição presuntiva e não foi alegado o respectivo cumprimento.

4–Convidada a aperfeiçoar a sua alegação de facto, veio a requerente fazê-lo, alegando que a requerida se obrigou a manter o contrato 1.62713093 durante um concreto período de tempo, prevendo-se o pagamento de uma indemnização pelo incumprimento desse período. E que a requerida não pagou várias facturas respeitantes a consumos nem duas facturas respeitantes a indemnização contratual pela rescisão antecipada do contrato: - Factura n.º FT 202012/424993, no valor de 8 385.18€, emitida em 06.11.2020 e vencida em 26.11.2020 - factura relativa a serviços e ao valor da cláusula penal pelos números portados - doc. 9; - Factura n.º FT 202012/469092, no valor de 8 017.11€, emitida em 09.12.2020 e vencida em 29.12.2020 - factura relativa a serviços e ao valor da cláusula penal dos restantes números do contrato.

5–Alertadas para a possibilidade de conhecimento de excepção dilatória inominada por inadequação da injunção para cobrança de cláusulas penais, vieram as partes pronunciar-se, defendendo a autora que face à distribuição da injunção como acção ordinária, ficou prejudicado o conhecimento da excepção.
A ré defendeu a existência da excepção.

6–Com data de 22/10/2021 foi proferida sentença que julgou procedente a excepção dilatória inominada de inadequação do meio processual e, em consequência, absolveu a ré da instância, como seguinte teor decisório:
Consequentemente, e face a tudo o exposto, verificando-se uma exceção dilatória inominada absolvo a requerida da instância, ao abrigo do disposto no artigo 278º, n.º 1, alínea e) do Código do Processo Civil.
Custas pela requerente - artigo 527º, n.º 1 do Código do Processo Civil.
Fixo o valor da causa em 21 599,46€ (vinte e um mil, quinhentos e noventa e nove euros e quarenta e seis cêntimos) – artigo 297º, n.º 1 do CPC.”

7–Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1.-A decisão recorrida absolveu da instância a Recorrida por ter considerado “…verificada uma exceção dilatória inominada”.
2.-Salvo, porém, o devido respeito e contrariamente ao decidido, tendo sido distribuída a injunção em acção de processo comum, em virtude da oposição deduzida, nada obsta a que seja conhecido do mérito da causa, uma vez que o seu conhecimento da cláusula penal peticionada em nada influencia a tramitação do processo.
3.-Deste modo e caso existisse, com a distribuição dos autos em acção comum:
i.-ficou precludida a questão do erro de forma - cfr., no mesmo sentido Acórdão do STJ de 14-02-2012, proferido no processo 319937/10.3YIPRT.L1.S1;
ii.-e sanada a nulidade prevista no art.º 193 do CPC (art.º 196º do CPC).
4.-Motivo pelo qual, deveria o Tribunal a quo, ao invés de absolver da instância, ter conhecido do mérito da acção.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida violou a Lei substantiva, nomeadamente, os artºs 10º n.º 2 do DL 62/2013 de 10.05; art.º 196º e 546º n.º 2 e 547º, todos do CPC.
Deverá, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que determine o conhecimento do mérito da ação.

8– Não foram apresentadas contra-alegações.

***

IIFUNDAMENTAÇÃO

1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, caso as haja, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
- Se com o envio do processo à distribuição como acção comum, ficou precludida a apreciação da questão do erro na forma de processo e sanada a nulidade prevista no artº 193º do CPC.

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2Factualidade Relevante

Com relevância para a apreciação das questões em causa no recurso, considera-se a factualidade mencionada no Relatório que antecede.

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3A Questão enunciada: Se com o envio do processo à distribuição como acção comum, ficou precludida a apreciação da questão do erro na forma de processo e sanada a nulidade prevista no artº 193º do CPC.

Para se apreciar a questão em causa, importa saber se:
i)-O pedido de pagamento de cláusula penal é admissível em sede de procedimento de injunção.
ii)-Se o envio à distribuição da injunção como acção comum preclude a apreciação da questão do erro na forma de processo e sana a nulidade processual respectiva

Vejamos então.

3.1- Quanto à primeira questão: Se o pedido de pagamento de cláusula penal é admissível em sede de procedimento de injunção.
Na análise da questão seguiremos, de perto, o acórdão por nós relatado a 20/02/2020 (publicado em www.dgsi.pt)
A jurisprudência sobre a questão mostra-se dividida: de um lado o entendimento que nega a possibilidade de lançar mão do procedimento de injunção para obter o pagamento de quantia estipulada por cláusula penal (Cf., entre outros, TRL, de 17/12/2015, Maria Teresa Albuquerque; TRP, de 15/01/2019, Rodrigues Pires; TRL de 12/05/2015, Maria Amália Ribeiro; TRL de 15/10/2015, Teresa Albuquerque). Basicamente, o argumento comum a esta posição consiste na afirmação de que a quantia estabelecida a título de cláusula penal não constitui uma obrigação pecuniária em sentido estrito e, por isso, está afastada a possibilidade de recurso à via injuntória porque reservada a pedidos de quantia pecuniária stricto sensu.
De outro lado há uma linha jurisprudencial que admite o recurso ao procedimento de injunção como meio processual para obter o pagamento de quantia pecuniária indemnizatórias ainda que estabelecida por cláusula penal (Cf., entre outros, TRL, de 18/03/2010, Bruto da Costa; TRC, de 26/06/2012. Henrique Antunes). Basicamente, o argumento decisivo desta posição radica na conclusão de ser admissível ao credor exigir do devedor a indemnização fundada em cláusula penal desde que a prestação prometida pelo devedor consiste numa soma pecuniária.

Também a doutrina sobre a questão não é totalmente coincidente.
Assim, Salvador da Costa (A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5ª edição, Almedina, pág. 43) salienta a importância de “…distinguir consoante a natureza da cláusula penal em causa, isto é, conforme ela foi convencionada a título indemnizatório, para o caso de incumprimento de um contrato, ou com escopo meramente compulsório. Na primeira situação trata-se de indemnização por incumprimento contratual antecipadamente fixada e, consequentemente não pode ser exigida neste tipo de acção ou de procedimento; na segunda situação, em que se está perante uma sanção aplicável sempre que se verifique ou não um facto contratualmente previsto, parece que nada obsta a que o pedido do montante convencionado possa ser objecto da acção ou procedimento em causa.”.

No mesmo sentido se pronuncia Carlos Pereira Gil (Algumas Notas Sobre os DL. 269/98 e 274/97, CEJ, 1999, pág. 3, nota 7): “…se se tratar de uma cláusula penal indemnizatória, estaremos face a uma típica indemnização pelo dano fixada prévia e contratualmente. Daí que, a nossa ver, não possa tal cláusula penal ser exigida nessa acção. Porém, se a cláusula penal tiver escopo exclusivamente compulsório, não poderá afirmar-se que constitua uma indemnização pelo dano. Nesta situação depara-se-nos uma soma monetária estipulada a título de mera sanção sempre que ocorra ou não o evento contratualmente previsto. Deste modo, parece-nos que nesta modalidade de cláusula penal poderá ser reclamada nesta acção, pois trata-se de uma mera importância pecuniária pactuada para sancionar certa conduta.”.

Também neste sentido se pronuncia Paulo Duarte Teixeira (Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção, Themis, ano VII, nº 13, 2006, pág. 188).

Esta parece ser também a posição do Departamento de Formação do Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores (Os procedimentos especiais do DL 269798, de 1 de Setembro, 2013, pág. 11 e seg.).

Posição algo diferente defendem João Vasconcelos Raposo/Luís Batista Carvalho (Injunções e Ações de Cobrança, Quid Juris, 2012) “…esta não é a via processual adequada para accionar cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente de mora ou qualquer vicissitude na execução do contrato…(…) …o sentido do diploma e das regras que o integram é o de conceder uma via especialmente simples para a cobrança das dívidas que estejam
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