Acórdão nº 16706/19.8T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 24-05-2022

Data de Julgamento24 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão16706/19.8T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A [ Sofia ……e OUTROS ] , intentaram a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra B [ ….,S.A.] [1], pedindo a condenação da ré a pagar:
1) a cada um dos autores a quantia de 600,00 euros;
2) a quantia de € 117,40, correspondente ao valor dos gastos com transporte e alimentação;
3) ao autor Damião ……a quantia de € 400,00; e a cada um dos demais autores, a quantia de € 200,00 euros, a título de indemnização por “danos morais”;
4) € 134,00 a cada Autor pelas noites de alojamento pagas e não gozadas;
5) Juros de mora vencidos desde 16-08-2018 até à data da propositura da ação, no montante de € 569,58 e vincendos desde essa data até integral pagamento.
Para tanto alegam, em síntese, que a ré é uma companhia de aviação que se dedica a operações de “voos charter”, e que contrataram com a ré um voo com partida de Lisboa e com destino a Samaná, República Dominicana, que tal voo veio a ser cancelado devido ao embate de um camião de catering na aeronave, quando esta se achava estacionada no aeroporto de Lisboa, e que a ré não cumpriu os deveres de assistência a que estava obrigada, nem os indemnizou pelo atraso do mesmo voo, que só se veio a realizar no dia subsequente. Invocam em abono das pretensões manifestadas a Convenção para a unificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional, assinada em Montreal em 28-05-1999 (Aprovada pelo Decreto nº 39/2002, de 27-11), bem como o Regulamento (CE) nº 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11-02,
Citada a ré, a mesma contestou, impugnando parte da factualidade invocada na petição inicial, e sustentando não assistir aos autores direito a qualquer compensação pelo atraso do voo, porquanto o mesmo se deveu a circunstâncias extraordinárias, tal como previsto no art. 5º, nº 3 do Regulamento (CE) nº 261/2004.
Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador, seguido de despacho que fixou o objeto do litigio, e selecionou os temas de prova.
Posteriormente, teve lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“(…) julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno o Réu a pagar a cada um dos Autores a quantia de 600,00 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação para a presente acção até efectivo e integral pagamento.
Absolvo o Réu do mais peticionado.”
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, apresentando alegações cuja motivação sintetizou nas seguintes conclusões:
a) A recorrente foi condenada ao pagamento de € 600,00 (seiscentos euros) a cada um dos 15 (quinze) Autores num total de € 9.000,00 (nove mil euros), quantia a que acrescem juros de mora, à taxa legal, por considerar a Recorrente responsável pelos prejuízos decorrentes do cancelamento de um voo.
b) A Recorrente não concorda com a douta Sentença pois a matéria de direito está inquinada de erro na valoração / interpretação jurídica do direito aplicável considerando a prova efectuada em audiência de julgamento impondo-se claramente a reapreciação da prova gravada e consequente enquadramento jurídico na senda da jurisprudência já existente noutros processos idênticos.
c) Impõe-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por uma outra que vá de encontro àqueles que são os princípios de Direito e Justiça.
d) Considerou-se provado o cancelamento de um voo tendo como destino Samaná operado pela recorrente em virtude da “colisão de um veículo de catering com a aeronave, dando causa a que, por razões de segurança tenha sido cancelado o voo programado para essa aeronave”, conforme se lê na douta sentença.
e) Erradamente o Douto Tribunal na sentença ora Recorrida considerou que tal fatalidade “não constitui uma circunstância extraordinária por ser um evento inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea em causa”.
f) Existe, sem dúvida, uma causa de exclusão da responsabilidade da Recorrente;
g) Conforme factos provados elencados na sentença, verificou-se uma circunstância extraordinária refletida no embate de um veículo do aeroporto – veículo de catering – na aeronave a utilizar no transporte aéreo, enquanto a mesma se encontrava parqueada no aeroporto,
h) Tal resulta da provada gravada ao minuto 1:27, onde a Testemunha Nuno …. referiu quando questionado quanto à forma como as aeronaves são estacionadas no aeroporto seguindo indicações do próprio aeroporto “Não, é de acordo com indicações específicas. Ou por um elemento do aeroporto que é o Follow me, que é são os senhores com as raquetes que fazem o estacionamento das aeronaves, numa determinada linha que está marcada para o tipo de aeronave. A nossa encontrava-se nessa situação, parqueada, tínhamos a limpeza a bordo, estava o supervisor.”
i) Tendo ainda sido claro que, a situação por si só era anómala e não inerente à atividade pois a testemunha Nuno …. também referiu claramente referiu que, na verdade, a prestação dos serviços de refeição não é, de todo, inerente ao contrato de transporte aéreo.
j) À semelhança do entendido no acórdão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no âmbito do Processo n.º 20104/19.5T8LSB que correu os seus termos no Juiz 21 do Juízo Local Cível de lisboa e que versa sobre o ocorrido no mesmo voo, determinou que, não se pode entender que o referido embate do veículo de catering constitua um risco inerente à atividade e normal funcionamento da transportadora.
k) Como doutamente decidido “pese embora o serviço de catering seja prestado por um prestador de serviços contratado pela Ré, a (eventual) negligencia do condutor do veículo escapa ao controlo daquela. E repare-se que não estamos a falar das escadas moveis de acesso à aeronave [como sucede no Processo C-394/14 (Sandy Siewert e outros v Condor Flugdienst) do TJUE] ou até à colocação da manga, serviços prestados pela própria entidade aeroportuária ou até pelos funcionários da Ré [serviços esses indispensáveis ao exercício da atividade de transporte aéreo de passageiros], estamos sim, a falar de um prestador terceiro cujo funcionamento não é totalmente inerente ao exercício normal da actividade de transportadora aérea. Repare-se que, nem todos os voos têm serviço de catering (e cada vez menos por forma a serem oferecidos preços low cost) pelo que para além de não ser essencial (diferente seria se fosse um veiculo de abastecimento de combustível, serviço prestado por entidade aeroportuária) não é automaticamente inerente e escapa claramente ao controlo efectivo da transportadora.”.
l) Tal resulta da inquirição à testemunha Nuno …. iniciada a minuto 04:07, quando questionada quanto ao facto das refeições serem parte do serviço contratado foi claramente referido “Não está inerente à prestação de serviços. Nós não somos obrigados a dar refeição. É uma cortesia das companhias, até se pode dizer o exemplo das low costs. Eles não dão. Nós damos por cortesia e porque queremos.”
m) O serviço de catering não é um serviço inerente à atividade da transportadora aérea, não sendo aliás um elemento essencial do contrato de transporte, logo os danos decorrentes de uma falha desse serviço não é considerada inerente à atividade de transporte aéreo de passageiros, ou seja, à atividade da Recorrente.
Acresce que,
n) Nos termos do artigo 19° da Convenção de Montreal, a ora Recorrente deve ser considerada isenta de responsabilidade pelo dano resultante de atraso no voo uma vez que ela ou os seus trabalhadores adotaram todas as medidas que poderiam razoavelmente ser exigidas para evitar o dano,
o) O atraso e cancelamento do voo ficou a dever-se à atuação de terceiros operadores do sector, sobre os quais a Recorrente não tem qualquer influência ou controlo, pelo que tal atuação não pode, de maneira alguma, ser-lhe imputável.
p) Deve a recorrente ver-se eximida de qualquer responsabilidade;
q) Por questões de segurança, as autoridades aeroportuárias e o fabricante da aeronave determinaram que o voo em causa não poderia ser realizado sem a respetiva verificação e reparação necessária, tendo gerado um atraso e posterior cancelamento do voo;
r) Também ao abrigo do Regulamento n.º 261/2004, no Considerando 15º e no artigo 5.º, n.º 3, as transportadoras aéreas não estão obrigadas a pagar uma indemnização se provarem que o cancelamento ou o atraso considerável se deveram a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis,
s) mais precisamente, devido a circunstâncias que escapam ao controlo efectivo da transportadora aérea (acórdão Sturgeon, Ac. 22.12.2008, Wallentin-Hermann, C-549/07, Colet., p. I-11061, e Nelson).
t) E no presente caso foram.
u) Efetivamente, mesmo face à máxima diligência da Recorrente e seus colaboradores e mesmo tomadas todas as medidas de segurança, a fatalidade do embate do veículo de catering nas rodas da aeronave constitui uma circunstância extraordinária, imprevisível e totalmente fora do controlo da Recorrente.
v) A recorrente adotou todas as medidas possíveis, veja-se o depoimento da testemunha Nuno ….. ao minuto 04:07 do sue depoimento que refere claramente: “Quando se aperceberam que o voo não iria sair, já começou a referir isso, quais foram as medidas adotadas de assistência? Deram-se snacks e ainda se deu jantar por causa do tempo que se demorou. Entre dar o snack e o jantar eu falei com outra companhia portuguesa para saber se tinham possibilidade de aeronave. Para saber se nos podiam ceder para efetuar o voo. Os meus colegas do departamento comercial contactaram outras empresas a nível europeu, também a saber se tinham disponibilidade. E este é o procedimento normal, que se faz. Mas estamos a falar, como eu já referi, de 16 de agosto, mudanças de quinzena, destinos são o que são e as
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