Acórdão nº 167/22.7T8VIS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-11-07

Ano2023
Número Acordão167/22.7T8VIS.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU)
Apelações em processo comum e especial (2013)

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Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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1 – RELATÓRIO

A..., S.A.”, com sede em ..., ..., demanda, para o que ora releva, a “B..., S.A.”, com sede em Madrid, España, na presente ação declarativa de condenação com processo comum, pedindo a condenação da ré no pagamento do total de € 60.678,59 e juros, desde a citação e até integral pagamento. Justifica o pedido – e em muito breve súmula – por ter sido um seu veículo atingido e danificado por via de acidente de viação que se ficou a dever a culpa exclusiva de condutor de um outro automóvel, seguro na ré, e a quantia em causa resultar dos prejuízos sofridos pela reparação do veículo da autora, bem como da sua paralisação e das despesas suportadas para o trazer do local do acidente até à sede da autora, onde foi reparado.

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Contestou a seguradora ré, alegando – para o que ora releva, e também em muito breve síntese – que aceita que o acidente se ficou a dever a culpa do seu segurado, bem como que lhe cumpra indemnizar a autora pelos prejuízos daí decorrentes, mas sustenta que desconhece as despesas avançadas pela autora, e invoca que o longo tempo de paralisação se não pode imputar ao acidente, pelo que lhe não cumpre custear tal prejuízo.

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Foi proferido despacho saneador, no qual, para o que ora releva, se procedeu à delimitação do objeto do litígio e dos temas da prova, sem reclamações.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, dentro do formalismo legal (como se alcança da respectiva Ata), com discussão nela da prova documental e testemunhal apresentada pelas partes.

Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados e não provados, relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que no tocante à indemnização à Autora pelos prejuízos decorrentes da paralisação que o veículo sofreu, era de atribuir o valor de € 11.961,35, e no demais procedendo os parciais peticionados a título de reparação do veículo, transporte do mesmo para Portugal e pagamento dos honorários a advogados e notário, assim se vindo a concluir pelo seguinte concreto “Dispositivo”:

«Julgo a presente acção parcialmente provada e, nessa medida, procedente, pelo que condeno a ré, B... SA, no pagamento à autora, A... SA, das seguintes quantias:

1- € 11.961,35, a título de paralisação do veículo;

2- € 6.021,72, a título de reparação do veículo;

3- € 720,57, a título de transporte do veículo para Portugal;

4- € 1.269,36, a título de pagamento de honorários a advogados e notário;

5- Juros, à taxa legal e até integral pagamento, desde a citação, quanto às verbas 2, 3 e 4, e desde a data desta decisão relativamente ao valor referido em 1;

e absolvo a mesma ré de tudo o mais contra ela pedido.

Custas por autora e ré, na razão directa dos respectivos decaimentos.»

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Inconformada, apresentou a Autora recurso de apelação contra a mesma, cuja alegação finalizou com as seguintes conclusões:

«I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos e datada de 09/01/2023 e que, dando parcial procedência à presente ação intentada pela autora/recorrente, condenou “a ré, B... SA, no pagamento à autora, A... SA, das seguintes quantias:

1- € 11.961,35, a título de paralisação do veículo;

2- € 6.021,72, a título de reparação do veículo;

3- € 720,57, a título de transporte do veículo para Portugal;

4- € 1.269,36, a título de pagamento de honorários a advogados e notário;

5- Juros, à taxa legal e até integral pagamento, desde a citação, quanto às verbas 2, 3 e 4, e desde a data desta decisão relativamente ao valor referido em 1;

e absolvo a mesma ré de tudo o mais contra ela pedido.

Custas por autora e ré, na razão directa dos respectivos decaimentos.”

II. A recorrente discorda da sentença ora recorrida pois, mui respeitosamente, a sentença de que se recorre incorre em erro de julgamento sobre a matéria de facto, bem como incorre em erro de interpretação e aplicação do direito, revelando-se assim injusta e desproporcionada.

Primeiramente,

III. A autora considera que foram incorretamente julgados, pelo tribunal a quo, e que deveriam ter sido, (e não foram), considerados provados, os seguintes factos:

III.a. 136 Tendo ficado impossibilitada de afectar o mesmo (veículo) à sua normal utilização, como seja a realização de serviços de transporte de mercadorias;

III.b. 137 O que fez com que não tivessem podido ser feitos serviços de transporte internacionais de mercadorias;

III.c. 138 Durante aqueles 201 dias, período em que a autora viu o seu veículo paralisado, total e permanentemente impossibilitado de circular, a autora teve sempre solicitação de serviços de transportes.

III.d. 139 Serviços esses, que lhe permitiam uma utilização normal e regular do veículo.

III.e. 140 E que deixou de efectuar durante todo aquele período.

III.f. 145 De resto, a autora manteve inalterados todos os seus custos de exploração, apesar de ter perdido a fonte de produção que o veículo representava.

IV. Sendo que, quanto aos factos 139, 140 e 145, os mesmo foram considerados parcialmente provados, razão pela qual deverá, na medida do exposto, alterar-se a redacção dos mesmos para a agora sugerida, e ainda, excluírem-se do acervo dos factos não provados a parte que, relativamente a tais factos, ali ficou a constar.

Assim,

V. Para fundamentar a impugnação à matéria de facto, concretamente a supra enumerada, e o sentido em que a mesma deveria ter sido respondida, deverá atender-se às declarações reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 06.01.2023, com início às 10 horas e 30 minutos e terminus às 12 horas e 30 minutos, de:

V.a.AA, motorista de pesados na sociedade autora e que, na data dos factos, tripulada o veículo sinistrado, com a referência 20230106110058_3568025_2871922, nas concretas passagens daquela gravação, entre os 00:05:22 minutos e os 00:06:04 minutos; os 00:06:30 minutos e os 00:06:51 minutos, os 00:06:56 minutos e 00:07:20 minutos;

V.b.BB, responsável da manutenção da frota da sociedade autora, com a referência 20230106110904_3568025_2871922, nas concretas passagens daquela gravação, entre os 00:05:02 minutos e os 00:06:00 minutos;

V.c. CC, operador de tráfego há mais de duas décadas na sociedade autora, com a referência 20230106111752_3568025_2871922, nas concretas passagens daquela gravação, entre os 00:00:25 minutos e os 00:02:29 minutos, os 00:02:30 minutos e os 00:02:58 minutos, os 00:03:09 minutos e os 00:03:55 minutos, os 00:03:56 minutos e os 00:04:20 minutos, os 00:10:29 minutos e os 00:10:43 minutos, os 00:11:21 minutos e os 00:13:13 minutos.

V.d.DD, administrador da sociedade autora e, nessa medida, representante legal da mesma, com a referência 20230106120402_3568025_2871922, nas concretas passagens daquela gravação, entre os 00:08:57 minutos e os 00:11:08 minutos, os 00:11:09 minutos e os 00:12:03 minutos, os 00:12:06 minutos e os 00:15:30 minutos, os 00:16:50 minutos e os 00:17:32 minutos.

VI. Já o período de paralisação, por 201 dias, de 05/09/2019 a 23/03/2020, resulta provado pelos documentos juntos aos autos, designadamente os documentos 9 e 10, sendo estes o relatório de peritagem e despacho judicial sobre a entrega do veículo à autora, respectivamente. Além de que, ressalve-se, o tribunal a quo aceitou tal facto, constando o período da paralisação dos factos provados.

Assim,

VII. Apreciando as declarações das testemunhas e do representante legal da autora, resulta provado (ou deveria ter resultado) que durante aqueles 201 dias em que a autora esteve impedida de usar o veículo sinistrado, na sequência do sinistro ocorrido, a autora teve sempre solicitação de serviços de transporte. Quais serviços, em concreto, ficaram por realizar em razão do veículo estar impedido de circular, não foi possível apurar; contudo, a prova testemunhal produzida não deixou dúvidas quanto ao volume de solicitações diárias de serviços de transporte que a autora tem. Aliás, que tem no presente, que tinha antes da ocorrência do sinistro e que, naturalmente, teve durante os referidos 201 dias em que se viu privada daquele veículo. Assim como dúvidas não podem restar de que a autora não possui veículos suficientes para dar resposta aos serviços de transporte para os quais é solicitada. Logo, se o veículo sinistrado esteve imobilizado durante 201 dias (o que é facto assente), tendo a autora, consequentemente, ficado privada do seu uso por igual período, é evidente que também o não pôde afectar à actividade a que está adstrito, que é o transporte de mercadorias. Logo, ficou a autora impedida de fazer um uso “normal” do veículo sinistrado, que é (naturalmente) o transporte de mercadorias. Ora, se o veículo não foi adstrito à realização dos serviços de transportes, durante 201 dias, logo esteve a autora privada da correspondente facturação e inerente lucro resultante dessa actividade. Estas conclusões, imprescindíveis à decisão final, partem todas do mesmo pressuposto, que é a paralisação do veículo, e assentam em pressupostos cuja prova foi, salvo melhor opinião, positivamente conseguida em sede de audiência de discussão e julgamento.

VIII.Ademais, a tais conclusões sempre chegaria o tribunal pelas regras de lógica e experiência comum.

IX. Além disso, diga-se que igualmente se discorda da posição do tribunal a quo, no que diz respeito à avaliação e ponderação do depoimento prestado pela testemunha CC em audiência de julgamento, pondo em dúvida a credibilidade do mesmo, sem esclarecer as razões para tal juízo, sendo que, na verdade, a invocada falta de credibilidade carece de qualquer sustentação...

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