Acórdão nº 16697/19.5T8LSB.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 03-11-2022

Data de Julgamento03 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão16697/19.5T8LSB.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

C instaurou acção declarativa, com processo comum, contra A tendo pedido a condenação desta no pagamento da quantia de €60.000,00.
Alega para tanto que celebrou com a ré, esta na qualidade de promitente vendedora e aquela na qualidade de promitente compradora, contrato promessa relativo a imóvel de que a segunda era proprietária, pelo preço de €160.000,00. Na celebração do contrato promessa a autora entregou à ré, a título de sinal, a quantia de €30.000,00.
A autora imputa à ré o incumprimento definitivo do contrato promessa, pretendo ser restituída do sinal em dobro.
Na contestação a ré defende que o incumprimento é imputável à autora, pelo que tem direito a fazer seu o sinal recebido.
Realizada audiência prévia, foram as partes informadas da proposta de decisão de mérito da ação, tendo exercido o contraditório.
Foi proferido saneador sentença que julgou procedente a presente ação e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de €60.000,00 (sessenta mil euros); acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a citação da ré, e até pagamento integral.
Inconformada, interpôs a ré competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:
A) O motivo da discordância da apelante da douta sentença recorrida prende-se, essencialmente, com a desconsideração de que a apelada C, também não cumpriu o contrato-promessa e, pense embora esse incumprimento não fosse qualificado juridicamente como definitivo, devia de ter sido tido valorado para efeitos da determinação da quantia a ser restituída a título de sinal (em dobro, singelo, reduzida ou excluída), nos termos do art.º 570.º do Código Civil.
B) A apelada estava em incumprimento e mora, após 13 de julho de 2015.
C) É certo que o Código Civil prevê que a mora da apelada, para ser convertida em incumprimento definitivo, carecia de uma interpelação admonitória com vista ao cumprimento do contrato promessa, a efetuar pela apelante, nos termos do seu art.º 808.º.
Mas era exigível que a apelante, que não é jurista e recorre ao apoio judiciário (e por isso não tinha advogados para a aconselhar ao tempo dos factos), tivesse a obrigação de saber que tinha de interpelar a apelada para o cumprimento da obrigação, quando já passara o prazo para celebrar a escritura definitiva?!
D) Foi a apelante que marcou as escrituras de compra e venda do imóvel, mas estas não se concretizaram por motivos exclusivamente imputáveis à apelada.
E) A apelante enviou à apelada uma carta, em 06-07-2015, a comunicar que a escritura pública de compra e venda se encontrava marcada para o dia 13-07-2015, que veio devolvida com a indicação “objeto não reclamado”.
F) Tendo em consideração o comportamento inadimplente por três vezes repetido sucessivamente pela apelada, é manifesto que a apelante se convenceu que, passado o prazo para a celebração do contrato definitivo (60 dias depois de 6 meses de negociação), aquela já não iria celebrar o negócio, pelo que foi celebrar um novo contrato com quem se mostrara interessado em adquirir o imóvel à própria apelada que não o concretizava.
G) Por causa do arresto e da ação instaurados pela apelada contra a apelante, o imóvel acabou por ser vendido judicialmente em processo de execução, tendo isso causado prejuízo considerável à apelante.
H) Pode-se concluir dos factos dados como provados pelos Tribunais, que não houve qualquer intenção da apelante prejudicar a apelada, que aquela procurou realizar o negócio prometido que só não foi concretizado por inadimplemento sucessivo da apelada e que a apelante agiu na convicção de que não estava a cometer qualquer ilicitude ou a incumprir as suas obrigações.
I) A apelante é culpada de não saber que tinha de interpelar a apelada para o cumprimento do contrato definitivo, para que o incumprimento da apelada se considerasse definitivo. Isto não obsta, todavia, que tenha existido incumprimento da apelada e que ela não agiu de forma transparente e de boa fé em todo o processo negocial - nomeadamente, retirando documentos do cartório que tornaram a escritura inviável, ausentando-se e não levantando a correspondência da apelante – pondo assim em causa os princípios da confiança e da correção, inseridos no conceito de boa fé e que se revelam essenciais e até estruturantes da ordem jurídica contratual, pelo que não se lhe deve reconhecer o direito ao dobro do sinal restado.
J) Não se pode desconsiderar o incumprimento imputável à apelada, que foi devidamente interpelada para a celebração da escritura pública de compra e venda e não a outorgou, sendo também ela “agente” de incumprimentos no tocante a algumas das obrigações assumidas no âmbito do contrato promessa.
K) Assim, conclui-se que quer a apelante, quer a apelada, contribuíram de alguma forma, no contexto contratual do contrato promessa, para o não cumprimento da respetiva obrigação principal.
L) O artigo 570.º n.º 1 dispõe “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”
M) Posto isto, deve-se concluir que, no caso em apreciação, verifica-se um incumprimento do contrato-promessa de compra e venda de feição bilateral por causas imputáveis aos dois outorgantes, com culpas concorrentes, impondo-se determinar a dispensa da restituição do sinal em dobro.
Nestes termos e com o douto suprimento, que se pede, requer-se a V. Exas que se dignem considerar o presente recurso procedente e, consequentemente, se dignem revogar douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que determine a dispensa de a apelante restituir o sinal em dobro à apelada.
Julgando assim, farão V. Exas, como habitualmente JUSTIÇA!»
Não houve contra-alegações.
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A única questão decidenda consiste em saber se a autora contribuiu para o incumprimento definitivo do contrato-promessa e em que termos.
***
São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:
1.º No final do mês de janeiro de 2015, foi apresentado à requerente, por intermédio de um mediador imobiliário, um prédio em Lisboa, pertença da ré, que se encontrava devoluto (…).
2.º Em 12 de maio de 2015, entre autora e ré foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, pelo qual esta última na sua qualidade de dona e legítima proprietária do prédio urbano em regime de propriedade total, composto por Rés-do-chão, 2 andares e sótão – 68m2 cobertos, situado – Rua … em Lisboa, prometeu vender à primeira e esta se comprometeu a comprar, o referido prédio pelo preço total de €160.000,00 (cento sessenta mil euros).
3.º Contrato esse cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(...). É livremente e dentro dos princípios de boa fé ajustado e reciprocamente aceite o presente contrato promessa de compra e venda que se regerá pelas cláusulas seguintes: (…). Cláusula 2ª (Objeto): 1. Pelo presente contrato promessa, a 1ª contratante promete vender à 2ª contratante e esta promete comprar, o imóvel identificado na cláusula anterior, no estado em que o mesmo ora se encontra, pelo preço total de €160.000,00. 2. As partes declaram que acederam e analisaram toda a documentação referente ao imóvel objeto do presente contrato, assim como ao próprio imóvel. 3. A 2ª contratante poderá ceder a sua posição no presente contrato de promessa a terceiros. Cláusula 3ª (Preço): O preço acordado na cláusula anterior será pago da seguinte forma: A) Na data da assinatura do presente contrato, a 1ª outorgante recebe da 2ª outorgante, como sinal e princípio pagamento do preço do imóvel, a quantia de €30.000,00 em cheque bancário, do qual dá a respetiva quitação com a assinatura do presente contrato e após boa cobrança do meio de pagamento; B) O remanescente do preço no valor de €130.000,00 será pago no ato da escritura com cheque bancário da seguinte forma: (…).Cláusula 4ª (Escritura Pública. Prazo): 1. A respetiva escritura pública de compra e venda será celebrada no prazo de 60 dias a contar da assinatura do presente contrato. Cláusula 5ª (Escritura Pública. Notificação): A 2ª contratante notificará a 1ª contratante, por carta registada com aviso de receção, para a respetiva morada (acima indicada), com pelo menos 15 dias de antecedência, da data, hora e local onde a escritura será celebrada, comprometendo-se a 1ª contratante a entregar toda a documentação necessária para outorga da referida escritura e a prestar as competentes declarações para os registos provisórios de aquisição, se os mesmos se vierem a efetuar. (…). Cláusula 12ª (Incumprimento): 1. O incumprimento definitivo do presente contrato promessa pela 1ª contratante, confere à 2ª contratante o direito de resolver o presente contrato promessa e exigir à 1ª contratante a restituição, em dobro, do sinal entregue. 2. O incumprimento definitivo do presente contrato promessa pela 2ª contratante confere à 1ª contratante a faculdade de resolver o presente contrato promessa, fazendo seus, os valores recebidos a título de sinal. Cláusula 13ª (Execução Específica): Independentemente do estipulado na cláusula anterior, em caso de incumprimento definitivo do presente contrato, o contraente não faltoso, poderá optar entre o condicionalismo estabelecido no artigo 442º e a execução específica no artigo 830º, ambos do Código Civil.”
4.º Em agosto de 2015 a ré outorgou um contrato-promessa de compra e venda com terceiros, relativo ao imóvel que prometeu vender à autora, promessa essa à qual foi atribuída eficácia real e que foi sujeita a registo.
5.º Após ter conhecimento de tal facto, a requerente, deu entrada ao abrigo do disposto no artigo 391º do CPC de um procedimento cautelar especificado de arresto, contra a ré nos presentes
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