Acórdão nº 1665/20.2T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-03-07

Ano2024
Número Acordão1665/20.2T8CHV.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

BB instaurou ação declarativa, sob a forma comum, contra CC, pedindo a condenação da ré a:
a) reconhecer que nenhum direito de propriedade tem sobre as parcelas em causa (artigos ...47..., ...48..., ...49... e ...50.º);
b) reconhecer que os artigos atrás referidos são propriedade da A DD;
c) Abster-se de, por qualquer meio, obstar à fruição e posse dos terrenos pela A;
d) desocupar o mesmo terreno, deixando-o livre e devoluto.
Para fundamentar as suas pretensões, a autora alegou, em síntese, que por escritura de compra e venda outorgada em 10-03-2020 adquiriu quatro prédios rústicos sitos em ... freguesia ..., concelho ...: - artigo 2347.º com a área de 240m2, que confronta a norte com a escola, nascente e sul EE e poente com caminho público; - artigo 2348.º com a área de 24 m2 a confrontar a norte e nascente com FF, sul com a escola e poente com caminho público; - artigo 2349.º com a área de 98 m2 que confronta a norte com ..., nascente EE, sul com casa de habitação de AA e poente com caminho público; - artigo 2350.º com a área de 46 m2 que confronta a norte com GG, nascente EE, sul FF e poente caminho público; que faziam parte da herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de HH, falecido que foi a ../../2011 a que sucedeu como única e universal herdeira o seu cônjuge AA, encontrando-se os prédios atrás referidos registados na CRP ... a favor da A, pela AP ...34 de 11-03-2020; a autora reside em ... e deslocando-se poucas vezes a Portugal, numa dessas vindas apercebeu-se de que a ré começou a cultivar as parcelas referidas, concretamente plantando árvores e fazendo culturas agrícolas sazonais. Sendo chamada à atenção por estar a cultivar prédio que lhe não pertencia, a ré referiu que esse terreno lhe pertencia, uma vez que o tinha comprado a AA; estas parcelas são imediatamente nas traseiras das casas da autora e da ré, acedendo-se às mesmas por um portão a partir de um caminho público.
A ré contestou, excecionando a ineptidão da petição inicial e impugnando os factos alegados pela autora. Pugna pela improcedência da ação, sustentando que que os prédios que a autora reivindica se situam no lugar da ..., que dista da casa da ré cerca 500 metros, afirmando desconhecer os terrenos que a autora reivindica, os quais não estão na sua posse.
Mais alega a ré que, no dia 16 de abril de 2014, comprou a AA o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia ... sob o art.º ...89.º, o qual é constituído por casa, cabanal, garagem/armazém com cerca de 41 m2 e uma parcela de terreno com cerca de 400 m2, tendo sido este conjunto que a referida AA vendeu à ré. A ré possui este prédio desde 2014 até ao presente, no seu conjunto, como coisa sua, de forma pública, pacifica, ininterrupta, de boa fé e na convicção de ser dona exclusiva do mesmo. Lavra a terra, introduz as culturas que quer, planta árvores, faz uso da água, substituiu o portão de acesso à terra, colhe os frutos; tudo sem prestar contas a ninguém e sempre na convicção de estar a exercer um direito próprio. Acresce que é no referido terreno que se situa a “fossa” séptica, sendo pelo mesmo que passam as condutas de água que permitem o abastecimento da casa e é no muro de vedação do terreno que está implantando o contador da água. Existem duas janelas da casa de habitação que deitam diretamente para o referido terreno. A autora bem sabe que nenhum direito lhe assiste sobre tal prédio.
Deduziu incidente de intervenção principal provocada de AA, uma vez que se a presente ação for procedente, entende ter um direito de regresso contra a mesma pois pretende anular, com base em erro, o contrato de compra e venda que outorgou.
Designada data para a realização de audiência prévia, foi proferido despacho julgando improcedente a exceção dilatória de nulidade de todo o processado por ineptidão da petição inicial e indeferindo o incidente de intervenção deduzido. Foi proferido despacho sobre os meios de prova apresentados e requeridos.
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, julgando a ação procedente, a qual se transcreve na parte dispositiva:

«Por tudo quanto foi dito julgo a presente ação que BB instaurou contra CC procedente por provada e, em consequência:
A) reconheço a autora titular do direito de propriedade sobre os prédios descritos na escritura pública outorgada a 10 de março de 2020 em que foi vendedora AA:
a) Prédio rústico composto de terra de cultivo com a área de 290 m2, a confrontar do norte com Escola, nascente e sul com EE e poente com caminho público, inscrito na matriz sob o art. ...47º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11 e o direito de propriedade inscrito a favor da autora pela Ap....34 de 2020/03/11.
b) Prédio rústico composto de horta com a área de 24 m2, a confrontar do norte e nascente com FF, sul com Escola, e poente com caminho público, inscrito na matriz sob o art. ...48º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11 e o direito de propriedade inscrito a favor da autora pela Ap....34 de 2020/03/11.
c) Prédio rústico composto de terra de cultivo com a área de 98 m2, a confrontar do norte com ..., nascente com EE, sul com casa de habitação de AA e poente com caminho público, inscrito na matriz sob o art. ...49º, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11 e o direito de propriedade inscrito a favor da autora pela Ap....34 de 2020/03/11.
d) Prédio rústico composto de horta com a área de 46 m2, a confrontar do norte com GG, nascente com EE, sul com FF e poente com caminho público, inscrito na matriz sob o art. ...50º, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11 e o direito de propriedade inscrito a favor da autora pela Ap....34 de 2020/03/11.
B) Condeno a ré a desocupar e a entregar os identificados prédios à autora, livre e devolutos, bem como a abster-se de praticar qualquer ato que afete ou perturbe o exercício do direito de propriedade da autora.
Custas a cargo da ré – cfr. art. 527º, do Cód. Proc. Civil.
Registe e notifique.
(…)».

Inconformada com esta decisão, a ré interpôs recurso de apelação, pugnando no sentido da revogação da decisão e sua substituição por outra que julgue a ação improcedente, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1- A Recorrente/Apelante entende que a douta sentença é injusta e não realiza uma avaliação, correcta e ponderada, da prova produzida e atendível.
2- A douta sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia e, ainda, por falta de fundamentação,
3- Designadamente, quando é totalmente omissa quanto à localização dos imóveis e ao local da “...” que lhe está associado,
4- E quando nada menciona quanto à declaração emitida pela Junta de Freguesia e que situa a “...” a quinhentos metros das casas da Recorrente e da Recorrida,
5- A douta sentença recorrida enferma, ainda, do vício de falta de fundamentação quanto refere a existência de quatro parcelas de terreno, quando as descreve, quando refere as suas áreas e quando define as suas confrontações,
6- A Recorrente, sempre, afirmou que só existe (e só possui) uma parcela de terreno,
7- Nenhuma das testemunhas foi inquirida quanto a essa matéria; pelo que o Tribunal não tem como julgar tal(ais) questão(ões),
8- Verifica-se, ainda, ser impossível de “encaixar” (qual puzzle) as quatro parcelas umas nas outras, em função dessas confrontações,
9- A admitir-se que a confrontação com a Escola, respeita a uma, antiga, escola que funcionava numa das casas (fosse na casa da testemunha AA, fosse na casa da Autora), como é que uma das parcelas confronta pelo norte com a Escola (a que corresponde ao artigo matricial ...47º.) e outra confronta a sul, também, com a Escola (a que é identificada com o artigo matricial ...48º.) ? E, na presença do “desenho” apresentado pela Recorrida como é que todas confrontam pelo poente com o caminho público?
10- Desde logo, quando todas confrontam pelo poente com o caminho público e quando duas confrontam em lugares opostos com a Escola!!!
11- É, assim, manifesto que o Tribunal “a quo” não realizou uma correcta apreciação da prova produzida e que ocorre, de forma notória e evidente, erro (e contradições, manifestas) na apreciação da prova,
12- Entende a Recorrente/Apelante que, nos termos do disposto no artigo 640º. Do C.P.Civil, a prova produzida (e as regras atinentes ao ónus da prova) impunha resposta diversa à matéria de facto dada como provada;
13- E que, de acordo com a prova produzida, os pontos 1 (no que se refere às descrições, áreas e confrontações), 6 e 7 dos factos dados como provados estão incorretamente julgados, devendo ser considerados como não provados.
14- Enquanto que o ponto a) dos factos não provados resultou provado e demonstrado, pelo que deve ser incluído nos factos provados.
15- Defende, ainda, nos termos do disposto no artigo 639º do C.P.Civil, que a factualidade que deveria ter sido dada como provada, impunha a subsunção a normas jurídicas diversas das que foram aplicadas in casu ou, no menos, a uma outra interpretação das mesmas e, em consequência, à improcedência da acção.
16- O depoimento prestado pela vendedora - a testemunha AA - é pouco consistente e pouco credível; em todo o caso, não identifica o local, em questão, como “...”, nunca refere a existência de quatro parcelas de terreno, em 2014 julgava que o terreno fazia parte da casa que vendeu à Recorrente, que “vendeu” a terra, mais, tarde, por vingança à Recorrida e que não recebeu qualquer preço…
17- A mera presunção do registo - em que parece sustentar-se a douta decisão recorrida - é inócua quanto à descrição, áreas e confrontações dos imóveis,
18- O artº. 1268º., nº. 1 CC, refere que “o possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada...

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