Acórdão nº 1650/22.0T8LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 13-09-2022
Data de Julgamento | 13 Setembro 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 1650/22.0T8LRA.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Processo nº 1650/22.0T8LRA.C1 – Apelação
Relator: Maria João Areias
1º Adjunto: Paulo Correia
2º Adjunto: Helena Melo
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO
AA intenta a presente ação de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais prevista no artigo 1055º do CPC, contra:
1. BB, e
2. S..., Lda,
Pedindo:
- a suspensão imediata do requerido, BB, do cargo de gerente da sociedade requerida, nos termos do artigo 1055º, nº2 do CPC, sem audição prévia do requerido;
- a sua destituição do cargo de gerente, devendo o mesmo entregar as chaves do estabelecimento e abster-se de assumir quaisquer compromissos em nome da sociedade;
- a nomeação de gerente provisório, indicando para tal, CC, ou caso assim não se entenda, DD.
Alegando, para tal, e em síntese que é sócia da sociedade requerida, detendo uma quota no valor nominal de € 12.000,00 e que o requerido tem praticado atos que consubstanciam a violação dos deveres de cuidado e de lealdade que impossibilitam, em termos objetivos e subjetivos, a manutenção da relação contratual de gerência estabelecida com a sociedade, por implicarem uma irreversível quebra da relação de confiança que a relação pressupõe, tornando inexigível à sociedade a manutenção da mesma.
A 22 de abril de 2022, pelo tribunal a quo foi proferido despacho a deferir o pedido de dispensa da audiência prévia dos requeridos, relativamente ao pedido de suspensão do requerido do cargo de gerente, designando-se para tomada de declarações à requerente o dia 11 de maio.
Por requerimento eletrónico enviado a 10 de maio, os requeridos, afirmando terem tomado conhecimento dos presentes autos, através da consulta online da certidão permanente da requerida, vêm alegar que a requerente procedeu à alegada cessão de quota de que o requerido BB era titular na sociedade requerida com base numa procuração nula, uma vez que a procuração para celebrar negócio consigo próprio tem de ser outorgada através de instrumento público, nos termos do art. 116º, nº2, do Código do Notariado.
Aberta a diligência designada para o dia 11 de maio, foi a Requerente notificada do Requerimento apresentado pelos Requeridos, sobre o qual se veio a pronunciar, alegando que, tendo-se o tribunal pronunciado já sobre a questão da despensa de citação e audição prévia dos requeridos, esgotado está o poder jurisdicional do juiz quanto a essa questão, nos termos do art. 613º, nº 1 do CPC, pelo que tal requerimento deverá ser desentranhado, impugnando à cautela, o que no mesmo é alegado.
Pelo juiz a quo é proferido o seguinte despacho:
“Os autos não dispõem ainda de todos os elementos para a decisão sobre a eventual nulidade da procuração, na medida em que é necessário desde logo apurar qual a relação subjacente que deu origem à outorga da procuração para se aferir do interesse do procurador na sua irrevogabilidade.
Na verdade, para se considerar que uma procuração é irrevogável, não basta o facto de a irrevogabilidade constar da procuração, sendo necessário averiguar se, em concreto, ela foi conferida no interesse da procuradora.
Deste modo, importa determinar o prosseguimento dos autos com a inquirição das testemunhas arroladas pela requerente.
Assim, para a tomada de declarações à requerente (que se deve apresentar neste Juízo) e inquirição das testemunhas referidas em 1), 4) e 5) do requerimento inicial (…), designo o próximo dia 1 de Junho, pelas 13h e 30m.
Notifique
*
No que concerne ao desentranhamento do requerimento de 10.05.2022 vai o mesmo indeferido.
Na verdade, considerando que no requerimento é invocada a nulidade da procuração que ainda não se encontra decidida, questão esta relevante para a apreciação quer do pedido de suspensão quer de destituição do requerido do cargo de gerente da requerida uma vez que contende desde logo com a legitimidade da requerente, bem assim que, sendo este processo de jurisdição voluntária, o tribunal tem o poder-dever de investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar inquéritos e recolher as informações que entenda convenientes e necessários (art.º 986º, nº 2, do CPC) à decisão a tomar.
Por outro lado, foi dada a oportunidade à requerente de exercer o contraditório.
Notifique a requerente.”
L... e P..., na qualidade de sócias da sociedade requerida, apresentaram requerimento, no qual manifestam a sua total discordância relativamente aos pedidos de suspensão e destituição formulados na presente ação.
A 1 de junho de 2020, procedeu-se à audição das testemunhas indicadas pela Requerente, após o que foi proferida a seguinte Sentença:
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente e, consequentemente, absolvo o requerido do pedido de suspensão e de destituição do cargo de gerente da sociedade.
*
Inconformada com tal decisão, a requerente dela interpõe recurso de Apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:
I. Entende a recorrente que a douta sentença recorrida está ferida de nulidade, nos termos do disposto no artigo 668º, d), CPC, nulidade essa que expressamente se invoca.
II. Com efeito, no dia 28.04.2022, o Tribunal a quo proferiu um despacho onde dispensou a audiência prévia dos requeridos.
III. Ora, dispõe o artigo 613.º, n.º 1 do CPC que: “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.”, acrescentando o º 3 da mesma norma legal que tal regra se aplica com as necessárias adaptações aos despachos pelo que, quando o Tribunal a quo proferiu a decisão quanto à dispensa de citação e contraditório prévio dos Requeridos, o seu poder jurisdicional esgotou-se, devendo, consequentemente, ser desentranhados todos os requerimentos remetidos aos autos pelos requeridos.
IV. Contudo, e ao invés, o tribunal a quo admitiu esses requerimentos e considerou o seu conteúdo na douta sentença recorrida, o que lhe estava vedado, designadamente no que concerne à legitimidade da requerente para intentar a ação em apreço.
V. Com efeito, vieram os requeridos alegar a nulidade da procuração usada pela requerente para transmitir a quota, mas não identificaram qual a motivo da “alegada” nulidade da procuração, nem sequer identificaram qual a procuração utilizada para a transmissão de quotas, logo, tal nulidade não tinha como ser atendida.
VI. Além de que, “A responsabilidade pelos registos compete ao conservador dos registos cuja função primordial é a qualificação, ou seja, a verificação da viabilidade do pedido de registo, da legitimidade dos requerentes e do cumprimento das disposições legais aplicáveis, nos termos do art. 47º do Código do Registo Comercial. O princípio da presunção da verdade registral consiste na presunção de que a situação jurídica resultante do registo definitivo existe e existe nos precisos termos nele definida (cf. art. 11º do Código do Registo Comercial), presunção que pode ser impugnada mediante a ação de declaração de nulidade do registo.” vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11.12.2018, processo n.º 21390/17.0T8LSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt., tendo sido a transmissão de quotas em causa validada pela Conservatória do Registo Comercial ....
VII. Ora, não sendo objeto dos presentes autos a validade da transmissão de quotas, não poderia o Tribunal a quo pronunciar-se sobre essa mesma validade e consequente legitimidade ou não da requerente para intentar a presente ação.
VIII. Entende a recorrente que todos os factos dados como provados, bem como a prova produzida, em especial o depoimento da testemunha EE (que aqui se dão por reproduzidos...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO