Acórdão nº 1648/21.5T8GRD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-03-28

Ano2023
Número Acordão1648/21.5T8GRD.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DA GUARDA)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I - AA e BB, por si e na qualidade de únicos e universais herdeiros de CC, instauraram a presente acção declarativa comum, contra DD e EE, pedindo que lhes seja reconhecido o seu direito de propriedade e determinada a inexistência de qualquer servidão de passagem dos Réus pelos seus prédios, ainda que pelo não uso ou desnecessidade, e sejam os mesmos condenados a repor a delimitação dos prédios, com a edificação de muro divisório, e ainda no pagamento de uma indemnização aos Autores, no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) pela privação do exercício pleno do direito de propriedade.

Alegaram, para o efeito e, em suma, que são proprietários de um prédio urbano, com o artigo matricial ...71, e de um prédio rústico, com o artigo matricial ...07, ambos na Freguesia ..., e que os Réus são proprietários de um prédio rústico, com o artigo matricial ...06, e de um prédio urbano, com o artigo matricial ...09, da mesma Freguesia, sendo que este último prédio tem acesso ao caminho, a sul. Mais alegaram que osR éus depois de adquirem o prédio ...06 passaram a aceder a esse prédio, pelo mesmo acesso do prédio com o artigo ...09, não existindo muro ou vedação que impeça o pleno acesso entre esses prédios dos Réus. Desde o mês de Outubro de 2021 passaram a exigir aos Autores a passagem pelos prédios deles para acederem aos seus, fechando com rede o acesso que possuem ao caminho no prédio ...09. Na mesma altura abriram um acesso ao seu prédio ...06, que até aí estava vedado com um amontoado de terra, pedras e giestal, sendo que os Autores, para defesa da sua propriedade, tentaram vedar tal acesso, com recurso a umas vigas, que os Réus retiraram, à sua revelia, tendo posteriormente deslocado uma pedra de grande porte que os Autores ali tinham colocado.

Os Réus contestaram, afirmando que os prédios dos Autores são servientes, para além do prédio ...06, de outras propriedades rústicas, sendo falso que não tenham passado nos últimos 20/30 anos, por tais prédios, nunca tendo sido colocado em causa tal direito. Defendem ainda que o prédio ...09 corresponde ao anterior 2705, rústico, não existindo qualquer problema quanto à entrada deste, que existe a poente, com o caminho público. Referem ainda que, há cerca de 30 anos, os prédios dos Autores e de outros três vizinhos eram um prédio rústico único, o ...07, tendo sido dividido por lotes, sendo que, nesse momento, ficaram os prédios dos Autores com os ónus e encargos que existiam, mormente a servidão de passagem para o prédio ...06 e para outro ou outros prédios. A servidão de passagem, nasce no caminho na Rua ... e dirige-se em direcção a Norte, tem cerca de quatro metros de largura e sessenta metros de cumprimento, composto por terra batida, com trilhos de carros, tractores e máquinas que os Réus e ante possuidores utilizaram e utilizam, estando todo o terreno de servidão livre e limpo desde sempre.

Concluem, a título reconvencional, que lhes seja reconhecido o seu direito de propriedade, que seja declarada a existência de servidão de passagem, nos termos alegados e que sejam os Autores condenados como litigantes de má fé.

Na réplica, os Autores pugnaram pela improcedência da reconvenção, por manifestamente contrária à posição assumida na petição inicial, reiterando que, até à aquisição, pelos Réus, do prédio ...06, este era inculto e inutilizado, pelo que nada justificaria a constituição de uma servidão, por inexistir interesse económico a servir.

Admitida a reconvenção, fixou-se o valor da causa em €27.100,59 (vinte e sete mil e cem euros e cinquenta e nove cêntimos), proferiu-se despacho saneador, fixou-se o objecto do litígio e enumeraram-se os temas da prova.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência:

a) reconheceu o direito de propriedade dos Autores, AA e BB, por si e na qualidade de únicos e universais herdeiros de CC:

a) sobre o prédio urbano com o artigo matricial ...71, Freguesia ..., concelho ..., sito no Rua ..., ..., composto de casa de r/C e 1.º andar destinado a palheiro, com a área total de terreno de 160m2, e de implantação de 120 m2, inscrito matricialmente a favor da herança de CC, não descrito na Conservatória do Registo Predial e o sobre prédio rústico com o artigo matricial ...07, Freguesia ..., concelho ..., sito nas ..., com a área total de 280m2, destinado a cultura de sequeiro, inscrito matricialmente a favor da herança de CC, não descrito na Conservatória do Registo Predial;

b) reconheceu o direito de propriedade dos Réus/Reconvintes, DD e EE, sobre o prédio rústico com o artigo matricial ...06, Freguesia ..., concelho ..., sito no ..., com 1.000,00m2, com destino a cultura de sequeiro, descrito no Conservatória do Registo Predial com a descrição ...90; e o prédio urbano com o artigo matricial ...09, Freguesia ..., concelho ..., proveniente do anterior artigo matricial rústico ...05 da mesma freguesia, sito na Rua ... (...), destinado a arrecadações e arrumos, com a área total de 3.404,90m2, e de implantação 93,65m2, descrito no Conservatória do Registo Predial com a descrição ...34;

c) reconheceu o direito de servidão de passagem, em benefício do prédio rústico com o artigo matricial ...06, sobre os prédios dos Autores, identificados em a);

d) declarou extinto o direito de servidão de passagem reconhecido em c), por desnecessidade;

e) absolveu os Réus do demais peticionado pelos Autores;

f) absolveu os Autores/Reconvindos do demais peticionado pelos Réus/Reconvintes;

g) e absolveu os Autores do pedido de condenação como litigantes de má fé, deduzido pelos Réus.

II – Do assim decidido, apelaram os Réus, tendo concluído as respectivas alegações, com as seguintes conclusões:

1ª Os AA. não alegaram factos nem provaram factos tendentes à extinção da servidão de passagem sobre os seus prédios a favor do prédio dos RR..

2ª Os factos dados por provados de 7), 8), 9), 11) in fine e 12) da sentença, deverão ser dados por não provados.

3ª Tal decorre dos depoimentos de:

1 - Testemunha - FF – depoimento prestado no dia 06.05.2022, das 12:04:16 a 12:57:37 – nada diz sobre os factos impugnados;

2 - Testemunha - GG – depoimento prestado no dia 06.05.2022, das 14:22:54 a 14:43:58 - nada diz sobre os factos impugnados;

3 - Testemunha - HH – depoimento prestado no dia 06.05.2022, das 14:45:02 a 15:15:30 - nada diz sobre os factos impugnados;

4 - Testemunha - II – depoimento prestado no dia 06.05.2022, das 15:16:32 a 15:26:48 (dos 04m e 02s a 04m e 36s do seu depoimento);

5 - Testemunha - JJ – depoimento prestado no dia 06.05.2022, das 15:27:49 a 16:14:28 (dos 05m e 08s a 06m e 01s; dos 13m e 37s a 14m e 25s e dos 40m e 32s a 42m e 02s do seu depoimento);

6 - Testemunha - KK – depoimento prestado no dia 06.05.2022, das 16:15:43 a 16:36:55 - nada diz sobre os factos impugnados;

7 - Testemunha - LL – depoimento prestado no dia 06.05.2022, das 16:37:40 a 16:55:33 (dos 13m e 20s a 14m e 21s do seu depoimento);

8 - Testemunha - MM – depoimento prestado no dia 06.05.2022, das 16:56:24 a 17:13:41 - nada diz sobre os factos impugnados;

9 - Testemunha - NN – depoimento prestado no dia 16.05.2022, das 14:17:39 a 14:41:45 - nada diz sobre os factos impugnados;

10 - Testemunha - OO – depoimento prestado no dia 16.05.2022, das 14:43:35 a 15:19:38 (dos 07m e 12s a 09m e 00s e dos 15m e 40s a 16m e 15s); 11 - Réu - DD – declarações prestadas no dia 16.05.2022, das 15:40:17 a 16:57:07 (dos 36m e 28seg a 40m e 05s; da 01h, 14m e 45s a 01h, 16m e 11s)

4ª Decorre também das fotos juntas aos autos, donde resulta que o “caminho” da servidão sempre teve a mesma largura e trilho.

5ª Até porque tal “passagem” serve também o barracão dos AA. e outros prédios, incluindo o da família “PP”.

6ª A passagem sobre o prédio dos AA. para o prédio dos RR. – servidão para efeitos agrícolas – era utilizada mesmo nos melhores tempos apenas uma dúzia de vezes por ano.

7ª Lavragens, podas, tratamento da vinha, vindimas, e novas lavragens, antes e, 8ª Quando matos, menos vezes ainda.

9ª Porém, lá está como sempre a servidão com a mesma largura, comprimento e leito.

10ª Esta servidão continua a ser útil e necessária ao prédio rústico dos RR., nenhuma prova se tendo feito do contrário.

DE DIREITO

NULIDADE DA SENTENÇA – 615º/1, B) CPC 11ª Os factos 7), 8), 9), 11) in fine e 12) da sentença, dados por provados não têm qualquer suporte, justificação ou fundamentação, nem sequer foram alegados pelos AA..

12ª Não foram objecto de prova oferecida pelos AA., sendo que nenhuma testemunha ou documento tal refere.

13ª A falta de fundamentação leva à nulidade da sentença – 615º, nº 1, alínea b) do C.P.C..

DE DIREITO DA DESNECESSIDADE DA SERVIDÃO

14ª A ser procedente a presente acção nos termos da sentença recorrida, o prédio rústico com o artigo ...06 dos RR. ficaria encravado e sem acesso à via pública.

15ª Transaccionado, teriam os novos donos que dar entrada a uma acção contra os aqui AA. para reconstituir nova servidão pelo leito da velha servidão e acabada de extinguir e que serve outros vizinhos – incluindo um conhecido por PP.

16ª Com a decisão recorrida, o prédio serviente dos AA. não fica livre de servidões para terceiros, e quer o prédio dominante, quer o prédio urbano dos RR. – ...09 – ficariam gravemente desvalorizados.

17ª E o prédio dos AA. teria apenas menos um prédio dominante sobre ele – o dos RR. – mantendo-se as outras servidões pelo mesmo leito de passagem.

18ª Ou seja: - nenhum lucro para os AA.; - só prejuízo para os RR..

19ª Só pode ser declarada extinta por desnecessidade a servidão que deixou de ter qualquer utilidade, tornando-se por isso inútil.

20ª Não é preciso ser indispensável, mas sim útil.

21ª A sentença recorrida perdeu de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT