Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2022 (caso Acórdão nº 1640/19.0T8CVL.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-10-11)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2022


Relatora: Sílvia Pires
Adjuntos: Henrique Antunes
Mário Rodrigues da Silva


Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
Os Autores intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra os Réus AA e BB, peticionando que seja declarada extinta, por desnecessidade, a servidão de passagem, de pé e carro, judicialmente reconhecida como tendo sido constituída sobre o prédio dos Autores, em benefício do prédio dos Réus e, consequentemente, que os Réus sejam condenados a absterem-se de atravessar o prédio dos Autores e de sobre ele praticarem quaisquer atos que impeçam, frustrem ou diminuíam o exercício do direito de propriedade dos Autores sobre o seu prédio.
Para fundamentarem a sua pretensão alegam, em síntese, o seguinte:
- foi constituída judicialmente uma servidão de passagem sobre o prédio propriedade dos Autores, a favor do prédio rústico pertencente aos Réus inscrito na respetiva matriz predial sob o n.º ...11º;
- os Réus são, igualmente, proprietários do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o n.º ...12, sendo que este e o prédio inscrito na matriz predial sob o n.º ...11º constituem uma unidade económica, porquanto são tratados como um só;
- os Réus acedem e têm a possibilidade imediata de aceder ao prédio aludido ou unidade económica através dos três acessos que enumeram, não tendo necessidade de esventrar o prédio dos Autores.
- a servidão de passagem em causa desvaloriza o prédio dos Autores, bem como o danifica e causa devassa e diminuição da vida privada dos Autores.

Contestaram os Réus, alegando o seguinte:
- a presente ação constitui uma violação do caso julgado, uma vez que já foi reconhecida na anterior ação a existência deste direito de servidão.
- os prédios de que são proprietários e em causa nos autos não configuram uma unidade económica, não sendo possível o acesso entre o prédio rústico inscrito sob o art.º matricial n.º sob o n.º ...11º e aquele inscrito sob o n.º ...12, devido ao terreno desnivelado e alagado e à existência de um poço.
- não é possível os Réus acederem ao prédio rústico inscrito sob o art.º matricial n.º sob o n.º ...11º mediante outro acesso que não aquele que constitui a servidão de passagem.
Peticionam que os Autores sejam condenados como litigantes de má-fé.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção do caso julgado invocada pelos Réus.

Após realização de audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a ação e absolveu os Réus dos pedidos formulados.

Os Autores interpuseram recurso desta decisão, tendo concluído as respetivas alegações do seguinte modo:
I. O Tribunal recorrido violou o princípio do dispositivo, previsto no art.º 264.º do C.P.Civil, ao dar como provada a factualidade dos pontos 23), 26) e 31) da matéria de facto cujo teor aqui se dá por reproduzido, a qual não foi alegada pelos RR. na contestação, nem em parte alguma dos autos, no que concerne ao alegado acesso de “veículo automóvel ligeiro de passageiros e/ou mercadorias à palheira”, dos RR. ao seu prédio rústico, pela servidão de passagem em causa nos autos. Pelo que, o Tribunal não pode dar tal factualidade como provada.
II. A sentença proferida na acção 1345/17.5T8CVL declarou “constituída uma servidão de passagem a pé e veículo automóvel, por usucapião, a favor do prédio dos réus, inscrito na matriz sob o n.º ...11º”, através da qual os RR. satisfazem as necessidades e fins agrícolas dados como provados nos pontos 12) a 20) do seu prédio rústico, que se concretizam com a passagem de um tractor ou outras máquinas agrícolas, e não com a passagem de veículos automóveis ligeiros de transporte de passageiros e/ou mercadorias. Atento o disposto no art.º 1565.º do C.Civil, violado pelo Tribunal, a expressão “veículo automóvel” utilizada na sentença proferida na acção n.º 1345/17.5T8CVL refere-se à espécie de veículos de tracção mecânica que se pretende fazer passar pela servidão assim declarada constituída para o prédio rústico dos RR., quais sejam, tractores e máquinas/alfaias agrícolas, por serem aptos a satisfazer as necessidades do prédio rústico dos RR. em causa nos autos. Pelo que,
III. a passagem com “veículo ligeiro de passageiro e/ou mercadoria” não cai no âmbito do exercício do direito de passagem constituído em benefício do prédio rústico dos RR. e não proporciona aos RR. a satisfação das necessidades agrícolas do mesmo. Pelo que, a factualidade dada como provada em 23), 26) e 31) da matéria de facto (além de não ter sido alegada pelos RR., tal como já se deixou demonstrado) não pode servir para aferir da necessidade da servidão cuja extinção se pede, uma vez que a mesma servidão se destina a satisfazer os fins/necessidades agrícolas do prédio rústico dos RR., os quais não são satisfeitos com recurso à utilização de veículo ligeiro de passageiros e/ou mercadorias. Sendo certo que,
IV. essas utilidades que os RR. retiram da unidade económica agrícola constituída pelos dois prédios rústicos de que são proprietários, dadas como provadas nos pontos 12) a 20) da matéria de facto, são também proporcionadas pelos demais caminhos dados como provados nos pontos 24) e 28) da matéria de facto. Pelo que a passagem em causa nos autos, cuja extinção se requer não tem qualquer utilidade para o prédio dominante. Acresce que,
V. a testemunha CC, aos minutos 21:16 a 22:17 do seu depoimento (transcrito supra no art.º 48.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais), referiu que a utilidade proporcionada pela servidão de passagem em causa nos autos cuja extinção se requer é examente a mesma que é proporcionada pelos caminhos dados como provados na matéria de facto dada como provada em 24) e 28).
VI. O Tribunal fez errada interpretação e aplicação do Direito aos factos, no que concerne ao requisito da superveniência da desnecessidade da servidão de passagem, uma vez que, nos caso de servidão voluntária, como é o dos autos, constituída por usucapião, não se pode exigir, quanto à respectiva extinção, a superveniência da desnecessidade em relação à constituição da servidão, já que a necessidade não foi aferida no momento da declaração de constituição da servidão por usucapião (Cfr. acórdão Tribunal da Relação de Coimbra proferido
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