Acórdão nº 163/20.9T8CSC.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 19-12-2023

Data de Julgamento19 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão163/20.9T8CSC.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A A intentou a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra B, pedindo que fosse declarado que o R. deve proceder à prestação de informações e esclarecimentos quanto aos movimentos, despesas e valores discriminados na petição inicial e comprovar que os mesmos se destinaram ao pagamento de despesas comuns; e ainda que fosse condenado a prestar informações e esclarecimento quanto a esses movimentos e despesas, justificando e comprovando que os mesmos se destinam ao pagamento de despesas comuns; devendo ser condenado a restituir à A. os valores que não tenham sido despendidos para pagamento de despesas comuns daquela, acrescido de juros à taxa legal em vigor a contar da citação.
Para tanto alegou que o R. foi administrador do condomínio entre 2004 e 2014 e, embora estas fossem plurais, apenas ele exerceu tais funções, sendo assim o único que tinha acesso a movimentar a conta bancária do condomínio, sendo que as contas não eram por ele apresentadas de forma regular.
Mais alega que, após a cessação dessas funções pelo R., constatou-se que existiam movimentações bancárias desprovidas de suporte, ou que correspondiam a transferências para a conta daquele, ou a cheques debitados e emitidos sem indicação de motivo, encontrando-se por esclarecer movimentos realizados a débito no valor global de €50.847.50.
Invoca também que as contas apresentadas pelo R., e aprovadas pelo condomínio, não contêm qualquer esclarecimento ou justificação quanto às despesas subjacentes aos aludidos movimentos bancários, não tendo aquele prestado os esclarecimentos solicitados e tendo extraviado documentos respeitantes aos anos de 2011 a 2014.
O R. contestou arguindo a sua ilegitimidade passiva, a ilegitimidade da A., a caducidade do direito por ela exercido e advogou que, por ter exercido as suas funções pro bono, lhe era inexigível agora que prestasse contas, tanto mais que as contas foram aprovadas.
Explicitou a que se reportavam as questionadas despesas, indicando que as transferências realizadas para a sua conta visavam facilitar pagamentos a grandes superfícies de bens adquiridos para o condomínio e que entregou os dossiers relativos a 2014.
Concluiu pela improcedência do pedido.
A convite do tribunal, a A. respondeu às exceções aduzidas, concluindo pela sua improcedência.
Após, também a convite do tribunal, foi apresentada nova petição inicial em que a A. aperfeiçoou as indicações atinentes aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, precisando que a conduta do R. levou ao adiamento da realização de obras necessárias ao condomínio. Concluiu pela condenação do R. a pagar à A. a quantia de €71,746,09, acrescida de juros à taxa legal em vigor a contar da citação até integral pagamento.
O R. apresentou resposta, em que invocou que foram excedidos os limites do aperfeiçoamento e que ocorrera alteração da causa de pedir e do pedido, reiterando o que alegara na contestação, tendo invocada a prescrição do direito à indemnização. Mais invocou que a A. afirma inúmeras vezes que “D. EEI” é a sua mulher, o que sabe não ser verdade.
Concluiu como na contestação, peticionando a condenação do A. como litigante de má-fé.
Admitida a ampliação do pedido e considerando-se inexistir qualquer alteração da causa de pedir, a convite do tribunal, a A. apresentou resposta, concluindo pela improcedência da exceção perentória aduzida no precedente articulado.
Findos os articulados, veio a ser proferido despacho saneador, com dispensa de audiência prévia, no qual foram julgadas improcedentes as exceções dilatórias arguidas e a exceção perentória da caducidade, sendo depois elencados os temas da prova, decididos os requerimentos probatórios e designada audiência final.
Produzida a prova e concluída a discussão da causa, veio a ser proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:
«- julgo improcedente a exceção perentória extintiva invocada pelo Réu J;
«- julgo a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
«a. condeno o Réu B a prestar à A” informações e esclarecimentos quanto aos movimentos, despesas e valores descriminados nos artigos 20.º e 22.º a 30.º da petição inicial originalmente apresentada (com ressalva dos montantes titulados pelos cheques emitidos por aquele sobre a conta bancária do condomínio), justificando e comprovando que os mesmos se destinaram ao pagamento de despesas comuns;
«b. condeno o Réu B a restituir à Autora A os valores que não tenham sido por aquele despendidos para pagamento de despesas comuns, acrescidos de juros à taxa de 4% a contar da citação;
«c. indefiro o pedido de condenação da A como litigante de má fé».
É dessa sentença que o R. vem agora interpor recurso de apelação apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
I – Da prescrição do direito invocado pelo Autor:
1.º Tendo em conta os factos alegados pelo Autor em sede de p.i., o Tribunal a quo concluiu que o caso dos autos se enquadra no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, prevista nos artigos 483º e seguintes do CC.
2.º Nos termos do artigo 498º, n. 1 do CC, o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 (três) anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
3.º Na apreciação da exceção de prescrição invocada pelo Réu, o Tribunal a quo decidiu julgar a mesma improcedente, baseando-se para tanto no ponto “9” dos factos provados: “O Autor apenas teve conhecimento dos factos referidos nos pontos n.º 3 a n.º 7 no segundo semestre de 2019”, (cfr. sentença recorrida).
4.º O Tribunal a quo não apreciou corretamente tal exceção, considerando que “As contas apresentadas pelo Réu nas assembleias de condóminos do condomínio Autor foram sempre aprovadas pelos condóminos que nelas participaram.”, (cfr. ponto 2 dos factos provados).
5.º Resultou da prova testemunhal produzida que nas assembleias de condomínio as contas estavam sempre disponíveis para consulta pelos condóminos, sendo que foram consultadas, pelo menos no que tocas às despesas, como se verifica pela análise dos depoimentos das seguintes testemunhas:
a) Testemunha “PM”, os condóminos consultariam os mapas contabilísticos e os dossiers “se entendessem e quisessem, quisessem ou não.”, (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 07/02/2023, passagens 00:02:11 a 00:04:02).
b) No mesmo sentido, a testemunha “RR” declarou que nas assembleias de condóminos eram disponibilizados mapas contabilísticos, assim como dossiers, (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 07/02/2023, passagens 00:02:01 a 00:04:00).
c) Finalmente, as testemunhas “MS” (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 07/02/2023, passagens 00:10:00 a 00:12:08); e “TS” que viveu no condomínio durante mais de 9 anos, coincidentes com o período em análise, declararam que os dossiers com a documentação de suporte eram disponibilizados nas assembleias de condóminos para consulta, mais confirmando que os condóminos tinham “a possibilidade de investigar, indagar e perceber os diversos itens.”, incluindo os valores que estavam a aprovar, pois “Todos os dossiers estavam sempre à disposição, ou seja, não temos por hábito assinar de carta-branca”, (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 07/02/2023, passagens 00:08:10 a 00:10:00).
6.º Veja-se que, a aludida testemunha “MS” confirmou que os próprios condóminos na assembleia de aprovação de contas tiveram oportunidade de analisar o que entendessem por bem, esclarecendo que “Sim, sim. E isso tanto fizemos, portanto, na altura do J, como também temos feito, atualmente.”, (cfr. depoimento supra citado).
7.º Igualmente, a testemunha “TS” declarou que “Nós víamos os dossiers, víamos os balanços que eram feitos durante o ano. Era mostrado o mesmo também nas próprias reuniões.”, mais confirmando que “os tais dossiers com a documentação, havia sempre tudo lá.”, (cfr. depoimento supra citado).
8.º da citada prova testemunhal resulta que nas assembleias do condomínio Autor e no período em que o Réu foi administrador, os condóminos levaram a cabo o escrutínio e a análise que bem entenderam quanto às contas apresentadas, designadamente no que toca às despesas, pois as mesmas estavam disponíveis para consulta e foram aprovadas.
9.º estando demonstrado nos autos, quer documental (cfr. atas das assembleias de condóminos de fls.), quer testemunhalmente (cfr. depoimentos supra citados), que o Réu cumpriu o dever de informação sobre as contas apresentadas nas assembleias (ponto “2” dos factos provados, reforçado pela requerida ampliação da matéria de facto), impõe-se concluir que a contagem do prazo de prescrição inicia-se na(s) data(s) da realização de cada uma dessas assembleias em que as contas foram apresentadas, prestadas e aprovadas.
10.º A tal não impede os pontos “8” e “9” dos factos provados, porquanto nos termos do mencionado artigo 498º, n. 1 do CC, o prazo de 3 (três) anos de prescrição inicia-se pelo conhecimento do direito que lhe compete, independente do conhecimento da extensão integral dos danos.
11.º não pode o Réu ser vítima do eventual desinteresse e indolência da parte dos condóminos, que nas respetivas assembleias do condomínio Autor tiveram a oportunidade de verem esclarecidas todas e quaisquer questões relativamente às contas que aprovaram.
12.º não resultou provado que o Ré tenha recusado prestar informações e esclarecimento nas assembleias de condomínio, pelo que não podem os condóminos ser beneficiados pela sua eventual incúria.
13.º O pedido de extratos bancários que instruíram os presentes autos serviu o propósito de tentar alcançar uma dilação do início do prazo da prescrição, o que erradamente acabou por ser concedido pelo Tribunal recorrido.
14.º Destarte, tendo em conta que as funções
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