Acórdão nº 161/22.8YIPRT.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 11-01-2024

Data de Julgamento11 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão161/22.8YIPRT.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–RELATÓRIO:


T. pessoa coletiva n.º …, com domicílio na Rua …, apresentou requerimento de injunção contra …A…, LDA., pessoa coletiva número …, com domicílio na Avenida ….

A autora pediu a condenação da ré no pagamento da quantia de capital de 6.196,26€, acrescida de juros de mora no valor de 62,10€, da taxa de justiça paga no montante de 102,00€ e de “outras quantias” no montante de 250,00€.
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Para o efeito, alega a autora que, a pedido da ré, e mediante contrapartida do pagamento do preço respectivo, prestou os serviços de transporte a que se reportam a factura n.º FT 2021/31, de 8 de Novembro de 2021.
Mais alega que a ré nada pagou até à presente data, devendo ser responsabilizada pelo pagamento do valor da factura acrescido de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
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Devidamente citada, a ré deduziu oposição.

No âmbito dessa oposição a ré alegou que não aceitou a factura em causa, tendo a mesma sido recusada, apenas sendo devido o valor da exportação, no montante de 1.346,10€.
Com efeito, alega a ré não ser devido qualquer valor a título de “importação” ou “paralisação do veículo”. Concretizando, alega que a autora não cumpriu o contratado, não tendo procedido à entrega da mercadoria em Barcelona, tendo desaparecido com a mercadoria, a qual apenas foi entregue nas instalações da ré, em Portugal, em 02.11.2021, tendo estado 11 dias na posse da autora, recusando-se esta a entregá-la e a informar do seu paradeiro.
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Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
1.–Condeno a ré no pagamento à autora da quantia de 1.346,40€ (mil trezentos e quarenta e seis euros e quarenta cêntimos) acrescida de juros moratórios legais contabilizados à taxa comercial em vigor, desde 08.11.2021 até integral pagamento;
2.– Condeno a ré no pagamento de 40,00€ (quarenta euros) por indemnização por encargos de cobrança;
3.– Absolvo a ré do remanescente do pedido.
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Custas processuais a suportar pelas partes na proporção do decaimento, que se fixa em 23% para a ré e 77% para a autora – cfr. artigo 527.º n.ºs1 e 2 do CPC.
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Fixo o valor da causa em 6.094,26€.
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Notifique e registe.”
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Inconformada, veio a autora apresentar recurso de apelação, cujas alegações contêm as conclusões que se passam a transcrever:
A.–Por sentença de 24.02.2023 proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, a Recorrida A…, Lda., foi condenada no pagamento à Recorrente da quantia de € 1.346,40 (mil trezentos e quarenta e seis euros e quarenta cêntimos) pelo serviço de exportação de Portugal a França (Paris).
B.–Com o presente recurso visa a Recorrente questionar a apreciação da prova feita do que resultará ser posta em crise a douta decisão na parte respeitante à absolvição da Recorrida do remanescente do pedido, visando, ainda, evidenciar vários erros de julgamento e arguir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, conforme prevê o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C.
C.–Salvo melhor entendimento, o facto 7, de acordo com o qual, “Logo no dia 23.10.2021 (sábado) a autora informou a ré de que a mercadoria já estava a caminho de Portugal”, encontra-se erradamente dado como provado.
D.–Para tal, a Mm.ª Juiz a quo baseou-se nos depoimentos das testemunhas da Recorrida, considerando que estas apresentaram um relato concordante, muito objetivo e preciso, e num e-mail enviado pela Recorrente no qual dizia que o veículo se encontrava a caminho de casa.
E.–Constituindo inequívoco elemento de desconsideração, pela Mm.ª Juiz a quo, o depoimento da testemunha da Recorrente, bem como as declarações de parte do legal representante da Recorrente.
F.–Ora, salvo o devido respeito, os depoimentos das testemunhas da Recorrida, quanto a tal facto, apresentam bastantes contradições, além de que não parece existir melhor pessoa que o próprio motorista para saber o dia exato em que o camião regressou a Portugal.
G.–Dos depoimentos cujos extratos interessantes foram transcritos nestas alegações, não pode resultar qualquer hesitação no julgador quanto facto de o camião não ter vindo para Portugal no sábado, dia 23.10.2021, mas sim na quinta-feira seguinte, isto é, dia 28.10.2021.
H.–Pelo que, nesta matéria, se imporia – e imporá a este Venerando Tribunal – ter dado como provado que “A Autora apenas efetuou a viagem de regresso no dia 28.10.2021 (quinta-feira)”.
I.–Isto porque, a prova testemunhal em que a Mm.ª Juiz a quo se baseou para dar tal facto como provado não é inequívoca, pois as testemunhas da Ré reforçaram, por diversas vezes, não saberem quando é que o camião regressou efetivamente a Portugal.
J.–Ademais, não se afigura qual o interesse da Recorrente em guardar a mercadoria consigo durante tanto tempo, sendo bastante evidente em toda a prova documental junta, mas também através da prova testemunhal, que esta só queria ver a situação resolvida o mais rápido possível.
K.–É, ainda, fundamentado pela Mm.ª Juiz a quo, que a Recorrente deveria ter aguardado, dentro de um prazo razoável, pelas instruções da Recorrida.
L.–Para tal e dado tudo isto ter acontecido a uma sexta-feira, considerou que configurava um prazo razoável a Recorrente aguardar até segunda-feira, dia 25.10.2021.
M.–Pois bem, como resulta dos vários depoimentos transcritos, a Recorrente aguardou durante mais dias do que aqueles que foram entendidos como razoáveis, dado que, aguardou até quinta-feira, dia 28.10.2021.
N.–Ainda com base no prazo razoável, é entendido pelo Tribunal a quo que houve um cumprimento defeituoso por parte da Recorrente.
O.–De acordo com o regime do transporte de mercadorias rodoviário, o cumprimento defeituoso por parte do transportador apenas sucede quando não há entrega da mercadoria, há uma entrega com avarias ou uma entrega com atraso.
P.–Recaindo sobre o transportador o ónus da prova de que a entrega apenas não aconteceu por facto estranho à sua vontade ou por qualquer um dos motivos previstos no artigo 17.º da CMR.
Q.–É inequívoco que foi celebrado um contrato de transporte de mercadorias de Braga para Paris, de Paris para a Bélgica e de Bélgica para Barcelona, entre a Recorrente e a Recorrida.
R.–E, também é inequívoco que a Recorrente transportou a mercadoria conforme acordado com a Recorrida.
S.–Através dos depoimentos das várias testemunhas que foram supra transcritos, resulta, cristalinamente, que a carga da mercadoria e o respetivo acondicionamento são única e exclusivamente da responsabilidade da Recorrida.
T.–Isto porque, a mercadoria transportada foi carregada pelos colaboradores do armazém na Bélgica, o qual foi contratado pela Recorrida, tendo sido os únicos com intervenção no processo de carregamento e acondicionamento.
U.–Cumprindo com ónus da prova que sobre si recaía, a Recorrente afastou a sua responsabilidade pelo mau acondicionamento que levou à não entrega da mercadoria, isto porque, tal como prescreve o artigo 17.º, n.º 2, da CMR, o transportador fica desobrigado da responsabilidade quando a demora tiver por causa circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar.
V.–Não se consegue extrair do artigo 17.º o defeito no qual a Mm.ª Juiz a quo baseou o cumprimento defeituoso, isto é, a não espera num prazo razoável por instruções da Recorrida.
W.–Porém, ainda que tal se pudesse enquadrar no cumprimento defeituoso, resulta mais do que provado que a Recorrente aguardou dentro de um prazo bem mais do que razoável, bastante oneroso para si até.
X.–Apesar de in casu se estar perante uma obrigação de resultado que apenas se considera cumprida quando há entrega da mercadoria, ficou provado que a não entrega da mercadoria se deveu a causa não imputável à Recorrente, tal como afirma o Tribunal a quo na fundamentação da douta sentença.
Y.–Deste modo, sendo o contrato de transporte um contrato bilateral, se a prestação se tornar impossível por facto imputável ao credor, este não fica desobrigado da sua contraprestação.
Z.–É claro que o objetivo pretendido com a celebração deste contrato, ou seja, a entrega da mercadoria ao seu destinatário, não logrou por motivos alheios à Recorrente, mas que se imputam à Recorrida.
AA.–E, portanto, não deve a Recorrida ficar desobrigada do pagamento do transporte que efetivamente foi realizado e que comportou custos, os quais apenas foram suportados pela Recorrente.
BB.–Entende o Tribunal a quo que o não pagamento por parte da Recorrida configura uma exceção de não cumprimento do contrato justificada.
CC.–Sendo justificada por se ter verificado um cumprimento defeituoso e, também, porque a Recorrente entregou a mercadoria em Portugal à revelia de qualquer indicação da Recorrida.
DD.–Da prova documental e das transcrições de excertos dos depoimentos resulta claro que, apesar de nunca o ter feito, a Recorrida sempre mencionou que a Recorrente tinha direito ao pagamento pelo transporte que fez.
EE.–Pois sempre soube que a culpa pela não entrega nunca foi da Recorrente, contudo arranjou todas as desculpas possíveis para se furtar ao pagamento.
FF.–Além do mais, resulta dos e-mails que a Recorrida pediu à Recorrente para que esta entregasse a mercadoria no seu armazém, o qual se situa em Portugal, e esta assim o fez, não havendo qualquer ato de revelia da sua parte.
GG.–Não faz, portanto, qualquer tipo de sentido, salvo o devido respeito, a consideração da exceção de não cumprimento como justificada, primeiro porque efetivamente houve o cumprimento do contrato acordado e, segundo, porque a entrega apenas não se verificou por factos imputáveis à Recorrida e não à Recorrente.
HH.–Da análise de toda a prova produzida e gravada decorre que a decisão proferida deveria ter sido outra, mais concretamente, que a Recorrida deveria ter sido condenada a pagar à Recorrente o serviço de importação, isto é, de Paris
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