Acórdão nº 1593/22.7T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28-09-2023

Data de Julgamento28 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão1593/22.7T8VCT.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra E..., LDA, também nos autos melhor identificada, pedindo a condenação desta a:

- Reconhecer que o Autor prestou o trabalho suplementar, noturno, em dia de descanso e em tempo de disponibilidade, como tal implícito nas escalas de serviço e discriminados nos registos tacógrafos e que a este título tem o crédito de 11.542,72€ (sem prejuízo de eventuais compensações decorrentes dos pagamentos a título de ajudas de custo nos meses relativamente aos quais o Autor não tem recibo);
- Reconhecer que tem o direito a ser pago pelo trabalho em horas suplementares, noturnas e em dias de descanso e feriado que tenha executado em novembro e dezembro de 2021, janeiro e fevereiro de 2022 e que venha a executar a partir daqui;
- Reconhecer que o Autor tem direito a receber a média mensal do acréscimo salarial decorrente deste trabalho, na retribuição relativa a férias e subsídio de férias, sendo a vencida e não paga no montante de 4.773,80€;
- Reconhecer que, por nunca lhe ter sido dado a gozar, o Autor tem o direito de, a título indemnizatório, receber as quantias correspondentes ao descanso compensatório vencido e não gozado, nem pago, no montante de 2.636,06€;
- No pagamento dos juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alega para tanto, e em síntese, o autor:
Foi admitido ao serviço da ré em 01/03/2015, para exercer funções de motorista de veículos pesados de transporte público de passageiros e, desde então, sempre prestou trabalho suplementar, em dia útil e em dia de descanso semanal e feriado e também trabalho noturno, conforme resulta das escalas de serviço e dos registos tacográficos que junta aos autos.
Sucede que a ré não lhe deu a gozar o descanso compensatório a que tinha direito, nem lhe pagou os créditos pecuniários correspondentes ao trabalho prestado nos referidos termos.

Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação.

A ré apresentou contestação, na qual, arguiu a prescrição dos créditos laborais invocados desde Março de 2015 até Maio (inclusive) de 2017, ao abrigo do disposto no art. 337.º, n.º 2 do CT. Mais, impugnou grande parte da matéria alegada pelo autor e deduziu pedido reconvencional (para compensação de créditos).

O autor apresentou resposta em que, no fundamental, pugna pela improcedência do pedido reconvencional.

Proferiu-se despacho a não admitir a reconvenção e a julgar improcedente a excepção de prescrição deduzida pela ré.

Foi posteriormente proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, tendo nessa sequência o autor apresentado um requerimento anuindo, pretensamente, a esse convite e juntando em anexo novos documentos.

A ré pronunciou-se, defendendo que o requerimento em causa não colmata a insuficiência de alegação fáctica que havia sido assinalada pelo tribunal.

Prosseguindo os autos, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Assim, e face a tudo o exposto, decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver a Ré do pedido”

Inconformado com esta decisão, dela veio o autor interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões e petitório (transcrição):

“1) Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou totalmente improcedente a acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho instaurada pelo ora Recorrente.
2) Decorre da sentença posta em crise que o Recorrente não cumpriu o ónus de alegação dos factos essenciais na petição inicial que deu origem aos presentes autos.
3) Com efeito, lê-se na sentença que, “na falta de alegação fáctica, sem embargo do convite de aperfeiçoamento que foi endereçado, tanto o depoimento prestado pelas testemunhas como a prova documental revelam-se despiciendos”.
4) Porém, o Recorrente cumpriu o dever de alegar os factos essenciais que compõem a causa de pedir, tendo fornecido ao Tribunal todos os elementos necessários à prolação de uma decisão que versasse sobre o mérito da causa.
5) Antes de mais, contrariamente ao que é dito na sentença, o Autor não podia ter alegado que “o seu horário de trabalho é das X às Y horas, com intervalo de X horas para o almoço e/ou outro”, já que, conforme resulta do artigo 11º da petição inicial, dado como provado pelo Tribunal, o Autor cumpre as escalas de serviço que diariamente lhe são impostas pela Ré, cumprindo, portanto, um horário móvel.
6) Acresce que também o intervalo tem uma duração incerta, tendo uma duração que varia entre a 1 e as 3 horas.
7) O Autor pode, em tese, fornecer ao Tribunal a sua hora de entrada, a sua hora de saída e o seu período de intervalo tendo por referência um concreto dia de trabalho, ainda que, para fazê-lo, se debata com grandes dificuldades, uma vez que as escalas de serviço fornecidas pela Ré não só permitem saber qual é a duração do intervalo de cada motorista, como não permitem saber a que horas finda o último serviço.
8) Assim, para proceder ao cálculo do trabalho suplementar prestado, o Autor assumiu, com prejuízo para si, que cumpriu sempre um intervalo de 3 horas e alcançou a hora de saída através da consulta dos horários fixados pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes – I. P., que se encontram juntos aos presentes autos.
9) Ora, se é certo que, na petição inicial, o Autor se limitou a dizer quantas horas de trabalho suplementar e quantas horas de trabalho nocturno prestou em cada um dos dias compreendidos entre Março de 2015 e Outubro de 2021, remetendo para a análise das escalas de serviço e dos tacógrafos, não é menos verdade que, em sede de resposta ao despacho de convite ao aperfeiçoamento, forneceu ao Tribunal a quo todos os elementos necessários à prolação de uma decisão que versasse sobre o mérito da causa, nomeadamente, a hora de entrada, o período de intervalo, a hora de saída, o número de horas de trabalho prestadas em cada um dos dias, as horas de trabalho suplementar diurnas pagas com acréscimo de 50%, as horas de trabalho suplementar diurnas pagas com acréscimo de 75%, as horas de trabalho suplementar nocturno pagas com acréscimo de 50%, as horas de trabalho suplementar nocturno pagas com acréscimo de 75%, as horas de trabalho prestadas em dia de descanso semanal ou em feriado, tanto as prestadas dentro das 8 horas de trabalho diárias, como as suplementares diurnas e nocturnas, bem como a retribuição que, por força daquelas, o Autor devia ter recebido.
10) O Tribunal a quo afirma que, na sequência do convite ao aperfeiçoamento, o Autor apresentou “um requerimento contendo em anexo documentos”, mas, estranhamente, não nos diz que documentos são esses, que elementos contêm, nem justifica porque é que os desconsiderou em absoluto.
11) Ora, o Tribunal a quo podia e devia ter referido que o Recorrente lhe forneceu os elementos necessários à apreensão do teor das tabelas interpretativas das escalas de serviço, das quais constam os elementos que por si foram solicitados.
12) Com efeito, nos artigos 6º e 7º da resposta ao despacho de convite ao aperfeiçoamento, submetido aos presentes autos no dia 2 de Novembro de 2022, o ora Recorrente refere o seguinte: “Assim, a título meramente exemplificativo, tendo o dia 2 de Março de 2015 como referência, temos que o Autor iniciou o serviço às 6:45h, cumpriu um intervalo de 3 horas e terminou o serviço às 19h”; “Descontado o período de intervalo, verifica-se que o Autor prestou, nesse dia, um total de 9 horas e 15 minutos de trabalho, tendo prestado 15 minutos de trabalho nocturno (entre as 6:45h e as 7h), 1 hora de trabalho suplementar diurno paga com acréscimo de 50% (entre as 17:45h e as 18:45h) e 15 minutos de trabalho suplementar diurno pagos com acréscimo de 75% (entre as 18:45h e as 19h) – como, aliás, resulta do artigo 20% da Petição Inicial.”.
13) O Recorrente acrescentou, ainda, no artigo 8º do referido articulado, o seguinte: “Não obstante estar convencido de que os documentos ora juntos permitirão ao Tribunal aferir a justeza dos pedidos formulados na Petição Inicial, o Autor informa que a testemunha BB, motorista de profissão, se disponibiliza para prestar ao Tribunal – na presença dos mandatários das partes, se assim se entender – todos os esclarecimentos necessários a respeito dos mesmos.”.
14) Refira-se que a dita testemunha é, também, dirigente sindical de longa data, tendo por hábito auxiliar os juízos do trabalho em matérias como a que nos ocupa sempre que a isso é chamado.
15) O Tribunal, porém, entendeu não apreciar o mérito da causa, escudando-se na alegação de que o Autor, ora Recorrente, não integrou na petição inicial os factos que constituem a causa de pedir, mesmo sabendo que os elementos que solicitou ao Autor foram fornecidos em sede de resposta ao despacho de convite ao aperfeiçoamento.
16) E também por isso é particularmente incompreensível que o Tribunal tenha desbaratado, por completo, toda a prova testemunhal produzida, por determinação sua, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento.
17) Ao decretar a total improcedência do pedido sem sequer se ter debruçado sobre a prova testemunhal produzida e sem confrontar os elementos fornecidos em sede de requerimento de aperfeiçoamento com os factos alegados na petição inicial, o Tribunal a quo demitiu-se, salvo melhor opinião, do dever de diligenciar pela descoberta da verdade e proferiu uma decisão destituída de sustentação.
18) Assim, salvo melhor e mais douta opinião, deve reconhecer-se que o Tribunal a quo dispunha das condições necessárias para pronunciar-se sobre o mérito da causa, o que devia ter feito...

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