Acórdão nº 158/22.8T8TVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-05-25

Data de Julgamento25 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão158/22.8T8TVR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A. instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 7.542,11, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, contados desde a primeira interpelação do réu até efetivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, ter celebrado com o réu um contrato de seguro de responsabilidade civil através do qual foi transferida para a autora a responsabilidade por danos emergentes de acidentes de viação causados pelo veículo ..-AS-.., sendo que no dia 11.02.2018 ocorreu um acidente viação na EN 125, ao Km 126, no qual foi interveniente aquele veículo, conduzido pelo réu, o qual embateu no veículo com a matrícula ..-TE-.., provocando-lhe danos neste e ferimentos no condutor e passageiros do mesmo, sendo o réu o único responsável pela eclosão do acidente, já que não usou a diligência e o cuidado que lhe eram exigíveis, designadamente conduzindo o AS com uma TAS de 2,10 g/l, pelo que a autora procedeu à regularização do sinistro, tendo despendido a quantia de € 7.542,11.
O réu contestou, excecionando a prescrição do direito de regresso da autora e impugnando a generalidade dos factos alegados na petição inicial, negando ser o responsável pelo embate ocorrido entre os mencionados veículos, o que, segundo o réu, não pode sequer ser discutido nesta ação pela circunstância desse direito ter já prescrito. Mais alega que uma eventual condenação sua no pagamento de qualquer quantia à autora, sem que previamente tenha sido demandado num processo judicial, dentro do prazo legal para o efeito, para aí poder defender-se convenientemente, sempre constituiria uma decisão inconstitucional, por violação dos artigos 20º, nº 4 e 5, e 32º, nº 5, da CRP.
A Autora respondeu à exceção da prescrição, sustentando que o prazo de prescrição não se iniciou na data da ocorrência do acidente, mas sim na data em que foi feito o pagamento da última parcela da indemnização, o que ocorreu em 06.12.2019, pelo que tendo instaurado a ação em 21.03.2022, o seu direito não está prescrito. Mais sustenta a inexistência de qualquer inconstitucionalidade.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, relegando-se para final o conhecimento da exceção invocada, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação.
Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, decide-se:
a) Condenar o Réu a pagar à Autora a quantia de €7.542,11(sete mil quinhentos e quarenta e dois euros e onze cêntimos), acrescida de juros[1] data da interpelação para o pagamento, ocorrida em 08-01-2020, até efetivo e integral pagamento.
b) Absolver o Réu da condenação como litigante de má fé;
c) Condenar o Réu nas custas do processo.»
Inconformado, o réu apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1- A A. celebrou com o R. um contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório titulado pela apólice com o n.º ...97,
2- Através do qual foi transferido para a A. a responsabilidade civil por danos emergentes de viação automóvel do veículo de matrícula ..-AS-...
3- No dia 11 de Fevereiro de 2018 ocorreu um acidente do qual uma das vitimas foi o R., ora Recorrente.
4- A A. fez uma descrição do acidente que o R. impugnou, por uma questão de cautela, apesar de, na sua opinião, os factos terem sido objeto de prescrição.
5- A A. imputou a responsabilidade ao ora aqui R. desde o início do acontecimento dos factos, o mesmo é dizer, desde o dia 11 de Fevereiro de 2018.
6- Desde esse dia que o R. sempre declinou qualquer responsabilidade sobre o mesmo.
7- Bem como sempre recusou efetivar qualquer pagamento.
8- Nunca o R. se deu como culpado do acidente e sempre demonstrou isso mesmo.
9- A A., mesmo sabendo disso, avançou, pagando indemnizações aos intervenientes no acidente em causa, conforme comprovativos juntos aos autos.
10- Apesar da negação de qualquer responsabilidade sobre o acidente por parte do R., a A. ignorou e tomou posição, extrajudicial sobre o mesmo.
11- E, a 21 de Março de 2022, 4 anos e um mês após o acidente, instaurou uma ação contra o ora aqui Recorrente, reclamando os referidos valores que decidiu pagar voluntariamente.
12- Concluiu a sua petição, alegando de direito, e por seu próprio juízo que fora o R. que deu causa ao acidente.
13- Factualizando com aquilo que os representantes da A. pensam ter sido a dinâmica do acidente.
14- A A. mentiu, referindo-se que a jurisprudência considera que as simples verificações da existência de álcool que é suficiente para a exigibilidade do direito de regresso.
15- E mentiu porque não contextualizou, dando a entender que assim é, mesmo quando passam os 3 anos e mesmo no âmbito de um outro processo judicial.
16- Deu a entender que basta uma empresa seguradora transferir montantes ao abrigo de uma convicção sua não decretada judicialmente, para que se constitua um direito de regresso.
17- Deu o exemplo de que na alínea c) do n.º 1 do art.º 27.º do RSSORCA refere que existe esse direito “quando o condutor tenha dado causa ao acidente a conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida (…)”
18- “Quando o condutor tenha dado causa ao acidente” tem de ser decidido por um tribunal; não é quando uma entidade não judicial assim o entende – não esqueçamos que estamos a falar de presunções.
19- A função de julgar compete exclusivamente aos tribunais.
20- Quando a A. refere que “basta à A. demonstrar que o acidente de viação foi causado pelo Réu”, esse “basta” é numa ação judicial – não é no âmbito de um processo administrativo dentro da sua própria empresa e decidido pelos seus funcionários.
21- Os excertos de decisões judiciais que a A. transcreveu para os autos tratam de situações onde empresas seguradoras instauraram processos contra os seus segurados dentro de três anos.
22- Efetivamente quando a responsabilidade se tenta apurar dentro desses três anos, realmente a jurisprudência “afrouxa” um pouco o nexo de causalidade.
23- Mas isso nunca pode acontecer numa ação de regresso; muito menos após a passagem dos três anos da responsabilidade extracontratual.
24- A A. laborou como se estivesse dentro do prazo legal de três anos.
25- O R. nunca reconheceu qualquer responsabilidade sobre os factos.
26- Estatui o art.º 498º do Cód. Civil que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos (…)”.
27- Pois o lesado, bem como a companhia de seguros tiveram conhecimento dos factos no dia do acidente.
28- Dispõe o art.º 323.º do Cód. Civil que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial, o que está de acordo com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 03/98, de 26/3/98.
29- Nenhum outro meio é apto a interromper a prescrição.
30- O direito à indemnização prescreveu e é uma exceção peremptória que se alegou, nos termos conjugados do disposto nos artigos 498.º do Cod. Civil, 576 .º, n.º 3 e 579.º, todos do Cód. de Proc. Civil.
31- O Réu nunca assumiu qualquer responsabilidade pelo acidente, que perante o lesado quer perante a A.
32- O art.º 325.º, n.º 1 do Cód. Civil só admite a interrupção da prescrição quando há o reconhecimento desse direito por alguém.
33- Pires de Lima e Antunes Varela (in CC anotado, Coimbra Editora, p. 292, V.I 4ª ed.) esclarecem: “Podem considerar-se como casos inequívocos de reconhecimento o pagamento de juros, a atribuição de uma garantia, o cumprimento de uma obrigação (mas não já o pagamento de parte da divida, se o solvens declara simultânea que não se considera devedor da parte restante).”
34- No mesmo sentido, vd. O Ac.STJ 29/03/2000 (Proc. n.º 99S538), in www.dgsi.pt” o reconhecimento de uma divida constitui um negócio jurídico que deve ser interpretado com o sentido que lhe daria um declaratório normal. Se da declaração normal não se puder concluir que o devedor reconhece a divida e se compromete a pagá-la, essa declaração não interrompe o prazo de prescrição da divida.”
35- Como o Réu nunca reconheceu qualquer responsabilidade no acidente, nem sequer foi demandado em qualquer outra ação judicial para o efeito, não pode ser considerado ter havido qualquer reconhecimento, pelo que não houve interrupção da prescrição.
36- A A. não pode no presente processo discutir a responsabilidade do acidente – que o Réu, aliás, sempre negou, pois já foi invocada a prescrição.
37- O n.º 2 do art.º 498.º do Cód. Civil refere que “prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
38- Quem decide que determinado agente está obrigado a cumprir é um tribunal, através de uma decisão judicial – que nunca
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