Acórdão nº 1578/21.0T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-03-02

Ano2023
Número Acordão1578/21.0T8VNF.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

AA veio intentar ação de impugnação de deliberações sociais contra C..., S.A. pedindo que seja declarada a nulidade/anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 17.2.2021, onde foram decididas a aprovação do relatório de contas do exercício de 2019, a aplicação de resultados, a apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade e a nomeação dos membros dos órgãos sociais para o quadriénio de 2020 a 2023.
Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que a convocatória e a deliberação padecem de diversas causas de nulidade e de anulabilidade, atinentes à legitimidade do fiscal único para a convocar, à recusa de informações e de acesso à informação pela acionista, à omissão de formalismos da convocatória, e por o teor da deliberação ser contra legem, ao aprovar a nomeação de um órgão de administração singular, quando a lei e os estatutos exigem que o mesmo seja plural, e servir o propósito de conferir vantagens ao acionista BB, através do exercício do voto, em prejuízo da sociedade.
Defende que tudo isto causa dano irreparável à sociedade, pois foram aprovadas contas sem qualquer critério, foi afastada a autora do Conselho de Administração e nomeado um único administrador, em violação da lei e dos estatutos, o qual tem vindo a deteriorar a estabilidade económica da empresa, com dívidas avultadas perante a Autoridade Tributária, os fornecedores e os clientes, e processos crime e ações cíveis, que evidenciam uma má gestão e a delapidação do património da empresa, em proveito próprio, o que culminará na insolvência da mesma.
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Regularmente citada, a ré apresentou contestação, defendendo-se por impugnação e por exceção. Invocou a caducidade do direito de ação, a falta de causa de pedir, a falta de efeito útil da pretensão da autora e a existência de abuso de direito na conduta desta.
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A autora apresentou resposta, pugnando pela improcedência das exceções invocadas.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia.
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Foi proferido despacho que:

- fixou o valor da ação em € 30 000,01;
- julgou improcedente a arguida ineptidão da petição inicial e, bem assim, a caducidade do direito de ação relativamente ao pedido de declaração de nulidade das deliberações sociais;
- relegou para final o conhecimento da exceção da caducidade do direito de ação quanto ao pedido de declaração de anulabilidade das deliberações;
- identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
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Realizou-se a audiência final e foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
“Face ao exposto, decido:

· julgar inverificada a excepção peremptória da caducidade do direito da Autora em interpor a presente acção relativamente às deliberações anuláveis;
· julgar verificada a violação do disposto no artigo 390.º do CSC e, consequentemente, declaro nula a deliberação de nomeação do órgão de administração;
· julgar verificada a irregularidade da convocação da Autora para a assembleia geral da Ré, fruto da omissão de publicação da convocatória e, consequentemente, declaro anuláveis as demais deliberações.
· julgar verificado o abuso de direito invocado pela Ré quanto à questão que se prende com a legitimidade do ROC em convocar a assembleia e inverificado o abuso de direito quanto à invocação da falta de publicitação.
· julgar improcedente a alegação relativa à prova de resistência invocada pela Ré.”
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A ré não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1 - A deliberação social dos autos foi declarada nula pelos seguintes motivos:
· Falta de publicação da convocatória (que foi enviada directamente para a recorrida)
· Eleição de um Conselho de Administração composto por um administrador
2 – Conforme resulta dos autos, não há qualquer carácter abusivo na deliberação social impugnada.
3 - Quanto à convocatória, importa referir que o seu objectivo é trazer ao conhecimento do respectivo destinatário o agendamento e subsequente realização de uma sessão ordinária ou extraordinária de Assembleia Geral, possibilitando ao seu destinatário que esteja presente e que exerça os direitos correspondentes, nomeadamente votando, formulando propostas e/ou apresentando declarações de voto.
4 - Conforme consta dos autos, a recorrida (por comunicação que lhe foi enviada e recebeu) teve conhecimento directo e atempado do agendamento da sessão de Assembleia Geral dos autos, pôde estar presente e exercer os seus direitos, tendo optado voluntária e conscientemente por não o fazer, preferindo criar um enquadramento artificial que lhe permitisse apresentar a presente acção.
5 – Importa destacar que a recorrente, independentemente da sua forma societária, acaba por se reconduzir muito mais a uma sociedade de pessoas do que uma sociedade de capitais, como é possível verificar pela sua estrutura societária, em que, aquando da sua constituição e sem prejuízo das evoluções ocorridas nos relacionamentos pessoais, todos os sócios têm (ou tinham) relações próximas, sendo perfeitamente admissível encarar-se a recorrente como uma sociedade de pessoas.
6 - Nunca ocorreu qualquer sessão anterior de Assembleia Geral da recorrente que tivesse sido objecto de convocatória publicada no Portal da Justiça, precisamente porque, considerando os laços pessoais existentes, essa mera formalidade foi dispensada por todos, nomeadamente pela recorrida, como é possível verificar por uma consulta do Portal da Justiça em https://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx
7 – Face a tal histórico (sem publicação de convocatória) e o carácter indiscutivelmente pessoal da estrutura societária da recorrente, não assiste qualquer razão à recorrida quando invoca a preterição da publicação dessa convocatória, tanto mais que lhe foi dado conhecimento directo e escrito do agendamento e da intenção de realização da sessão de Assembleia Geral dos autos.
8 – Importa ainda destacar o facto da recorrida, em manifesto abuso de direito, ter recusado reiteradamente proceder à convocação da sessão de Assembleia Geral dos autos, em claro prejuízo dos interesses da recorrente, face à circunstância dos mandatos dos titulares dos seus órgãos sociais ter chegado ao fim.
9 - A este respeito, importa relembrar o que o Tribunal recorrido apurou a propósito da conduta da recorrida no sentido de boicotar e de bloquear a realização da sessão de Assembleia Geral dos autos, o que obrigou a recorrente a solicitar a respectiva convocação ao Revisor Oficial de Contas, face às sucessivas recusas de convocação pela recorrida, que também era Presidente da Mesa da Assembleia Geral, como decorre da factualidade provada e das citações que, a título meramente exemplificativo, se incluem nas presentes alegações retratando fielmente a conduta da recorrida.
10 - O art. 377, nº 3 CSC, permite que a publicação da convocatória seja substituída por carta registada, quando todas as acções forem nominativas, como é o caso de todas as acções da recorrente, pelo que, também neste ponto, não assiste qualquer razão à recorrida, quer formal, quer materialmente.
11 - Conforme o documento nº ... junto com a oposição à providência cautelar (que a recorrente invocou a seu favor na parte final da contestação dos presentes autos), o pacto social estabelece que o Conselho de Administração pode ser composto por um a sete membros, Como resulta do número um do artigo vigésimo do pacto social da recorrente supra-transcrito.
12 - A recorrida aceitou a actual redacção do pacto social, não a tendo colocado em causa aquando da sua aprovação e nunca tendo adoptado qualquer acto ou comportamento que de alguma forma traduzisse desacordo com a mencionada redacção estatutária.
13 - Os próprios serviços do registo comercial aceitaram e validaram tal opção da recorrente.
14 – É plenamente lícita e legítima a opção da recorrente por uma qualquer das alternativas estatutariamente estabelecidas (vd. art. 390, CSC), sendo eleito ou nomeado um Conselho de Administração com a composição numérica admitida pelo pacto social – um a sete membros.
15 - Não se trata, pois, da opção por um Administrador Único, mas sim da opção por um Conselho de Administração com a composição que está estatutariamente prevista e que foi aceite, quer pelos serviços do registo comercial, quer pela própria recorrente, que nunca impugnou essa disposição estatutária e que não pode ser posta em causa nos presentes autos.
16 - Conforme consta dos autos, independentemente do que vier a ser decidido, a recorrente continuará a ser representada legalmente e gerida pelo actual membro do Conselho de Administração BB, que já o era (membro do Conselho de Administração) antes da data da realização da sessão de Assembleia Geral dos autos, competindo-lhe tomar as decisões e adoptar as opções de gestão mais adequadas ao fim societário, como, de resto, a própria recorrida admite, ao referir que não tem qualquer intervenção na gestão da recorrente.
17 - Ainda que a deliberação social dos autos seja declarada nula, a recorrente continuará a ser gerida pelo membro do Conselho de Administração BB, pelo que falta, no caso vertente, um requisito essencial para que a impugnação proceda, tanto mais que, ao invés, são incomparavelmente mais gravosos os efeitos da procedência da presente acção do que permitir que a recorrente se faça representar por quem esteja a exercer funções para além do fim de mandato, como sucedia até às deliberações sociais impugnadas, ou fazer com que as contas da recorrente estejam plenamente aprovadas, conforme já referiu o Douto Acórdão desta Veneranda Relação que confirmou a improcedência da providência cautelar apensa e que supra se transcreveu
18 - Se a presente acção proceder e a recorrente tiver necessidade de ver convocada nova sessão de Assembleia Geral com a mesma ordem de trabalhos, o...

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