Acórdão nº 1570/20.2T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-10-10

Ano2023
Número Acordão1570/20.2T8CBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA)



Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Henrique Antunes
Teresa Albuquerque


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(…)


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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 20.4.2020, o Ministério Público instaurou o presente processo de promoção e proteção em benefício de AA, nascido a .../.../2016, filho de BB e de CC.

Foi celebrado acordo de promoção e proteção, aplicando à criança a medida de apoio junto dos pais (em 20.8.2020 e 11.10.2021 - fls. 34 e 103), prorrogada em 12.7.2022 (fls. 111).

Em 06.02.2023, foi aplicada, a título provisório, a medida de acolhimento residencial (fls. 229).

Em 08.3.2023 a criança ficou acolhida provisoriamente no Centro de Acolhimento ... - “...” da Fundação ..., em ..., onde se mantém.

Cumprido o art.º 114°, n.º 1 da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo/LPCJP [aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01.9[1]], a Exma. Magistrada do M.º Público apresentou alegações e concluiu que a medida adequada é a de confiança a instituição com vista a futura adoção.

Realizado o debate judicial, com a audição das Técnicas Coordenadora do caso do SATT e Gestora da CAR, duas testemunhas e o pai, por acórdão de 12.7.2023 decidiu-se:

- Aplicar ao menor AA a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista à adoção, nos termos dos art.ºs 35º, n.º 1, al. g), e 38º-A, al. b), da LPCJP, confiando-se a mesma à guarda e cuidados da Casa de Acolhimento ... - "..." da Fundação ..., em ....

- Ao abrigo do disposto no art.º 62º-A, n.º 1, da LPCJP tal medida durará até ser decretada a adoção e não está sujeita a revisão, exceto situações excecionais.

- Atenta a medida aplicada, não há lugar a visitas por parte da família natural, ficando os pais da criança inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente a este filho, ficando também proibidas as visitas ao menor na instituição, de acordo com os art.ºs 1978º-A do Código Civil (CC) e 62º-A, n.º 6, da LPCJP.
- Nomear como curador provisório da criança o Sr. Diretor Técnico da referida Casa de Acolhimento ....

Inconformado, o requerido apelou, formulando as seguintes conclusões:[2]

1ª - O acórdão, sob recurso, deveria ter aplicado quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista afetivo e do superior interesse da criança, que se justifica a atribuição do menor à guarda e aos cuidados do progenitor ou a aplicação de medidas de apoio junto do pai e não a medida mais gravosa – a adoção.

2ª - A rutura ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação, face aos factos apurados, não nos parece estar demonstrada.

3ª - O acolhimento do menor em instituição ocorreu a 08.3.2023, o menor tem 6 anos de idade, sendo que desde o seu nascimento até ao seu acolhimento residencial a família era acompanhada por equipas técnicas.

4ª - Aquando de acordo de promoção e proteção junto dos pais, os progenitores viviam conjuntamente, o menor residia com a mãe e pai e nunca foi identificada qualquer falta de condições de habitabilidade, higiene, alimentação, educação e afeto. O menor sempre se apresentava bem cuidado. Não se verificando qualquer outro motivo que levasse à proteção da criança que não os consumos de álcool e violência entre os pais do menor.

5ª - No entanto, o progenitor nunca deixou faltar no seu lar rendimentos para suportar as despesas do agregado familiar.

6ª - Após a separação dos pais do menor, a intervenção centrou-se na avó paterna, que salvo o devido respeito, esteve muito mal, pois atendendo que o menor tinha pai e mãe capazes apenas deveria continuar a intervenção junto destes, mas de forma como se de pais separados se tratasse.

7ª - O recorrente trabalhava diariamente, saindo de casa antes das 7 horas e regressando depois das 18 horas (facto provado 39), nunca tendo sido referido por qualquer intervenção técnica que o recorrente trabalhava muitas horas ou até lhe tenha sido solicitado que reduzisse a carga horária.

8ª - Pois, identificaram desde logo que uma avó paterna seria a viabilidade para o acompanhamento do menor em substituição do pai ou mãe, avó que nem sequer foi avaliada por consulta na equipa médica de saúde mental comunitária tal como os pais foram.

9ª - As equipas colocaram de parte a capacidade masculina para cuidar de um filho e direcionaram-se para uma feminina independentemente das capacidades físicas, de saúde e mental desta, continuando a perpetuar que a figura masculina é para o trabalho e feminina para os cuidados do lar e família.

10ª - No entanto, nunca se colocou em causa as competências do progenitor como pai nem o afeto dele para com a criança e da criança para com ele.

11ª - Desde que o menor está institucionalizado o progenitor tem visitado o menor todos os sábados, tendo para tal alterado os seus horários de trabalho, o que poderia ter feito caso as equipas de intervenção tivessem solicitado e verificado, caso tivessem intervencionado junto deste em vez da avó paterna.

12ª - Assim como telefona com regularidade quase diária, inteirando-se do percurso escolar, saúde e do dia-a-dia do menor, questionando o menor sobre essas questões e as funcionárias(os) da instituição.

13ª - Nas visitas ao menor verifica-se muito carinho, atenção e amor, pois conforme foi dito pela testemunha diretora da instituição e que há muita ligação e afeto do menor com o pai e o pai com o menor.

14ª - O progenitor sempre afirmou pretender ter o AA consigo.

15ª - É neste contexto que segue a avaliação psicológica, que “o pai manifesta investimento afetivo para com o AA e apresenta uma atitude adequada, atenta e carinhosa para com o AA.”

16ª - Tanto que, na verdade, em momento algum nos autos, quer através da prova testemunhal ou documental, foi demonstrado que o menor AA se apresentava descuidado, triste ou outras características negativas quando estava com o pai mesmo aos cuidados da avó paterna.

17ª - Importa também referir que o tribunal a quo “pinta” a figura do pai como uma pessoa agressiva e rude, no entanto nunca foi condenado de crimes de ofensas à integridade física nem se vislumbra nenhum facto que demostre tal comportamento do pai que possa efetivamente verificar a agressividade deste, pois a resiliência deste aos serviços ou até mesmo não querer colorar [colaborar] com estes apenas se deveu ao facto de ser uma pessoa com falta de confiança nos outros.

18ª - Pois nunca este pai foi agressivo com o AA.

19ª - O tribunal a quo constrói uma quadro negro da habitação da avó paterna, mas na verdade nos 6 anos que foram acompanhados pelos técnicos, e pelos últimos meses que tiveram os serviços mais interventivos junto da avó, nunca verificaram ou identificaram que esta não tinha condições de habitualidade ou higiene, nem foram identificadas situações de total desarrumação e desorientação como aquela que diversas vezes o tribunal a quo identifica, quando apenas ocorreu uma única vez.

20ª - Para a confiança do menor, com vista a futura adoção, ao lado dos fundamentos objetivos haverá que demonstrar que não existem ou estão seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação.

21ª - Afigura-se duvidoso, atenta à factualidade apurada e provada, que haja sido demonstrado um manifesto desinteresse do progenitor pelo filho em ordem a comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos da filiação. Desde logo, que esteja suficientemente caracterizado um evidente desinvestimento afetivo do pai relativamente ao menor.

22ª - No quadro factual apurado não se deteta essa ausência, esse desinteresse, essa distância do apelante em relação ao seu filho, pelo que não vemos que, como se afirma na sentença recorrida, o pai do menor “por ação e omissão, ainda que por motivos de saúde mental, puseram em perigo grave a segurança, saúde e o desenvolvimento da criança”.

23ª - A família é o meio privilegiado para a concretização do direito fundamental das crianças a um desenvolvimento harmonioso, num ambiente de afeição e responsabilidade, sem descontinuidades graves na educação e no afeto. De modo que, a medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adoção só deverá ser adotada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural (princípio da prevalência da família biológica) e não puder salvaguardar-se a continuidade das ligações afetivas.

24ª - Encaminhar os filhos para adoção é próprio para situações de progenitora ou progenitores com patologias, por exemplo, alcoólicas, de drogas, indiferença, rejeição ou outras conjunturas desumanas em que os interesses dos menores são secundarizados ou até ignorados.

25ª - Colocar no mesmo cesto esses menores e seus respetivos progenitores como o AA e o pai, é chocante, pelo que o único caminho que se vislumbra como seguro é o regresso do menor à companhia do pai, a qual tem as condições reunidas para o receber.

26ª - Não se pode aceitar que o progenitor era resiliente à atuação de equipas técnicas ou outras entidades, quando durante mais de 6 anos contactou com estas entidades.

27ª - Equipas técnicas e entidades estas, que nunca estiveram diretamente focados neste como a pessoa para cuidar, educar e querer bem o AA.

28ª - Só e quando as restantes medidas de promoção e proteção não forem idóneas a proteger o superior interesse das crianças, será legítimo aplicar a medida de promoção e proteção de confiança na instituição onde se encontra, com vista à sua futura adoção.

29ª - E, tal, in casu, não aconteceu - por isso, há que esgotar primeiro e promover todas as diligências possíveis e impossíveis junto da família biológica, para aferir da disponibilidade, interesse e capacidade e só quando estas forem frustradas, avançar e propor a dita última medida.

30ª - Não foram esgotadas as diligências possíveis para a aplicação de medida diferente que a aplicada.

31ª - Todas as crianças e em especial o menor AA tem direito à...

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