Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2023 (caso Acórdão nº 1524/21.1T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-04-27)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2023

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., ..., ... (aqui Recorrido e Recorrente), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra L..., S.A. - Sucursal em Portugal, com sede na Avenida ..., ..., em ... (aqui Recorrente e Recorrida), pedindo que

· se condenasse a Ré a pagar-lhe a quantia de € 183.386,50, a título de indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais (sendo € 120.000,00 a título de indemnização por dano biológico, € 3.386,50 a título de despesas suportadas com propinas, arrendamento de quarto de estudante e transportes e € 60.000,00 a título de indemnização de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação ate integral pagamento;

· se condenasse a Ré a pagar-lhe uma indemnização por danos futuros, a liquidar em momento ulterior.

Alegou para o efeito, em síntese, que, no dia 05 de Outubro de 2019, pelas 07.10 horas, na Estrada Nacional n.º ...04, na freguesia ..., concelho ..., o veículo automóvel ligeiro de passageiros que o transportava foi embatido por um outro, que circulava em sentido contrário, por este ter invadido a sua faixa de rodagem, devido à velocidade excessiva de que ia animado e à desatenção do respectivo condutor.
Mais alegou que, tendo sofrido diversas lesões físicas, dores e dano estético, de que derivaram sequelas definitivas (nomeadamente, instabilidade posterior e dor no joelho direito, determinando limitação na corrida e na actividade desportiva, e dor no pulso direito, determinando limitação no suportar cargas), ficou com uma incapacidade permanente parcial de 10%, tendo à data 18 anos, sendo saudável e praticante de desporto com regularidade.
Alegou ainda que as suas lesões tenderiam a agravar-se no futuro, exigindo tratamentos médicos e medicação regulares, bem como eventuais intervenções cirúrgicas; e, por isso, de montante no momento ainda incerto.
Por fim, alegou demandar a Ré (L..., S.A. - Sucursal em Portugal) como seguradora do veículo automóvel que embateu naquele que o transportava.

1.1.2. Regularmente citada, a L..., S.A. - Sucursal em Portugal) contestou, pedindo que a acção fosse julgada totalmente improcedente, sendo ela própria absolvida dos pedidos.
Alegou para o efeito, em síntese, que, aceitando embora a responsabilidade do condutor do veículo automóvel por si seguro na produção do acidente de viação em causa, impugnava os danos invocados pelo Autor (AA), defendendo ter o mesmo ficado curado com uma desvalorização de 3%, e sem qualquer repercussão no exercício da sua futura actividade profissional, ou qualquer dano futuro ou dependências futuras.
Mais alegou serem sempre os montantes indemnizatórios peticionados excessivos, face à jurisprudência vigente.

1.1.3. Foi proferido despacho: dispensando a realização de uma audiência prévia; fixando o valor da causa em € 183.286,50; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); definindo o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; e apreciando os requerimentos probatórios das partes (nomeadamente, deferindo a realização de uma perícia médico-legal na pessoa do Autor).

1.1.4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
III - Decisão
Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA contra L..., Companhia de Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia global líquida de € 90.979,48, acrescida de juros contados desde data da citação sobre a quantia de € 63.479,48, e desde a data da prolação da presente decisão sobre a quantia de € 27.500,00, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento, e, ainda, a quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, e que corresponder às despesas que o Autor comprovar ter despendido com tratamentos médicos regulares para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, incluindo-se nestes tratamentos a intervenção da Medicina Física e de Reabilitação para eventuais períodos de agudização das queixas álgicas, de tipologia e frequência a definir em consultas da especialidade a realizar duas vezes por ano.
Custas na proporção do decaimento.
(…)»
*
1.2. Recursos

1.2.1. Recurso independente da Ré
1.2.1.1. Fundamentos

Inconformada com a sentença proferida, a (L..., S.A. - Sucursal em Portugal) interpôs recurso independente de apelação, pedindo que o mesmo fosse provido, e se substituísse a sentença recorrida por decisão que arbitrasse ao Autor (AA) uma indemnização por dano patrimonial futuro e danos não patrimoniais em caso algum superior a € 50.000,00.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1 - A ora Recorrente não se conforma com os montantes arbitrados na douta sentença a título de dano patrimonial futuro e danos não patrimoniais a pagar ao Recorrido, uma vez que os mesmos, segundo o entendimento da ora Recorrente, são manifestamente excessivos e severos, não correspondendo, salvo o devido respeito, a critérios equitativos, reais e objetivos.

2 - De facto, o Tribunal a quo partiu, salvo o devido respeito, erradamente, do princípio que o Autor teria limitações permanentes que influenciariam nas suas opções profissionais; que seria difícil para o Autor, em face das lesões sofridas, prosseguir a profissão por si pretendida, de Professor de Português; e que, a conseguir prosseguir com a referida profissão, tal sempre implicaria esforços suplementares.

3 - Efetivamente, apenas se definiu que os esforços acrescidos no exercício da actividade formativa de estudante, tal não significando que o exercício da profissão de Professor de Português vá implicar, sempre e necessariamente, esforços suplementares.

4 - Posto isto, não será possível concluir que o Autor, devido às lesões decorrentes do acidente dos autos, verá limitadas as suas opções profissionais e sempre terá esforços acrescidos no exercício de uma profissão que eventualmente poderá (ou não) vir a ter.

5 - Salvo melhor entendimento, a douta Sentença proferida incorreu em errada interpretação e/ou aplicação do disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, 562.º, 563.º, 564.º, e 566.º, n.º 3, todos do Código Civil, na medida em que a indemnização total arbitrada se tem por excessiva ou desrazoável.

6 - De facto, entendeu a sentença recorrida condenar a Ré, ora Recorrente, a indemnizar o Autor, ora Recorrido, no montante de € 60.192,98, a título de dano patrimonial futuro, e no montante de € 27.500,00, a título de danos não patrimoniais, com os quais não poderá concordar.

7 - Quanto ao montante fixado a título de danos patrimoniais futuros, entendeu o douto Tribunal a quo fixar a indemnização devida pelos prejuízos decorrentes do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica em € 60.192,98.

8 - Sucede porém que o Autor, à data do acidente, era estudante e não exercia qualquer atividade profissional, motivo pelo qual, no entendimento da ora Recorrente, não há lugar à atribuição de qualquer parâmetro de dano Repercussão Permanente na Atividade Profissional.

9 - Assim sendo, o défice atribuído ao Autor diz única e exclusivamente respeito à incapacidade geral (fisiológica ou funcional), ou seja, às tarefas comuns e indiferenciadas da vida corrente e que interessa a todos os indivíduos, independentemente da sua idade ou profissão, dado que o Autor não logrou demonstrar que tivesse ficado impossibilitado de trabalhar ou mesmo que as lesões decorrentes do acidente tivessem alguma repercussão na sua atividade profissional futura.

10 - Motivo pelo qual, no entendimento da ora Recorrente, o valor a atribuir ao Autor a título de dano patrimonial futuro deve ter por base apenas e só a repercussão das lesões na sua vida quotidiana e já não na sua vida profissional.

11 - Com efeito, o ressarcimento dos danos futuros depende da sua previsibilidade e determinabilidade - artigo 564, n.º 2 do Código Civil.

12 - Os danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, são essencialmente os certos ou suficientemente previsíveis como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente por virtude de lesão corporal.

13 - É verdade que o STJ tem entendido que, “Consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão direta no exercício da profissão habitual. Considera-se ainda que o aumento da penosidade e esforço pode ser atendido nesse mesmo âmbito (danos patrimoniais) - e não apenas no âmbito dos danos não patrimoniais -, desde que seja provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de atividade profissional ou de outras atividades económicas.” - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1 de 25-05-2017.

14 - Posto isto, e não obstante o tribunal no momento de definir o montante da indemnização possa ser orientado por juízos de equidade, tal ponderação deve ser casuística, verificando as circunstâncias do caso, com alguma margem de discricionariedade do julgador, mas sem colidir com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

15 - Ora, no caso dos autos, resultou provado que o Autor, ora Recorrido, ficou a padecer de uma incapacidade permanente de 6...

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