Acórdão nº 1516/22.3T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-02-09

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Número Acordão1516/22.3T8BJA.E1
Ano2023
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1- Relatório.

(…) e (…), em coligação, residentes na Rua Dr. (…), 4, 2º-Direito, 7800-309 Beja, representando os interesses de seus sobrinhos menores (…) e (…), de quem detinham a guarda desde os seus três anos de idade, e ao abrigo do RGPTC, vêm intentar a presente Acção de Regulação das Responsabilidades Parentais, com pedido de atribuição de carácter de urgência face à eventual situação de perigo a que os menores possam estar sujeitos contra: (…) e (…), progenitores dos menores, com última morada conhecida em Rua (…), 65, em Beja, de morada desconhecida na presente data.
Alegam que, os menores nasceram prematuramente a 5 de Janeiro de 2010 tendo sido logo sinalizados no hospital pela CPCJ de Beja (que também já tinha sinalizado a progenitora anteriormente) e tendo ainda os avós paternos ficado como responsáveis aquando da alta hospitalar.
Foram-se apercebendo de algumas negligências parentais: deixar os meninos trancados sem ver a luz do dia enquanto a progenitora dormia dia inteiros, não lhes era dada atenção necessária, passavam fome, casa não era higienizada, as fraldas eram deixadas sujas pela casa, o lixo não era vazado, a loiça amontoava-se, e as condições de habitualidade, com um quarto para 4 pessoas, e onde há bem pouco tempo ainda residiam.
Percebendo a perigosidade da situação, (…) prontificou- se em ir buscá-los ao infantário, dar-lhes o jantar, estar com eles para que pudessem dormir com uma refeição decente e acreditando sempre que o caso estaria entregue à CPCJ apesar de não ter notícias, foram gradualmente tomando conta dos meninos, comprando-lhes tudo o que necessitavam, desde biberões, fraldas, vestuário, alimentação, calçado, acabando por amar estas crianças como se fossem seus filhos biológicos, que desde os três anos de idade vivem com os tios paternos, tendo actualmente doze anos e embora nunca tenham sido reguladas judicialmente as responsabilidades parentais, por desconhecimento dos requerentes ab initio e também muito por medo, o certo é que foram os tios a assegurar a educação, o sustento e o são desenvolvimento do (…) e do (…) desde os 3 anos de idade até ao presente.
Foram os tios que garantiram o bem-estar geral das crianças: escola, consultas médicas, vestir e calçar, alimentar, etc…. sem nunca os progenitores terem contribuído ou sequer preocupar-se com os menores.
Os tios foram protelando a acção de regulação de responsabilidades parentais com um enorme receio de que os pais lhes retirassem os meninos e provocassem confrontos, afectando os meninos, o que acabou por acontecer neste final de verão.
Neste momento desconhecem para onde terão os progenitores levado as crianças e porque negam terminantemente o contacto entre menores e tios.
Pedem:
Que seja decretada a guarda a favor dos tios (…) e (…); que se averigue o paradeiro efectivo dos menores, bem como a escola que estarão a frequentar; que seja estipulado um regime provisório de guarda a favor dos tios até decisão definitiva; que sejam solicitados relatórios sociais com vista a escrutinar as condições de vida dos progenitores em comparação à dos tios paternos; que seja notificada a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Beja, onde os menores tiveram e têm processo em curso, para vir aos autos, ao abrigo do artigo 531.º do CPC, juntar toda a documentação relevantes para efeitos da presente acção; que seja notificado o Departamento de Psicologia da ULSBA para vir aos presentes autos juntar relatório médico sobre o acompanhamento do menor (…) em consulta de Psicologia e ainda a audição imprescindível e imediata dos menores pelos princípios emanados e fundamentais do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, comummente designado “Regulamento Bruxelas II bis»
Foi proferida a seguinte decisão:
«1. Vistos os autos.
2. (…) e (…), tios paternos dos menores (…) e (…), filhos de (…) e (…), ambos solteiros, vieram requerer a Regulação das Responsabilidades Parentais relativamente aos menores.
Alegaram, para tando, que desde os três anos de idade as crianças sempre estiveram aos seus cuidados, mas que as responsabilidades parentais nunca foram reguladas por receio que os pais viessem buscar as crianças, o que acabou por suceder no final deste Verão, encontrando-se agora em parte incerta.
Ao que sabem os pais das crianças vivem juntos, na zona de Portimão (…) e não detêm condições materiais ou emocionais para ter os filhos a cargo.
Apreciando e decidindo,
O artigo 17.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, que enuncia a regra geral em termos de iniciativa processual, com a epígrafe «Iniciativa processual»:
«1 - Salvo disposição expressa e sem prejuízo do disposto nos artigos 52.º e 58.º, a iniciativa processual cabe ao Ministério Público, à criança com idade superior a 12 anos, aos ascendentes, aos irmãos e ao representante legal da criança.»
Concretizando, o artigo 43.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, cuja epigrafe é «Outros casos de regulação», que:
«1 - O disposto nos artigos anteriores é aplicável à regulação do exercício das responsabilidades parentais de filhos de cônjuges separados de facto, de filhos de progenitores não unidos pelo matrimónio e ainda de crianças apadrinhadas civilmente quando os padrinhos cessem a vida em comum.
2 - Qualquer das pessoas a quem incumba o exercício das responsabilidades parentais pode requerer a homologação do acordo extrajudicial sobre aquele exercício.
3 - A regulação prevista neste artigo, bem como as diligências executórias da decisão judicial ou do acordo homologado, podem ser requeridas por qualquer das pessoas a quem caiba o exercício das responsabilidades parentais ou pelo Ministério Público.
4 - A necessidade da intervenção judicial pode ser comunicada ao Ministério Público por qualquer pessoa.»
Com esta norma visa prever-se a regulação das responsabilidades parentais de filhos de cônjuges separados de facto, de filhos de progenitores não unidos pelo matrimónio e ainda de crianças apadrinhadas civilmente quando os padrinhos cessem a vida em comum, uma vez que o supra citado artigo 17.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível restringe a iniciativa processual.
Esta é uma disposição que alarga a iniciativa processual prevista no artigo 17.º, sem restringir o campo deste.
Vejamos,
O artigo 35.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível nada refere sobre quem tem legitimidade/iniciativa processual para iniciar o processo de regulação das responsabilidades parentais e o artigo 34.º reporta-se aos casos de acordo.
Assim, não havendo acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, a aferição de quem tem a iniciativa processual há-de fazer-se à luz do artigo 17.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Porém, analisando o caso dos autos verifica-se que os pais
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