Acórdão nº 1514/18.1T8LMG.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-11-09

Ano2022
Número Acordão1514/18.1T8LMG.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DO TRABALHO DE LAMEGO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU)

Apelação n.º 1514/18.1T8LMG.C1

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Acordam[1] na Secção Social (6.ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

Fundo de Acidentes de Trabalho, com sede em Lisboa

intentou a presente ação especial de acidente de trabalho contra

Fidelidade, Companhia de Seguros, S.A., com sede em Lisboa

alegando, em síntese que:

O trabalhador quando se encontrava a trabalhar foi interveniente num acidente de viação quando conduzia um veículo pesado de mercadorias que entrou em despiste, tendo tombado; sofreu lesões que vieram a ser causa direta e necessária da sua morte; o sinistrado não deixou familiares com direito a pensão, pelo que, cabe ao FAT uma importância igual ao triplo da retribuição anual daquele, no valor de € 36.847,05 e cujo pagamento impende sobre a Ré seguradora.

Termina, formulando o seguinte pedido:

Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente ação ser julgada procedente e provada e por via dela:

1 - Ser declarado o acidente sofrido por AA como de trabalho in itinere;

2 - Ser a Ré condenada a pagar ao Autor Fundo de Acidentes de Trabalho a quantia de 36.847,05€ (trinta e seis mil, oitocentos e quarenta e sete euros e cinco cêntimos).

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A Ré seguradora contestou alegando, em sinopse, que:

O acidente resultou de conduta temerária em alto e relevante grau o que consubstancia a descaracterização do acidente por negligência grosseira do sinistrado, não podendo, por isso, assumir a responsabilidade pela respetiva reparação, isto porque o acidente o acidente de viação ocorreu por culpa exclusiva, grave e indesculpável da própria vítima, ao exercer as suas funções e conduzir com TAS de mais de 5g/l; o despiste e acidente que causou a morte foi devido exclusivamente ao facto de o sinistrado estar no estado de embriaguez e conduzir com uma TAS de mais de 5g/l e de, face a este estado em que se encontrava, não ter acionado o hidráulico do bloqueio traseiro exterior do chassis da caixa de carga do veículo.

Termina dizendo que a presente ação deverá ser julgada improcedente e não provada e a Ré absolvida do pedido com todas as consequências legais.

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Foi proferido o despacho saneador de fls. 120 e segs., foi selecionada a matéria assente, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

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Procedeu-se a julgamento, conforme consta da respetiva ata.

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Foi, depois, proferida sentença (fls. 160 e segs.) e cujo dispositivo é o seguinte:

“Face ao exposto, decide-se julgar procedente por provada a presenta ação e consequentemente decide-se:

1) Reconhecer que o acidente que vitimou AA, ocorrido em 22.12.2018, é um acidente de trabalho;

2) Condenar a Ré Seguradora, “Fidelidade – Companhia de seguros, S.A.” a pagar:

» ao FAT a quantia de 36.847,05€, nos termos do art. 63º, da LAT;

» a BB a quantia de 1.810,00 a título de subsídio por despesas de funeral.”

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A Ré seguradora, notificada desta sentença, veio interpor recurso da mesma formulando as seguintes conclusões:

1ª- O presente recurso versa sobre a apreciação da matéria de facto, porquanto entende que ocorreu erro de apreciação de prova produzida em sede audiência de julgamento e documentos juntos e consequente interpretação e aplicação da legislação aos factos apurados.

2ª- A reapreciação da matéria de factos incide sobre os factos não provados constantes de fls 6 da douta sentença, pois que não ignorando o princípio da livre apreciação da prova, mas tal não se pode confundir com discricionariedade e arbitrariedade, antes exige uma profunda ponderação e reflexão de toda a prova produzida e a sua análise crítica.

3ª- Salvo sempre o devido respeito, entendemos da análise de todos os elementos constantes dos autos, esclarecimentos dos Srs Peritos prestados em sede de audiência de julgamento, da literatura técnico-cientifica sobre a influência do álcool no sangue na condução e da lógica das cosias , da experiência e do senso comum , e das presunções judiciais tais factos devem ser dados como provados .

4ª-Na verdade, não compreendemos como depois de se dar como provado os factos elencados nas alíneas B),I), J), K), L), M), N e o) , venha depois a mesma Mª Juiz do Tribunal a quo poder concluir que :

“Não obstante, tudo quanto se apurou e resumidamente atrás exposto, não foi possível apurar factos que nos permitissem concluir que o acidente de viação e consequente morte da infeliz vitima, ocorreu por culpa exclusiva, grave e indesculpável da própria vitima, ao exercer as suas funções e conduzir com uma TAS de mais de 5 g/l; que o despiste e acidente que causou a morte foi devido exclusivamente ao facto de estar no estado de embriaguez e conduzir com uma TAS de mais de 5 g/l,…”.

6ª- Não estamos a tratar de uma TAS de o,5 g/l, ou de 1,0 g/l ou 2,0 g/l , mas sim de 5,0 g/l, uma quantidade exorbitante, que como referiram os Srs Peritos do IML, e que deixou o sinistrado perfeitamente inconsciente, como facilmente se percebe e resulta da lógica das coisas .

7ª- Parece-nos evidente , liquido , da experiência comum, da lógica e resulta de qualquer simples análise de qualquer estudo técnico e cientifico que qualquer individuo , independentemente da sua constituição fisica ou apetência/resistência para o consumo de bebidas alcoólicas, que com um TAS de 5,o g/l não estava na posse das sua mais elementares faculdades mentais , psíquicas e motoras para conduzir.

8ª- Independentemente da prova testemunhal produzida em sede de audiência , como a inquirição dos Srs Peritos do IML, que não deixam dúvidas sobre tal matéria de facto, resulta da experiência comum e de simples presunção judicial que assim é, bem como de todos os estudos técnicos e científicos sobre a influência do álcool na condução .

Assim,

9ª- Que tais factos devem ser considerados provados, resulta desde logo do depoimento dos Srs Peritos em sede de audiência de julgamento , Dr CC e Dr DD .

10ª- O Sr Dr CC, que procedeu a autópsia do sinistrado e que depôs na sessão de julgamento de 12.05.2022, e cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital, com inicio às 10:19:24 e termo às 10:53:20, a cerca desta matéria declarou ao minuto 23:00 :

Advogado- Já agora senhor doutor e pegando aqui também pelo seu relatório havia sinais ou não de que este senhor habitualmente consumia bebidas alcoólicas … permita-me que que refira aqui duas situações que é o fígado aumentado e uma cardiopatia com o coração também aumentado, consta do relatório. Isto significa não que este senhor consumia bebidas alcoólicas ?

Testemunha - não posso dizer isso ….pode ser isso pode ser disso … a probabilidade é grande mas também é uma especulação não temos objetivos para afirmar uma coisa dessas .

Advogado- mas a probabilidade é elevada?

Advogado - outro aspecto senhor doutor e penso que será o aspecto final, com esta taxa de álcool no sangue é evidente que não é normal , mas não é primeiro caso …eu também já tive, já tive situações em que isso ocorreu, portanto não é assim tão anormal agora, agora pergunto : com esta taxa é evidente que o Senhor doutor também já referiu que há muito álcool e que é muito elevado ?

Testemunha- exatamente .

Advogado. - Portanto isto afeta, não afeta de forma muito grave as capacidades psicomotoras desde senhor?

Testemunha – Afecta.

Advogado- Designadamente é provável ou não de que o acidente tenha ocorrido devido a essa taxa de álcool ?

Testemunha- É provável , é verdade.

Advogado. - se não houver outra causa excluir , ia perguntar é que não há aqui a intervenção de terceiros há um despiste, a probabilidade da taxa de álcool no sangue tão elevada de ser a causa do acidente é razoável ou não?

Testemunha - É razoável .

11ª- Por sua vez,

O Sr Dr DD, especialista superior de medicina legal e especialista em química e toxicologia forense do INMLCF – delegação Norte , ..., e que depôs na sessão de julgamento de 12.05.2022, e cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital, com inicio às 10:58:42 e termo às 11:20:37, declarou ao minuto 09:00 do seu depoimento :

Advogada- Isto significa em que situação ele está?

Testemunha-que ele está normalmente significa intoxicação alcoólica aguda ou seja implica muitas vezes essa situação limite o indivíduo está em coma está ou está morto …

Advogada - portanto é uma pessoa que não teria à partida condições para sequer estar a conduzir a ter estado um dia inteiro e é no final do dia quando ter capacidade para conduzir alguns quilómetros ainda no veículo?

Testemunha - … de acordo com as indicações dos referenciais que nós temos em medicina legal ele estaria praticamente incapacitado para agir pelos seus próprios meios, mas isso não significa o que haja em situações particulares circunstâncias especiais que possam levar a manter sua capacidade …

12ª- E mais adeante a instâncias do Mandatário da Ré, ao minuto declarou ao minuto 17:00 :

Advogado - Só lhe queria pedir que nos ajudasse a esclarecer 3 aspetos, e um tem a ver relativamente com aquela questão de ter uma taxa de álcool no sangue tão elevada, que o senhor doutor referiu que ele tinha que ter ingerido grande quantidade de álcool?

Testemunha - exatamente.

Advogado - Portanto o álcool não cai do céu, teve de ser ingerido certo ?

Testemunha - sim …descartando qualquer hipótese que leve ou apareça no sangue.

Advogado- Se não foi injetado .

Testemunha- na prática do tudo aquilo que nós detectamos tem a ver com a ingestão de bebidas alcoólicas .

13ª- E novamente ao minuto 19:50, declarou :

Advogado- O último aspecto tem a ver com a com esta taxa de álcool que grau 5 que o senhor doutor referiu, que é uma intoxicação aguda, foi o que disse, não percebi mal ?

Testemunha – Não, não percebeu mal … confirmo isso .

Advogado- Portanto em circunstâncias normais essa pessoa não consegue ter movimentos psicomotores, mas em algumas circunstâncias consegue ter ?

Testemunha - Não me posso...

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