Acórdão nº 1511/16.1T8EVR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 18-12-2023

Data de Julgamento18 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão1511/16.1T8EVR.E2
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
1511/16.1T8EVR.E2

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. (…), casado, residente na Av. (…), 105, 7º-G, em Lisboa, instaurou contra Cooperativa (…), CRL, com sede na Av. (…), Montemor-o-Novo, ação declarativa com processo comum.
Alegou, em resumo, ser dono e legítimo proprietário do prédio rústico denominado Herdade da (…), sito na freguesia de (…), concelho de Montemor-o-Novo, o qual lhe adveio por sucessão testamentária de (…), prédio expropriado por despacho da Ministra da Agricultura de 16/11/1994 e sujeito, pelo Estado, para efeitos de atribuição de direitos de reserva, à obrigação da sua proprietária celebrar com a Ré um contrato de arrendamento, pelo prazo de 10 anos, com três renovações obrigatórias de 3 anos, contrato que teve o seu início, com a entrega da reserva, em 7/12/1994 e o seu termo em 7/12/2013 e foi denunciado, pela sua anterior proprietária, em 16/3/2011.
Pediu a condenação da Ré: a) a reconhecer a denúncia e cessação do contrato de arrendamento para 07/12/2013, subsidiariamente, a partir de 7/12/2017; b) a reconhecer o direito de propriedade do Autor sobre o prédio e a restitui-lo livre de pessoas e bens; c) a levantar, retirar e demolir todas as edificações levadas a efeito no prédio ou, em alternativa, a pagar as despesas e custos demolição, remoção e transporte dos respetivos inertes e entulhos para aterros sanitários, a apurar em execução de sentença; d) a pagar ao A. a quantia de € 100.000,00 referente à ocupação do prédio de 08/12/2013 a 8/12/2015 e, a partir dessa data, a quantia diária de € 137,00 a título de indemnização pela ocupação indevida e perda do uso e fruição do prédio, até à data da sua devolução.
A Ré contestou por exceção e por impugnação; excecionou a ilegitimidade do Autor (discutia-se em juízo a validade do testamento por efeito do qual o Autor alega haver adquirido o prédio) e, contraditou os factos alegados por forma a concluir que o termo do contrato de arrendamento, mercê das renovações impostas pela lei, ocorreu em 7 de dezembro de 2021 e que, de qualquer forma, a comunicação de denúncia do contrato não se mostra assinada, sendo juridicamente inexistente e insusceptibilidade de produzir quaisquer efeitos.
Concluiu, na procedência da exceção, pela absolvição da instância e, em qualquer caso, pela improcedência da ação.

2. Saneado o processo, o Autor foi considerado parte legítima para a causa e a instância havida, em tudo o mais, válida e regular, foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizou-se a audiência final e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo, designadamente, se consignou:
(…) julga-se a presente ação improcedente, por não provada, e em consequência, absolve-se a ré de todos os pedidos contra si formulados pelo autor”.

3. Recurso
O Autor recorre da sentença e conclui:
“1ª - O regime do Dec.-Lei 524/99, que alterou o Dec.-Lei 385/88 só é aplicável aos contratos de arrendamento rural celebrados no âmbito da liberdade contratual das partes, e não aos contratos impostos pelo Estado ao abrigo das cláusulas especiais do artigo 29.º da Lei 46/90, por razões de política agrária.
2ª - O contrato de arrendamento foi imposto pelo Ministério da Agricultura, como condição da aquisição do direito real de propriedade atribuído por direito de reserva e ficou sujeito às cláusulas especiais previstas no artigo 29.º, n.º 3, a), b), c) e d), nomeadamente pelo prazo inicial de 10 anos com 3 renovações obrigatórias de 3 anos cada, a que o senhorio não se podia opor, garantido ao arrendatário uma vigência contratual de 19 anos.
3ª - A aplicação das renovações do Dec.-Lei n.º 624/99 ao contrato de arrendamento, iria injustificadamente cumular o benefício das 3 renovações obrigatórias adquiridas ao abrigo do artigo 29.º, com as 3 renovações de 5 anos, o que implicava que o prazo do arrendamento de 19 anos, que já ultrapassava em 9 anos o prazo geral do arrendamento, passasse para os 25 anos, o que para além de colocar em crise a estabilidade jurídica, seria atentatório aos mais elementares princípios de justiça.
4ª - O Dec.-Lei 249/99 não é aplicável ao contrato de arrendamento dos autos e a sua aplicação, conforme refere o ponto II do sumário do Acórdão do STJ de 13/04/2010 citado “sempre implicaria uma aplicação retroativa de duvidosa constitucionalidade por ofensa do princípio geral da segurança jurídica”.
5ª - O contrato de arrendamento foi celebrado ao abrigo de lei especial, que prevalece sobre a lei geral do arrendamento rural, não lhe sendo aplicável o regime do Dec.-Lei n.º 524/99.
6ª - A sentença ao aplicar ao contrato de arrendamento regime das renovações de cinco anos do Dec.-Lei n.º 524/99, por erro de interpretação e aplicação da lei, violou o disposto no artigo 29.º, n.º 3, alíneas a), b), c) e d) e o artigo 5.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 524/99, o princípio da segurança jurídica e o artigo 12.º do Código Civil.
7ª - Os referidos normativos violados, deveriam ser aplicados pela decisão recorrida, no sentido de afastar a aplicação do regime do Dec.-Lei n.º 524/99 ao contrato de arrendamento.
8ª - No pedido formulado na ação pediu-se subsidiariamente o reconhecimento da denúncia como válida e eficaz, para produzir os seus efeitos a partir de 07/12/2017.
9ª - A denúncia do contrato de arrendamento para 07/12/2013 e a partir de 07/12/2017 é válida e eficaz, mesmo que não venha a operar nessas datas indicadas pelo recorrente, mas também para momento posterior.
10ª - O recorrente denunciou o contrato de arrendamento com a antecedência mínima legal paca 07/12/2013 e subsidiariamente, a partir de 07/12/2017.
11ª- O tribunal a quo, mesmo que entendesse que o termo da última renovação do contrato ocorreu em 07/12/2019, deveria reconhecer e considerar como tempestiva, válida e eficaz a denúncia para 07/12/2019, data que já tinha ocorrido muito antes da prolação da decisão.
12ª - A indicação da data da denúncia constitui apenas um efeito necessário dessa denúncia, nada tem a ver com a essência do pedido, como é entendido uniformemente pela jurisprudência.
13ª - A sentença recorrida deveria corrigir as datas da denúncia indicadas pelo recorrente para 07/12/2019, poe se tratar de uma questão de direito.
14ª – A decisão recorrida ao não considerar tempestiva, válida e eficaz a denúncia para 07/12/2019, violou o disposto no artigo 18.º, n.º 1, b), do Dec.-Lei n.º 385/88, que deveria ser aplicado no sentido de considerar válida e eficaz a denúncia para 07/12/2019.
15ª - A recorrida não paga as rendas desde 07/12/2016 a 07/12/2021, competindo-lhe o ónus da prova de ter efetuado o pagamento ou o depósito à ordem do recorrente.
16ª - A sentença recorrida não podia ignorar que o arrendamento, por falta do pagamento de rendas, já não se encontrava válido e a produzir os seus efeitos entre as partes.
17ª - A sentença recorrida deveria ter declarado a cessação do contrato de arrendamento e devolver ao recorrente o prédio arrendado, por se tratar de uma questão de direito.
18ª - A sentença recorrida violou o disposto no artigo 1045.º do Código Civil, que deveria ser aplicado no sentido de considerar extinto o contrato, por falta de pagamento das rendas.
19ª - A conduta de má-fé da recorrida na ação, não deveria ter sido ignorada pela sentença recorrida.
20ª - A sentença recorrida violou o disposto no artigo 542.º, n.º 2, d), do CPC, que deveria ser aplicado no sentido de condenar a recorrida como litigante de má fé.
Termos em que deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra, que declarando a denúncia do arrendamento como tempestiva, válida e eficaz para 07/12/2013, 07/12/2017 ou mesmo 07/12/2019, julgue procedente a presente ação, condenando a recorrida no pedido, devolvendo-se o prédio ao recorrente.”
Respondeu a Ré, por forma a defender a improcedência do recurso.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
Considerando as conclusões da motivação do recurso e sendo estas que delimitam o seu objeto, importa decidir i) se a denúncia é suscetível de produzir efeitos em data posterior à indicada pelo senhorio, ii) se o regime do Dec.-Lei n.º 524/99 não é aplicável aos contratos de arrendamento rural celebrados ao abrigo do disposto no artigo 29.º da Lei n.º 46/90.
O recurso coloca ainda a questão da extinção do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas [cclªs 15ª a 18ª].
A extinção do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas não foi suscitada na 1ª instância, nem foi objeto de pronuncia na decisão recorrida, é colocada ex novo no recurso.
Os recursos ordinários, como é o presente recurso de apelação, destinam-se à reponderação da decisão recorrida, o que significa que, em regra, “o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados”[1], e isto porque os recursos visam modificar ou anular as decisões recorridas[2] e “não criar decisões sobre matéria nova não sendo lícito invocar e conhecer nos mesmos questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido”[3].
Assim, não tendo a decisão sob recurso resolvido qualquer questão relacionada com a extinção do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, por não lhe haver sido colocada, não pode o recurso, neste particular, apreciar seja o que for, por se tratar de uma questão que nem o Autor suscitou perante o tribunal recorrido, nem este resolveu.
Por esta
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