Acórdão nº 15024/19.6T8LSB.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-11-24

Ano2022
Número Acordão15024/19.6T8LSB.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
J… intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra “W…, S.A.” pedindo a condenação da R. “no pagamento ao Autor de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €5.500,00.”.
Alega em abono da sua pretensão, em síntese, que tem 69 anos e sofre de síndrome coronário agudo há cerca de 20 anos, sendo seguido a nível médico e medicamentoso, motivo pelo qual o stress e a ansiedade podem trazer ao Autor consequências mais gravosas. Alega que a ré, em 24/11/2017, dirigiu a ao A. uma carta alegando que o A. tinha uma dívida de €42.363,55, propondo ao A. a sua regularização através do pagamento de €6.354,53. Invoca que não sendo devedor desse valor contactou a ré, sendo eu esta lhe transmitiu que tal carta podia ter sido fruto de erro, pelo que, caso não fosse devedor da quantia nela mencionada, deveria ignorá-la. Porém a ré voltou, em 20/06/2018, a endereçar ao Autor missiva propondo-lhe novamente a redução do valor alegadamente em dívida de €42.363,55 para €6.354,53, pelo que o A. solicitou junto da ré esclarecimentos, invocando quer o desconhecimento da dívida, quer ainda a sua situação como doente cardíaco e que tal agravaria gravemente a sua saúde. Face à ausência de resposta, voltou a requerer resposta e solicitou a marcação de uma reunião, informando ainda que já havia comunicado ao BdP, DIAP e Inspecção-Geral de Finanças e tentou ainda obter informação junto das instalações da ré. A queixa crime foi arquivada, por se ter entendido que os factos imputados à Ré não eram susceptíveis de constituir a prática de qualquer crime, mas antes eventualmente passíveis de responsabilização civil. Alega que passou a viver em permanente angústia, antevendo a possibilidade de, a qualquer momento, ver-se alvo de acções judiciais ou penhoras para cobrança de quantia que nunca deveu a ninguém e cuja origem desconhece, o que lhe provocou constante ansiedade, desânimo e auto-isolamento, temendo pela afectação da sua reputação. Por fim, alega que a ré lhe comunicou que o crédito que dele vinha reclamando tinha origem no contrato que este havia celebrado com outra sociedade o qual foi cedido à ré, o que já teria determinado a instauração de uma acção executiva. Invoca o A. que a quantia exequenda não correspondia a tal valor, tendo a ré remetido de novo carta de idêntico teor, sem obter qualquer resposta da ré. Conclui que é devido o valor peticionado dado o «estado de constante angústia, ansiedade e frustração e as perturbações no sono, no apetite e a irritabilidade causados ao Autor pela persistência e reiteração com que a Ré lhe imputa uma dívida num valor que nunca contraiu e que esta não esclarece, constituem danos não patrimoniais susceptíveis de indemnização».
Citada a ré veio a mesma contestar impugnando os factos, mais dizendo que efectivamente o A. tinha uma dívida da qual a ré actuou na qualidade de gestora do crédito detido pela A…, crédito esse reconhecido por sentença, da qual o A. recorreu, recurso que foi indeferido, pelo que foi intentada execução, tendo o A. na mesma deduzido oposição à penhora, ainda sem decisão. Impugna ainda o facto de não ter recebido o A. e no que ao valor da dívida se refere, a Ré reviu toda a documentação disponível e apercebeu-se, de um lapso na informação inserida no sistema, no que ao valor das despesas a contabilizar se refere. Alude que por motivos que a Ré não consegue precisar, mas que poder estar relacionados com a inserção automática da informação dos dados do crédito no sistema, o valor de despesas computava-se em €27.642,94, quando se deveria computar em 1.599,05€. Argumenta assim, que procedeu à correção do lapso da informação inserida no sistema, cifrando-se a dívida a esta data em €20.435,85, valor esse aliás muito inferior ao valor proposto a título de pagamento pelas cartas que apelida de “campanha”, as quais são automaticamente preenchidas pelas informação constante do sistema, pelo que o valor foi impactado pelo lapso de informação inserida no sistema referente ao valor de despesas. Conclui quer pela inexistência dos pressupostos da responsabilidade civil, quer ainda pela inexistência de danos indemnizáveis e, logo, pela absolvição do pedido.
No prosseguimento dos autos e realizada audiência final foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e, consequentemente, foi a ré absolvida do pedido formulado pelo Autor.
Foi inconformado com esta decisão que determinou a interposição do presente recurso pelo Autor, formulando as seguintes conclusões:
«A. Ficou provado e reconhecido no ponto 1) que o Autor sofre de doença coronária aguda.
B. Ao dar como provado o ponto 1) não podia ter sido dado como não provado o ponto 21) uma vez que, ao sofrer de tal patologia, o autor sofreria de ansiedade, angustia, privação de sono e falta de apetite.
C. Mesmo não sofrendo de tal patologia, qualquer homem médio ficaria completamente desgastado e a sofrer de ansiedade e angústia.
D. A ré é uma Sociedade conhecida e experiente no sector em que se move, a finança.
E. Os lapsos ou erros reiterados não podem ser entendidos como se fossem um simples lapso de escrita.
F. Tem obrigação e responsabilidade de fazer melhor.
G. Tem obrigação de não cometer, pelo menos, o mesmo erro várias vezes.
H. Um lapso ou um engano podem ser entendidos como tal se ocorrerem uma vez, o que não foi o caso.
I. Os danos não patrimoniais sofridos pelo autor impunham que o tribunal ad quo fixasse um valor indemnizatório.
J. A privação da sua vida normal, com o pânico de vir a ter que pagar uma divida daquela monta, tem que ser considerado um dano autónomo suscetível de avaliação patrimonial, de acordo com o disposto no artigo 483.º e 566.º ambos do C.C.
K. O tribunal ad quo deveria ter recorrido à quantificação de danos recorrendo a juízos de equidade.
L. O instituto jurídico previsto no artigo 563º e 564º/2 do C.C. afere que basta a simples probabilidade da existência desses danos são suscetíveis de indemnização.
M. Ao decidir como decidiu o tribunal ad quo violou o disposto nos artigos 483º n.º 1, 496.º n.º 1, 562.º, 563.º e 566.º do C.C.
Nestes termos e nos melhores de direito do douto suprimento requer a V.ª Ex, ª digne admitir o requerido, julgar o presente recurso procedente por provado e em consequência, condenar a sociedade recorrida no pagamento de uma indemnização no valor de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros).».
A ré contra alegou pugnando pela improcedência e concluindo que:
«I. Esteve bem o Tribunal a quo em decidir como decidiu, não assistindo razão ao Recorrente devendo o Tribunal ad quem manter a Douta decisão ora em crise.
II. Tribunal a quo ao considerou, e bem, como não provado o facto 21, pois o Recorrente quando recebeu as cartas, já havia sido condenado judicialmente e estava a ser executado, pese embora tenha informado a testemunha D… que “não devia nada do carro”, e que “não tinha dívidas”.
III. Mais ainda as testemunhas D… e J…, amigos do Recorrente referiram-se à perturbação e ansiedade do A. (“uma perseguição que estão-me a fazer”) pelo valor avultado da dívida, mas desconheciam o valor da dívida.
IV. O Tribunal a quo analisou correctamente a conduta da ora Recorrida tendo concluído do depoimento da testemunha S… e dos documentos juntos aos autos que cartas emitidas apesar de as cartas emitidas pela Recorrida enfermarem de um erro, na verdade propunham o pagamento inferior ao valor à quantia que o Recorrente tinha sido condenado a pagar por decisão condenatória, beneficiando-o.
V. A ora Recorrida não violou qualquer direito do Recorrente nem praticou qualquer ilícito suscetível de lhe causar quaisquer danos não patrimoniais
VI. Neste sentido não resultaram provados os elementos constitutivos da responsabilidade civil (cfr. artigo 483.º n.º 1, do C.C) por factos ilícitos, designadamente o facto ilícito e o dano, pelo que o não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização
VII. Conclui-se assim que o pedido do Autor, ora Recorrente tem que soçobrar, mantendo-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo.»
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- É de alterar a decisão que absolveu a ré, considerando que é devido o valor indemnizatório pedido pelo Autor por verificação na sua esfera jurídica de danos não patrimoniais indemnizáveis.
*
II. Fundamentação:
No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos:
1 - O A. nasceu em 31-X-49 e sofre de síndrome coronário agudo, e é seguido em consulta de cardiologia.
2 - Em 6-VII-95 “C…., S.A.” e A. assinaram o “CONTRATO FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇAO A CRÉDITO Nº…” junto a fls.. 24v-25 – que o ora A. não cumpriu.
3 - Em 20-XII-07 “Banco… S.A.” e “F…, S.a.r.l.” assinaram o “CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITOS” junto a
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