Acórdão nº 150/19.0TNLSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 10-01-2023

Data de Julgamento10 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão150/19.0TNLSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
S…, Lda. intentou a presente acção de condenação, com processo comum, contra L…, SA. pedindo:
I - a declaração da exclusão e não aplicabilidade da cláusula 9.º, n.º 1, al. e), das condições gerais da apólice do seguro celebrado entre as partes;
II - a condenação da Ré a entregar à Autora a quantia de €37.743,04, acrescida dos juros legais contados a partir da citação.
Em síntese, alega a Autora que:
- celebrou com a Ré um contrato de seguro, do ramo marítimo – cascos/pesca, o qual teve por objecto a embarcação de pesca da qual é proprietária, denominada N--, com o conjunto de identificação L-----, e que abrangia as coberturas de casco e máquinas, embarcações auxiliares e diversos equipamentos;
- a N-- sofreu um rombo no casco cuja causa e subsequente entrada de água a bordo não foi possível estabelecer, sendo que aquele se encontrava íntegro e a embarcação em bom estado geral;
- o custo da reparação da embarcação totalizou a quantia de €37.743,04 e que a Ré, interpelada para suportar tal montante ao abrigo do contrato de seguro, nada entregou à Autora, por entender que o sinistro se deveu a vício próprio e/ou efeitos de envelhecimento e, nessa medida, estar excluído da cobertura da apólice;
- a cláusula do contrato de seguro que contempla a mencionada exclusão jamais foi lida e explicada à Autora, pelo que deve ser tida como inexistente nos termos dos artigos 5.º, 6.º e 8.º do DL n.º 446/85, de 25-10.
Citada a Ré veio apresentar Contestação, na qual:
- impugnou que o sinistro sofrido pela embarcação da Autora se encontrasse garantido pelo seguro ajustado com a Ré, porquanto o mesmo ficou a dever-se ao desprendimento das tábuas do casco junto ao aro de painel de popa, nas obras vivas, do lado de estibordo, em resultado do estado de degradação da madeira e da corrosão dos pregos que fixavam as referidas tábuas (demonstrando que tal circunstancialismo preenche as cláusulas de exclusão de cobertura do seguro previstas no art.º 9.º, n.ºs 1, al. e), e 2, al. c), das Condições Gerais, as quais estabelecem, respectivamente, que «[f]icam expressamente excluídas das garantias prestadas por esta apólice as perdas, danos ou indemnizações directa ou indirectamente resultantes de vício próprio, efeitos de envelhecimento (…)» e «(…) o Segurador não responde (…) pelas perdas ou danos directa ou indirectamente resultantes de defeito de construção, montagem, vício próprio, desgaste, uso ou depreciação, desarranjos de qualquer natureza, defeitos latentes ou ocultos e/ou manutenção do navio ou embarcação segura (…)»);
- asseverou que as partes têm um relacionamento contratual muito anterior à subscrição da apólice ajuizada e que a Autora conhece perfeitamente a exclusão decorrente de vício próprio, pois a Ré, no âmbito de um anterior seguro do ramo marítimo-cascos relativo à mesma embarcação, rejeitou a cobertura numa situação idêntica de desgaste ou fadiga de material;
- contrapôs ainda que as despesas de reparação da N-- foram inicialmente cifradas pela Autora em €29.754,28, ficando por esclarecer a que concretos gastos respeita o montante ora peticionado;
- terminou pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
Teve lugar Audiência Prévia onde se procedeu ao saneamento do processo, fixando-se o valor da acção, bem como o objecto do litígio e os temas da prova.
Realizada a Audiência de Julgamento foi prolatada Sentença, que concluiu com a seguinte Decisão:
“Nestes termos, e com tais fundamentos, decido julgar improcedente, por não provada, a presente acção e, consequentemente, absolver a Ré L…, S.A. do pedido formulado pela Autora S…, Lda..
Fixo a remuneração do Assessor Técnico do Tribunal, Exmo. Senhor Eng. A…, em seis (6) senhas de presença [consulta do processo (1), participação na audiência final (3) e prestação de esclarecimentos técnicos de facto ao julgador (2)].
Custas a cargo da Autora S…. Lda. (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, CPC).
Registe e Notifique.
Após trânsito, devolva o processo apenso de averiguações (“Relatório de Mar”) ao Comando Local de P… da Polícia Marítima”.
É desta decisão que vem interposto recurso por parte da Autora, a qual apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
1ª- O Tribunal a quo fez uma errada interpretação e valoração da prova produzida no que diz respeito às alíneas j) e l) dos factos provados e ao Facto nº 5 dos factos não provados.
2ª- Também na aplicação da fundamentação de direito ao caso concreto, salvo o devido respeito, andou mal o tribunal a quo, porquanto, invocando correctamente os regimes tutelares norteadores da contratação de seguros e dos procedimentos prévios de informação (RJCS e RJCCG), bem assim doutrina atinente, concluiu de forma diametralmente oposta, que:
a)- Mesmo tendo a seguradora assumido que não prestou a informação nos moldes requeridos pela Lei, a isso não estava obrigada porque,
b)- O tomador já tinha tido seguros do mesmo tipo para o mesmo bem, inclusive com a seguradora aqui representada, e conhecia muito bem o clausulado e as exclusões,
c)- Dominava muito bem o jogo das Cláusulas Contratuais Gerais,
d)- O ónus de pedir esclarecimentos para quaisquer dúvidas era do tomador, e posto que nenhuns foram pedidos, presume-se que tudo era do seu conhecimento,
e)- E, finalmente, sendo o contrato de seguro uma condição imposta pel------ (do grupo da seguradora L---, a Ré) para a concessão do mútuo solicitado pela Autora, é seguro o tribunal afirmar que esta teria sempre ajustado o seguro nos termos em que acabou por fazê-lo.
3ª - Com efeito, dos depoimentos das testemunhas AS, MS e do legal representante da Autora, cujos extractos foram transcritos e devidamente identificados nestas alegações e que aqui se dão por reproduzidos, não se pode retirar que haja sido comunicado o conteúdo do contrato e das subtilezas do clausulado, nomeadamente da cláusula de exclusão de responsabilidade em apreço – a Cláusula 9ª, nº 1- e) das Condições Gerais relativa ao “vício próprio e/ou efeitos de envelhecimento”.
4ª - O depoimento da testemunha AS- ouvida na sessão de 9 de Dezembro de 2021, entre as 15h 45m e as 16h e 13m - gravado e identificado no Ficheiro nº 20211209154517, é cristalino, não merece quaisquer dúvidas no sentido de não ter informado o legal representante da Autora sobre o teor das cláusulas, nomeadamente da Cláusula 9.ª principalmente a al. e) do seu n.º 1 das Condições Gerais.
5ª- Esta testemunha, funcionária da Ré Companhia de Seguros, referiu, repetidamente, por três vezes, no seu depoimento (0.22.00, 0.22.45, 0.26.41): “Não informei” e “não dei” (explicação) sobre a cláusula de exclusão de responsabilidade - Cláusula 9ª, nº 1, al. e) sobre a temática de “vício próprio e/ou efeitos de envelhecimento”.
6ª- Também o depoimento da testemunha MS (ouvida na sessão de 9 de Dezembro de 2021, entre as 16h 41m e as 16h e 58m, cujo depoimento ficou gravado e identificado no Ficheiro nº 20211209164045), funcionária bancária do Banco ---, foi claro, ao afirmar, por três vezes (aos 0.12.30, 0.14.10 e aos 0.15.25, respectivamente): “Não estou recordada que tenha havido” explicação sobre o conteúdo da cláusula 9ª, nº 1 - e).
7ª- As Declarações de parte do legal representante da Autora, AP, prestadas na sessão de 17 de Janeiro de 2022, entre as 10h 45m e as 11h e 44m, cujo depoimento ficou gravado e identificado no Ficheiro nº 20220117104225, confirmaram o que anteriormente tinha sido afirmado pelas duas testemunhas indicadas pela Ré, no sentido de não lhe terem comunicado e explicado o conteúdo das cláusulas contratuais gerais, em especial da cláusula 9ª supra referida.
8ª- Os factos das alíneas “j” e “l” dos Factos Provados deveriam ser dados como não provados.
9ª- Por seu turno, o facto nº 5 dos Factos não Provados, deveria ter sido dado como provado.
10ª- O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva das cláusulas cabe ao predisponente das cláusulas;
11ª- No caso concreto, cabia à Ré Companhia de Seguros, ora Recorrida, ter feito a prova da comunicação adequada ao legal representante da Autora da Cláusula 9ª, nº 1-e) das Condições Gerais sobre a exclusão da apólice radicada em “vício próprio e/ou efeitos de envelhecimento”.
12ª- Não tendo a Ré provado que explicou/comunicou ao legal representante da Autora o teor das cláusulas contratuais gerais, designadamente a atinente à definição de “vício próprio e/ou efeitos de envelhecimento” perante a dúvida sobre a comunicação/explicação do teor das cláusulas contratuais gerais – cujo ónus incumbia sobre a ré – há que, nos termos do Artigo 414º do Código de Processo Civil, considerar que não ocorreu tal comunicação/explicação das cláusulas contratuais gerais.
13ª - A cláusula em apreço, invocada pela Ré, ora recorrida, deverá ser declarada excluída do contrato e, como tal, inexistente– ex vi Artº 8º do Dec. Lei nº 446/85, de 25/10.
14ª- Por essa via, deve a Ré Companhia de Seguros, ora Recorrida, ser condenada no pagamento à Recorrente da quantia de 29.754,28€ apurada com os custos da reparação da embarcação, constante da alínea fff) dos Factos Provados.
15ª- A douta sentença recorrida violou, por erro de apreciação da prova, entre outros preceitos, o disposto nos Art.ºs 414, 607, nºs 4 e 5 do CPC, Art.º 227 do CC, Art.º 18 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como o previsto nos Arts 5º, 6º e 8º do Dec. Lei nº446/85, de 25/10, devendo ser revogada.
A apresentou Contra-Alegações, nas quais concluiu que:
I – A A. Recorrente defende que o Tribunal a quo efectuou uma determinação correcta do direito aplicável, mas que não levou em consideração o mesmo no apuramento dos factos e na prolação da decisão concreta,
II – Alegando que o Tribunal teria introduzido “uma nova metodologia na contratação específica de seguros, em que o segurador se consideraria desobrigado de informar e
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT