Acórdão nº 15/23.0T8VNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12-10-2023

Data de Julgamento12 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão15/23.0T8VNC.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:

Em 8 de julho de 2023 foi prolatada sentença com o seguinte dispositivo:
DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se a presente ação procedente, por provada, e consequentemente:
1 - Determina-se a aplicação a AA, das seguintes medidas de acompanhamento:
a. Representação geral.
b. Administração total de bens.
c. Impedimento de exercício de direitos pessoais, designadamente, os seguintes atos de caráter pessoal:
i. Constituir ou dissolver casamento e/ou união de facto, procriar, perfilhar, adotar, cuidar e educar os filhos ou os adotados;
ii. Deslocar-se no país e no estrangeiro;
iii. Fixar domicílio e residência;
iv. Outorgar procuração;
v. Ser tutor, vogal do conselho de família e administrador de bens de incapazes (cfr. arts. 1933.º, n.º 2, 1953.º, n.º 1 e 1970.º, todos do CC);
vi. Testar (cfr. art. 2189.º, alínea b) do CC);
vii. Desempenhar, por si, as funções de cabeça-de-casal (cfr. art. 2082.º do CC). 2 - Fixa-se em 2.12.20222 a data a partir da qual medida decretada se tornou conveniente.
3 - Nomeia-se acompanhante da beneficiária seu filho BB
4 – Nomear para o conselho de família, CC, (filho da beneficiária) e DD (esposa do Requerente) - cfr. art. 900.º, n.º 2 do CPC.
5 – Estabelece-se o prazo de cinco anos para a revisão da medida de acompanhamento (art. 155.º do CC).
6 – Determina-se que a publicidade da presente decisão se cinja à afixação de editais na porta deste Tribunal, devendo a decisão ser igualmente comunicada ao Registo Civil para efeitos de averbamento.
Sem custas, por delas estar isenta a beneficiária, de acordo com o previsto no art. 4.º, n.º 1, alínea l) do Regulamento das Custas Processuais.
Fixa-se o valor da ação em 30.000,01€ - arts. 303.º, n.º 1 e 306.º, n.º 2, ambos do CPC.
Registe e Notifique.

Inconformado com a decisão, o Ministério Público apelou, formulando as seguintes conclusões:

1. O Recorrente não se conforma com a sentença proferida nestes autos que decidiu julgar a ação procedente e em consequência determinar a aplicação a AA das medidas de acompanhamento de representação geral, administração total de bens e impedimento do exercício dos direitos pessoais aí elencados, com as consequências aí determinadas.
2. Considerando os factos provados números 5, 8, 9 e 11, os princípios da necessidade (artigo 145.º, n.º1, do Código Civil) e da subsidiariedade (cfr. artigo 140.º, n.º 2, do Código Civil), o espírito da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (nomeadamente os princípios constantes do seu artigo 3.º) e o espírito do instituto do acompanhamento de maior, entendemos desnecessária a aplicação de qualquer medida de acompanhamento à requerida.
3. Por outro lado, não pode ser aplicada uma medida desta natureza (limitadora dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos) com base em hipotéticas e futuras necessidades da requerida, uma vez que tal violará os princípios da necessidade e proporcionalidade previstos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
4. Ao aplicar-se a um cidadão que apresente limitações físicas e/ou psíquicas medidas da natureza das que foram aplicadas na sentença recorrida, quando, no momento em que se analisa a possibilidade de lhe limitar os seus direitos, aquele não necessita de nenhum cuidado adicional aos que já lhe são prestados, não existindo a necessidade de prática de nenhum ato burocrático em seu nome para o qual esteja prevista a necessidade de nomeação de representante legal, viola-se frontalmente os princípios da necessidade e subsidiariedade, que são basilares deste instituto (e previstos nos artigos 140.º, n.º2 e 145.º, n.º 1, ambos do Código Civil).
5. Se os deveres gerais de cooperação e assistência acautelam todas as necessidades reais e concretas que a requerida apresenta neste momento não se justifica, nem é necessária, a aplicação de qualquer medida de acompanhamento.
6. Não se pode aplicar medidas desta natureza (limitadoras dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos) com o objetivo de acautelar um futuro casamento da requerida, uma hipotética vontade de querer doar parte do seu património a um terceiro ou a circunstância de poder ser interessada num hipotético e futuro processo de inventário.
7. Pois, de facto, nada resulta da matéria dada como provada que tal seja necessário ou até previsivelmente necessário na vida da Requerida, pelo que não se pode aplicar este tipo de medidas tendo por base situações hipotéticas, futuras e que se desconhecem se alguma vez ocorrerão e que nenhum suporte encontram nos factos dados como provados.
8. Razão pela qual deve ser concedido provimento ao presente Recurso, sendo revogada a decisão recorrida e substituída por outra que declare a improcedência da presente ação por desnecessidade de aplicação de qualquer medida de acompanhamento à requerida (cfr. artigos 140.º, n.º2 e 145.º,n.º1, ambos do Código Civil).
9. Desta forma, com a decisão constante da sentença recorrida, foram violadas as normas jurídicas constantes dos artigos 140.º, n.º2 e 145.º, n.º1, ambos do Código Civil e do artigo 18.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa, as quais impõem ao Tribunal a quo a não aplicação de qualquer medida de acompanhamento à requerida.
Nestes termos, e nos que V. Ex.as muito doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente Recurso, sendo revogada a decisão recorrida e substituída por outra que declare a improcedência da presente ação por desnecessidade de aplicação de qualquer medida de acompanhamento à requerida.
Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção do decidido.
Os autos foram aos vistos das excelentíssimas adjuntas.
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II – Questões a decidir:

Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são, assim, apurar da necessidade de decretamento de medida de acompanhamento a favor da beneficiária, designadamente apurando se se mostram observados os requisitos da necessidade e da subsidiariedade.
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III – Fundamentação:

A. Fundamentos de facto:
1. A Requerida nasceu em .../.../1936, tendo 87 anos de idade e sendo viúva, vivendo só.
2. O Requerente BB é filho da Beneficiária.
3. Foi-lhe diagnosticado, em 02.12.2022, a Demência de Alzheimer, no estado moderado a grave, com carácter permanente e irreversível e grave défice de memória a curto prazo.
4. Tem episódios recorrentes de...

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