Acórdão nº 1499/20.4T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-05-30

Ano2023
Número Acordão1499/20.4T8PVZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 1499/20.4T8PVZ-B.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA, residente na Rua ..., ..., 2.º Direito, da freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, intentou a presente acção comum contra Condomínio do Edifício ..., sito na Avenida ..., ..., e na Rua ..., ..., na freguesia ..., do concelho da Póvoa de Varzim, aqui representado pela sua administradora A..., Lda., com sede na Avenida ..., ..., da freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, pedindo a condenação deste:
(i) no pagamento/devolução àquela da quantia de 521,39 €, a título de quantias indevidamente pagas pela autora em decorrência da indevida imputação a esta de despesas com bens e serviços de que a fracção da mesma não pôde, nem pode beneficiar, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento;
(ii) a reconhecer que a fracção da autora não beneficia de serviços relacionados com portaria e vigilância e, por via disso;
a. no pagamento/devolução àquela da quantia de 1.575,31 €, que indevidamente imputou e cobrou à autora a título de comparticipação da fracção desta nos custos com serviços de portaria, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b. a abster-se de imputar, cobrar, demandar e reclamar da fracção da autora, seja de que forma for, qualquer valor a título de serviço de portaria, inclusive no que respeita ao ano de 2020, ainda em curso, e anos vindouros;
(iii) a reconhecer que a comparticipação da fracção da autora para o fundo comum de reserva corresponde, no máximo, a 10% (dez por cento) do montante da quota anual correspondente à fracção da autora nas despesas ordinárias do condomínio, ou seja, corresponde, no máximo, a 10% (dez por cento) dos custos ordinários do condomínio respeitantes à fracção da autora, atenta a respetiva permilagem, e por via disso;
a. no pagamento/devolução àquela da quantia de 237,11 €, correspondente à comparticipação indevidamente imputada e recebida da fracção da autora a título de fundo comum de reserva, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b. a abster-se de imputar, cobrar, demandar e reclamar da fração da autora, seja de que forma for, qualquer valor a título de fundo comum de reserva, inclusive no que respeita ao ano de 2020, ainda em curso, e anos seguintes, que exceda o sobredito valor de 10% (dez por cento) dos custos ordinários do condomínio.
Alegou, para tanto e em síntese, que a sua fracção se destina exclusivamente a comércio e serviços, possuindo determinadas caraterísticas próprias, razão pela qual não usufrui de vários serviços/bens inerentes às partes comuns do edifício, que identifica e que lhe foram cobrados entre os anos de 2010 e 2016. Refere ainda que, após reunião com a administração do condomínio e a partir do ano de 2017, esta deixou de lhe imputar as despesas com os referidos serviços/bens.
Quanto aos serviços de portaria, alega que as concretas atividades/serviços prestados nesse âmbito correspondem a serviços de que a sua fracção não beneficia, nunca usufruiu, nem poderia usufruir, requerendo a devolução das quantias indevidamente pagas entre os anos de 2010 e 2019 ou, subsidiariamente, tal despesa ser reduzida ao valor correspondente às concretas atividades/tarefas de que a fracção da autora poderia beneficiar.
Em relação ao fundo comum de reserva, alega que a assembleia de condóminos fixou em 10% (dez por cento) a contribuição de cada fracção para aquele. Contudo, a administração do condomínio tem cobrado valores superiores à percentagem fixada entre os anos de 2010 e 2019.
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Regularmente citado, o réu apresentou contestação e pugnou pela improcedência da ação, alegando que, em relação às prestações vencidas, os montantes imputados e cobrados à autora foram aprovados em assembleia de condóminos, não tendo a mesma requerido a anulação das respetivas deliberações.
Alegou ainda, no que concerne aos serviços de portaria, que a fração da autora beneficiou e beneficia dos referidos serviços, invocando ainda que as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum constituem encargos dos condóminos.
Em relação ao fundo comum de reserva, alega que a contribuição para o mesmo não tem limite máximo fixado por lei, tendo a administração do condomínio distribuído e imputado aos condóminos, em função da permilagem, o montante anual para o fundo comum de reserva aprovado na assembleia de condóminos.
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Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio, enunciados os temas de prova, admitidos os meios de prova e designada data para realização da audiência de discussão e julgamento, que veio a ter lugar e na sequência da qual foi proferida sentença que termina com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declaro oficiosamente a nulidade das deliberações do Condomínio que aprovaram os orçamentos de 2010 a 2020, restrita ao modo de repartição das contribuições dos condóminos para o Fundo Comum de Reserva;
b) Condeno o Réu Condomínio do Edifício ... na obrigação de restituição à Autora AA da quantia global de 190,04 EUR (cento e noventa euros e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal para obrigações meramente civis, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
c) Absolvo o Réu do demais peticionado.
Condeno a Autora e o Réu no pagamento das custas da ação, na proporção dos respetivos decaimentos.
Notifique e registe.»
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Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação desta sentença, formulando as seguintes conclusões:
«I – Salvaguardado o devido respeito pelo entendimento nela vertido, não pode o ora Recorrente conformar-se com a douta sentença recorrida, na parte em que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou oficiosamente “a nulidade das deliberações do Condomínio que aprovaram os orçamentos de 2010 a 2020, restrita ao modo de repartição das contribuições dos condóminos para o Fundo Comum de Reserva”, e condenou o aqui Recorrente “na obrigação de restituição à Autora AA da quantia global de 190,04 EUR”.
II – Importa, por outro lado, notar que, pese embora o exemplar labor do M.mo Juiz a quo na decisão da matéria de facto, afigura-se, contudo, ao ora Recorrente que um concreto segmento do probatório demanda decisão diversa.
A) DA MATÉRIA DE FACTO
III – Entende, de facto, o ora Recorrente que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provada a factualidade vertida no ponto 9.e. da factualidade provada, ou seja, que a fracção autónoma da Autora “possui ligação direta à rede de infraestruturas públicas, quer de energia elétrica, quer de abastecimento de água”.
IV – Conforme expressamente consta da motivação da decisão de facto, para julgar provado o facto em crise, “o Tribunal atendeu às declarações de Parte da Autora.
V – Sucede que, em primeiro lugar, a prova da factualidade em causa implicaria necessariamente a junção dos projectos das especialidades de água e electricidade do edifício e a produção de prova complementar pericial, ou no mínimo testemunhal por técnico habilitado, que atestasse o que se encontra efectivamente executado no edifício dos autos, em termos de rede eléctrica e de rede de água.
VI – Em qualquer caso, afigura-se que das declarações de parte da Autora não resulta demonstrada a factualidade em crise.
VII – Assim, o tribunal recorrido, ao julgar provado o mencionado facto constante do ponto 9.e. do elenco da matéria de facto provada, incorreu em manifesto erro na apreciação da prova, devendo o apontado facto ser julgado não provado.
A) DO DIREITO
VIII – A posição de condómino confere direitos e obrigações, assentando na dicotomia existente entre o direito de usufruir das partes comuns do edifício e a obrigação de contribuir para as despesas de conservação dessas partes comuns.
IX – A dado momento, com o expresso objectivo de, além do mais, “procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal”, o Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, veio estabelecer que “é obrigatória a constituição, em cada condomínio, de um fundo comum de reserva para custear as despesas de conservação do edifício” (artigo 4º, n.º 1, do referido diploma legal).
X – Em face do cristalino teor do mencionado n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 268/94, nenhuma dúvida resta quanto ao específico fim do referido fundo comum de reserva – conforme doutamente salientado na sentença recorrida, o mesmo está “destinado especificamente a custear as despesas de conservação do Edifício ou conjunto de Edifícios”.
XI – E assim sendo, nenhuma dúvida pode restar quanto ao critério legal da repartição da contribuição dos condóminos para o fundo em referência – conforme expressamente previsto no referido n.º 1 do artigo 1424º do Código Civil, “em proporção do valor das suas fracções”.
XII – Nos termos do disposto do referido n.º 1 do artigo 1424º, as despesas relativas às obras de conservação do edifício que se mostre necessário realizar terão sempre de ser pagas por todos os condóminos na proporção do valor das suas fracções: seja antecipadamente, através da contribuição para o fundo comum de reserva; seja aquando da execução das obras, na hipótese de os montantes existentes no fundo comum de reserva se virem a revelar insuficientes.
XIII – A entender-se, como entendeu o M.mo Juiz a quo, que a contribuição para o fundo comum de reserva seria necessariamente proporcional à contribuição para as restantes despesas do condomínio, um condómino que não tivesse de comparticipar em quaisquer despesas correntes do condomínio nenhum valor teria de pagar a título de contribuição para o fundo comum de reserva – 10% de zero sempre seria zero, ou melhor, qualquer percentagem de
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