Acórdão nº 14902/22.0T8PRT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-01-11

Ano2024
Número Acordão14902/22.0T8PRT.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Processo n.º 14902/22.0T8PRT.E1

Autora: (…), Unipessoal, Lda.

Ré: (…) – Produtos Naturais, Lda.

Pedido: Prestação de contas à autora, sob a forma de conta corrente, com entrega dos mapas de vendas em falta e de cópia das facturas contabilísticas e balancete referentes à comercialização dos produtos vendidos com a designação “(…)” até à data de hoje, nos termos do n.º 3 do artigo 944.º do CPC.

Sentença: Considerando que, do contrato celebrado entre autora e ré, não resultou uma situação de administração de bens pertencentes à primeira por parte da segunda, julgou a acção improcedente.


*


A autora interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. A acção de prestação de contas é uma acção especial tendo uma tramitação processual própria definida pelos artigos 941.º a 952.º do CPC.

2. A primeira fase processual da acção de prestação de contas, consiste na citação do réu para apresentar as contas ou contestar a obrigação de prestar contas – artigo 942.º do CPC.

3. Na falta de oposição quanto à referida obrigação, existem duas hipóteses: o réu apresenta contas e se o autor eventualmente contestar o juiz (artigo 945.º do CPC); ou o réu não apresentar contas, sujeita-se à apresentação de contas por parte do autor, tendo juiz de julgar de acordo com o seu prudente arbítrio (artigo 943.º do CPC).

4. Desta feita, não bastará o réu apresentar um articulado designado por “contestação” para se considerar que o mesmo contesta a obrigação de prestação de contas, havendo de ser apreciado todo o articulado, pois, compulsada a contestação apresentada, o recorrido limita-se essencialmente a impugnar documentos, a alegar que não decorre do contrato uma obrigação de fornecer relatórios e mapas de venda completos e precisos, bem como as faturas contabilísticas, que a “a autora faz confusão entre o que é preço de venda a retalho e preço de venda ao público”, que “é falso que após a cessação do contrato a ré continue a disponibilizar produtos com tais referências a retalhistas” e “é igualmente falso que a ré não tenha querido pagar à autora, pois apresentou-lhe um valor a facturar, que a autora nem resposta deu” (artigos 21.º a 29.º da contestação).

5. A recorrida prestou contas entre os períodos de julho de 2018 a junho de 2020 e julho de 2020 a fevereiro de 2022, alegando, no entanto, que já tinha cumprido com aquela obrigação: no primeiro período através da apresentação mensal de vendas (artigo 2.º do requerimento de 17-03-2023 e documentos juntos n.ºs 1 a 19), e, no segundo período através carta registada (artigo 5.º do requerimento de 17-03-2023 e documento n.º 20), além disso, apresentou agora em juízo a conta corrente relativamente a julho de 2020 e fevereiro de 2022 (documento n.º 21), alegando ainda que, quanto às datas entre setembro de 2018 e junho de 2020, “à data as contas foram prestadas e aceites pela autora” e que “as contas prestadas, do período temporal 01/07/2020 e 04/02/2022 se encontram prestadas” (artigos 10.º e 11.º do requerimento de 17-03-2023).

6. É inequívoco que a recorrida não contestou a obrigação de prestar contas, tendo até assumido que cumpriu com aquela obrigação extrajudicialmente, pelo que a Mmª Juiz não poderia ter apreciado sobre a existência daquele dever.

7. Os termos a seguir nos presentes autos, deveriam ter sido os descritos nos artigos 944.º e 945.º do CPC, com a notificação da autora para contestar as contas apresentadas (artigo 945.º, n.º 1, do CPC) e não os termos do artigo 942.º, n.º 3 e 4, do CPC, conforme ocorreu.

8. A decisão sob censura encontra-se ferida pelo vício da nulidade por excesso de pronúncia, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC – a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

9. O artigo 608.º, n.º 2, do CPC, estipula que, “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

10. Por isso, estamos perante a nulidade da decisão por excesso de pronúncia, contemplada na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ocorre quando o tribunal se pronuncia sobre questões jurídicas de que não poderia legalmente conhecer, o que sucedeu no presente caso e se invoca para todos os efeitos.

11. A apreciação rigorosa dos meios probatórios é inquestionavelmente a função primordial de qualquer juiz, tanto daquele que na primeira instância preside à audiência e que decide da prova quanto à matéria de facto, como daquele que, em instância de recurso, tem por missão a reapreciação de tal decisão, depois de reponderados os meios de prova.

12. O tribunal, ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que, através das regras da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que …), de modo a possibilitar a reapreciação da respetiva decisão da matéria de facto pelo tribunal de 2.ª instância.

13. Cabe ao juiz do processo tomar em consideração “os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda da matéria de facto adquirida e extraindo dos atos apurados as presunções impostas pela lei ou regras de experiência” (artigo 607.º, n.º 4, in fine, do CPC).

14. A ré estava obrigada à prestação de contas, quer pela natureza da relação contratual que estabeleceu com a autora, concretamente tendo em conta a forma de remuneração pelo uso da imagem da Dra. (…).” – artigo 22.º da petição inicial, pelo que, encontrando-se a ré, ilicitamente, a explorar os direitos de utilização de imagem de que a autora é titular, torna-se evidente que deve prestar contas, apresentando comprovativos idóneos, quanto ao volume de vendas” – artigo 27.º da petição inicial.

15. O objecto do contrato, encontra-se perfeitamente definido, pois, a autora assumiu a obrigação de ceder o uso e gestão da sua imagem e marca “(…)” para comércio de produtos alimentares, contra o direito a receber uma percentagem das vendas dos produtos com a representação daqueles bens dos quais era titular.

16. A recorrida nunca impugnou tais factos cumprindo com o ónus que lhe impendia segundo o artigo 574.º, n.º 1, do CPC – “Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor”.

17. A recorrida tinha interesse em usar a marca e imagem da recorrente para promover os seus produtos, atendendo à sua notoriedade no mercado, o que conseguiu com a venda dos produtos associados àqueles elementos, e a autora tinha interesse em divulgar o seu trabalho e promover a sua imagem como nutricionista, e, por isso, dúvidas não existem que o contrato celebrado entre as partes, implicava as seguintes obrigações: autorizar a recorrida para usar e gerir a imagem e marca da recorrente nas embalagens dos seus produtos e pagar uma comissão de 7% sobre o preço da venda a retalho.

18. A falta de impugnação, leva à prova plena dos factos (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-10-2019, Processo: 617/14.6YIPRT.L1.S1), pelo que, tendo em conta a prova por confissão e a prova documental apresentada (documento n.º 1 junto com a petição inicial) que andou mal o tribunal a quo, impondo-se o aditamento aos factos provados do seguinte enunciado:

“Nos termos do contrato celebrado a 10.07.2018, com a autorização da autora, a ré passou a usar e gerir a imagem e marca da autora no âmbito do comércio alimentar de produtos saudáveis e dietéticos.”

19. Quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses. Assim, vezes há em que a obrigação de prestar contas decorre directamente da lei, mas não é forçoso que assim seja: a referida obrigação pode derivar de negócio jurídico ou mesmo do princípio geral da boa-fé.”

20. A decisão sob recurso partiu de uma das hipóteses a considerar a existência da obrigação de prestação de contas, recorrente aos ensinamentos da doutrina – “quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses” (Alberto Reis, in Processos especiais, vol. I, pág. 303) – a verdade é que ignorou parte do conceito que admite administração de “interesses” de outrem e não apenas bens ou coisas em sentido formal.

21. É indiscutível que a obrigação tem lugar todas as vezes que alguém trate no geral de negócios alheios ou de negócios, ao mesmo tempo, alheios e próprios (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/05/1990, in CJ, III, págs. 125 a 127) e Acórdãos do STJ de 28-1-75, publicado no BMJ n.º 243, pág. 265, e de 1-7-2003 ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 03A1913).

22. O tribunal a quo assumiu que, pode decorrer do princípio da boa fé:

“A obrigação de prestar contas é uma obrigação de informação. Esta existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (artigo 573.º do CC)” – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-01-2006, Processo: 10895/2005-6 e, no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-02-2019, Processo: 309/15.9T8FND.C1.

23. Segundo a melhor doutrina e jurisprudência, a prestação de contas é uma das formas de exercício do direito à informação, afirmando-se, designadamente que a obrigação de...

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