Acórdão nº 14811/22.2T8SNT-A.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-09-13

Ano2023
Número Acordão14811/22.2T8SNT-A.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
Nos autos de acção declarativa, com processo comum, em que é Autora AAA e Ré OUTSPORT, LDA., foi proferida decisão singular, pretendendo a Ré que sobre ela recaia acórdão.
Alega, em conclusão, que
1 - A Reclamante não aceita, discordando totalmente, da decisão sumária de fls.___, que antecede a presente.
2 - Tal decisão sumária rejeitou o recurso que incidiu quanto ao despacho saneador, proferido pelo Tribunal de primeira instância, de indeferimento parcial do requerimento probatório de fls.___, não admitindo a requerida prova pericial e por inspecção judicial.
3 - A Reclamante pretende sujeitar à conferência o recurso que improcedeu nos termos constantes na decisão sumária que ora se impugna, de molde a que recaia um acórdão sobre o recurso apresentado.
4 - A prova pericial requerida pela Ré não assume qualquer carácter dilatório, visando demonstrar a existência de um contrato de prestação de serviços.
5 - Com esta prova pretende-se uma apreciação ou juízo valorativo sobre os factos passados, para tanto exigindo-se conhecimentos especiais de um técnico de informática.
6 - Acresce que, para a demonstração dos factos vertidos nos artigos 20º a 22º, 33º, 41º 53º a 55º, 64º, 69º a 71º, 73º, 76º a 78º, 84º e 85º, da contestação, exigem-se conhecimentos especiais para retirar a informação pretendida de um objecto (computador) que, passados todos estes anos, provavelmente não estará facilmente captável, sendo antes necessário efectuar um conjunto de operações de cariz técnico, tal qual o recurso ao seu disco rígido, para que seja possível obter tal documentação ou informação.
7 - Nem o Tribunal nem as testemunhas conseguem, de forma precisa, retirar de um computador o conteúdo nele contido, pois que excede os critérios de experiência e conhecimento comum.
8 - A análise do computador e do seu disco rígido constituiu uma verdadeira perícia, porquanto a perceção e/ou apreciação do conteúdo da informação depositada nos mesmos só é alcançável por quem detém especiais conhecimentos técnicos e científicos na área informática, razão pela qual o Tribunal deve socorrer-se desse meio de prova, o qual é, nesta parte, preferencial em relação aos demais meios probatórios apresentados.
9 - A essencialidade e relevância da perícia demonstra-se quando, através da mesma, existe o propósito de apurar factos que não é possível obter de outra forma.
10 - Além do mais, pretende-se estabelecer o nexo causal entre a actividade da Autora e o contrato de prestação de serviços celebrado, em oposição ao contrato de trabalho invocado na petição inicial.
11 - A segunda parte do artigo 33.º da contestação não inculca qualquer matéria conclusiva e o artigo 44º do mesmo articulado, ainda que conclusivo, decorre dos demais factos essenciais alegados e, por isso, é instrumental e sujeito a devida comprovação.
12 - Dos quesitos constantes das alíneas d), e), f), g) e h), do requerimento probatório, resulta expressamente que tal prova deve obrigatoriamente incidir sobre o computador.
13 - Para determinação do suposto exercício da actividade laboral através de um instrumento de trabalho (cfr. artigos 37º, 65º, 68º e 73º, todos da p.i.), sempre será relevante e determinante saber em que medida e sentido o mesmo foi usado em prol dessa atividade. E sendo esse alegado instrumento um meio informático (computador), as questões que urgem apurar sempre necessitam, para serem cabalmente esclarecidas, de conhecimentos especiais, que desencadeiem juízos valorativos distinto da realidade (total ou parcial) que tenha sido presenciada pelas testemunhas.
14 - Sendo que o email da Autora está, ou deverá estar, nesse computador. Só caso tal não se verifique, então haverá então que ampliar o objecto da perícia ou aperfeiçoar o requerimento probatório.
15 - A Ré discriminou os factos que deveriam ser objecto de prova pericial, tendo indicado os quesitos a responder.
16 - Cabe ao Tribunal definir o objecto da perícia e os quesitos a responder, em face do requerido e sem prejuízo de previamente dever obter os esclarecimentos necessários para o efeito.
17 - A prova por inspecção não pode ser indeferida com base em depoimentos de testemunhas que vierem a ser prestados.
18 - Que, necessariamente, teria sempre de ser posterior à produção dos respectivos depoimentos.
19 - Ao Tribunal incumbia o aperfeiçoamento ou sanação dos quesitos indicados pela Ré quanto à prova por inspecção judicial, sendo certo que foram indicados precisamente os quesitos a responder.
20 - Sem prejuízo de caber ao tribunal definir o objecto e amplitude das questões.
21 - A decisão judicial reclamada viola, desta forma, o disposto nos artigos 6º, 7º, nº 1, 410º, 411º, 413º, 467º e seguintes, 475º, 476º, 483º, nºs 1 e 3, 490º, e 607º, nºs 3 a 5, todos do C.P.C., e os artigos 341º, 342º, 388º, 389º, 390º, e 391º, todos do Código Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que admita a requerida prova pericial e por inspecção judicial, com as legais consequências.
Termos em que, Deverá ter provimento a presente Reclamação, revogando-se a decisão sumária de fls.___, a fim de se fazer a TÃO COSTUMADA JUSTIÇA.”
***
Os Autores, notificados, não exerceram o contraditório.
***
A Autora peticiona, nos presentes autos, a condenação da Ré a
“a) ser reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a R. e a trabalhadora A., fixando-se a data do seu início em 2 de dezembro de 2019 e término a 13 de setembro de 2021 e respectivos efeitos legais daí decorrentes;
Consequentemente,
b) ser a R. condenada ao pagamento à A. do valor integral da remuneração base e isenção de horário de trabalho referente aos meses de abril de 2020 a agosto de 2020, inclusive, e de janeiro a março de 2021;
c) ser reconhecido o direito à A. ao pagamento pela R. dos seguintes montantes:
/'. de €43.428,74 (quarenta e três mil quatrocentos e vinte e oito euros e setenta e quatro cêntimos), referentes a remuneração base, isenção de horário de trabalho, ajudas de custo, prémios/comissões, férias não gozadas (de 2019), subsídio de férias e subsídio de Natal referente ao período de 2 de dezembro de 2019 a 13 de setembro de 2021;
ii. de €4.892,62 (quatro mil oitocentos e noventa e dois euros e sessenta e dois cêntimos), a título de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho (proporcional de subsídio de férias, retribuição de férias, férias não gozadas e proporcional de subsídio de Natal) e
iii. €512,98 (quinhentos e doze euros e noventa e oito cêntimos), a título de créditos de formação referentes ao período de 2 de dezembro de 2019 a 13 de setembro de 2021);
d) Ser a R. condenada ao pagamento à A. do montante ilíquido de €25.084,34 (vinte cinco mil e oitenta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos), a que corresponde a diferença entre o crédito da A. no montante total ilíquido de €48.834,34 e o pagamento feito pela R., na quantia de €23.750,00, valor a que acrescerão juros de mora, à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos, desde a data do seu vencimento até ao seu integral e efetivo pagamento, cuja imputação deverá ser feita nos termos do disposto no art. 785.g do Código Civil. "
***
A Ré contestou, concluindo pela improcedência da acção.
* * *
Na contestação formulou os seguintes requerimentos probatórios "VI - Prova Pericial: - Nos termos dos artigos 467º e seguintes do C.P.C., requer-se que seja ordenada a realização de uma perícia ao computador portátil da Autora, fixando-se como objecto, ao abrigo do artigo 475º do C.P.C., os factos vertidos nos artigos 20º a 22º, 33º, 41º, 53º a 55º, 64º, 65º a 71º, 73º, 76º a 78º, 84º e 85º, todos do presente articulado, especificando-se adicionalmente como quesitos a responder, sem prejuízo de outros que o Tribunal entenda convenientes e pertinentes, os seguintes:
a) Por conta e em nome da Ré, quantos emails é que a Autora enviou para terceiras entidades?
b) Em que datas e horas foram enviados esses emails?
c) Qual o período médio estimado de elaboração e envio desses emails?
d) Em quantas ocasiões, indicando-se dias e horas (de início e fim), o computador da Autora esteve ligado à Internet da sua habitação?
e) Em quantas ocasiões, indicando-se dias e horas (de início e fim), o computador da Autora esteve ligado à internet da Ré?
f) Em quantas ocasiões, indicando-se dias e horas (de início e fim), o computador da Autora esteve ligado ao servidor da Ré?
g) O computador e email apenas foi utilizado para actividade da Ré, ou contem igualmente outra actividade profissional?
h) Existe alguma assinatura electrónica e/ou digital da Autora? Para o efeito, ao abrigo do disposto nos artigos 467º e 468º, nº 1, ambos do C.P.C., requer que a perícia seja singular, para tanto devendo ser indicado perito que conste da lista oficial dos Tribunais.
Mais se requer, nos termos e para os efeitos dos artigos 411º, 416º, 417º e 480º, todos do C.P.C., que o Tribunal ordene que a Autora efectue a entrega, no Tribunal, do seu computador portátil da marca "Asus".
VII - Prova Por Inspecção Judicial:
Nos termos dos artigos 490º e seguintes do C.P.C., para prova dos artigos llº a 183º, do presente articulado de contestação, e para contraprova dos artigos lº a 92º da petição inicial, requer-se que seja ordenada uma inspecção, com reconstituição de factos, ao computador portátil da Autora, designadamente quanto às alíneas a) a h) do ponto VI antecedente, sem prejuízo de outros pontos que o Tribunal entenda convenientes e pertinentes.
Mais se requer, nos termos e para os efeitos dos artigos 411º, 416º e 417º, todos do C.P.C., que o Tribunal ordene que a Autora efectue a entrega, no Tribunal, do seu computador portátil da marca "Asus".
* * *
Foi proferido o seguinte despacho
"Da prova pericial e da prova por inspeção judicial
Estando em causa a caracterização do contrato
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT