Acórdão nº 1477/14.2T8VCT-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-06-30
Ano | 2022 |
Número Acordão | 1477/14.2T8VCT-D.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I – Relatório
O Magistrado do Ministério Público, em nome do Estado-Administração, veio deduzir oposição à penhora efectuada em 10.11.2021, referente a depósitos bancários existentes na Caixa …, nos termos do artº 784º nº 1 al. a) e c) e 732º do Cód. Proc. Civil na parte aplicável, invocando, para o efeito, e em suma, que o acto de transmissão da embarcação X para o Estado em sede de processo crime, por ter sido declarada perdida, é posterior à hipoteca, bem como à instauração da execução, pelo que não podem ser penhorados outros bens do Estado, uma vez que não é devedor (nem devedor subsidiário, já que o exequente não desfruta de título executivo contra ele), nem fiador, mas apenas o adquirente do bem dado em garantia pelo devedor ao exequente, a qual caduca com a venda executiva (o que pressupõe a penhora da embarcação), por força do art. 824.º, n.º 2 e 3, do Código Civil.--
Termina peticionando que a oposição seja julgada procedente, por provada, com a consequentemente extinção e levantamento da penhora.---
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O Exequente apresentou contestação, pugnando pela improcedência da pretensão formulada pelo Oponente.---*
Após, foi proferida decisão que julgou a oposição à execução totalmente procedente, determinando, em consequência, o levantamento da penhora incidente sobre os saldos bancários, titulados pela Autoridade Tributária e Aduaneira na Caixa ..., S. A., atinente ao depósito à ordem, no valor de € 236.491,77, na conta nº ..................00, depósito à ordem, no valor de € 45.699,34, na conta nº ..................00, depósito à ordem, no valor de € 68.399,76, na conta nº ..................00, e depósito à ordem, no valor de € 5.366,45, na conta nº ..................00.---*
II- Objecto do recursoNão se conformando com a decisão proferida, veio o exequente interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:
1. Inconformado com a decisão do Tribunal “A Quo”, vem o ora Apelante da douta sentença interpor recurso, para o Tribunal da Relação de Guimarães, a processar como de Apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito devolutivo.
2. Na verdade, o Apelante entende, salvo melhor opinião, que a decisão deveria ser precisamente a contrária, ou seja deverá antes a douta sentença ser revogada e julgar-se totalmente improcedente o incidente de Oposição à Penhora, devendo prosseguir as diligências executivas nos seus precisos termos, mantendo-se a penhora sobre os saldos bancários.
3. Sucede que faz a decisão do Tribunal “a quo”, uma erradainterpretação do direito.
4. É insofismável, no caso concreto, que a penhora pode e deve ir além da garantia resultante da hipoteca da embarcação X, devendo estender-se às contas bancárias do Estado.
5. Conforme resulta dos autos, foi a Execução requerida contra a sociedade Y, sendo o Estado chamado aos autos por incidente de Habilitação de Cessionário, na decorrência da decisão de perdimento da embarcação hipotecada a favor do Estado.
6. Já na fase da venda foi o processo avocado pela Instância Central Criminal da Comarca de Viana do Castelo, através autos 142/14.5JELSB, onde a embarcação viria a ser declarada pedida a favor do estado nos termos do artigo 35.º e ss. do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro- cfr. despacho de 06-10-2017 foi comunicado pelo Processo 142/14.5JELSB aos autos de Execução: “Cumpre-me solicitar a V. Exª se digne mandar remeter aos nossos autos acima identificados certidão do teor de fls. 10 a 15, 24, 33 verso, 34 e 38 a 42 dos vossos autos de Execução Ordinária, bem como do teor de fls. 19 verso a 51 e da sentença de fls. 63 a 65 do apenso. Mais me cumpre informar Vª. Exª. que tendo a embarcação "X" transportado estupefaciente é elevadíssimo o grau de probabilidade da respectiva perda a favor do Estado nos nossos autos.
7. Ao longo do processo tudo tem feito o Apelante para acelerar a tramitação processual, aportando todos os elementos por si recolhidos, cumprindo assim o seu dever de colaboração.
8. Foram os autos e AE sempre informados das diligências em outros processos e remetidas as decisões para os autos – cfr. requerimento de 11.04.2018 mediante o qual o Apelante informou os autos que foi revogada a decisão de apreensão da embarcação a favor doestado, nos autos do processo 142/14.5JELSB-BL.
9. Ora, como resulta à saciedade dos presentes autos, a Embarcação X, onerada com a hipoteca, é insuficiente para garantir o crédito do Exequente, porquanto para além de judicialmente ter sido declarada insuficiência, a mesma insuficiência veio reforçada pela informação prestada pela Autoridade Portuária de Almeria que já declarou o abandono da embarcação, sem que o Estado Português, jamais tenha agido por forma a recuperar a referida embarcação.
10. A inação e incoerência da actuação processual do Estado é flagrante. 11. Como é sabido a aquisição pelo Estado ocorreu nos termos do artigo 35.º e ss. do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, tendo sido determinada por sentença e posteriormente confirmado pelo Acórdão proferido nos autos n.º 142/14.5JELSB-BL.G1, já transitado em julgado.
12. Resulta do citado aresto que ficou o Estado onerado com todos os ónus e encargos mercê do decretamento do perdimento a seu favor, transferindo-se consequentemente a hipoteca para o Estado, passando este a ter esse encargo, tornando-se consequentemente devedor.
13. Enquanto terceiro de boa-fé, o Apelante deve ver garantido o seu crédito, bem como o seu pagamento.
14. Por sentença proferida nos autos do apenso B, que aqui se transcreve para todos e devidos efeitos legais, foi declarado procedente o incidente e consequentemente habilitado Estado Português, passando a assumir a posição de Apelado nos autos principais: “Declara-se procedente o incidente, julgando habilitado como adquirente o Estado Português, para com ele prosseguirem termos os autos.”
15. Sucede que a penhora das contas do Apelado Estado é decorrência da declaração judicial de insuficiência do bem penhorado, para a qual, concorreu com culpa o Apelado.
16. Na verdade, em momento algum e até presente o Apelado pôs em causa a actual insuficiência do bem penhorado e o prosseguimento da execução contra outros bens do Estado, nem demonstrou o seu contrário (artigo 342.º do Código Civil).
17. Assim, reconhecida e sobejamente demonstrada a insuficiência dobem sobre o qual recaia a garantia, a penhora podia e pode prosseguir contra outros bens que nos termos do artigo 735.º, n.º1, estejam sujeitos à execução, sem que se verifique qualquer ilegalidade da mesma, por violação do disposto no artigo 752.º, n.º1 do CPC.
18. Acresce que, o perdimento (aquisição derivada translativa) decorrente da prévia apreensão em sede do processo- crime 142/14.5JELSB, ocorreu em data posterior à instauração da acção executiva, tendo sido arrestado nos termos do artigo 10.º, n.º1, da Lei 5/2002 em finais de 2014, entrando assim na sua posse.
19. Tendo o processo executivo sido avocado pelo processo-crime respectivo em 20-09-2017 Ref Citius 1659179 (suspendendo a venda), em momento algum pode o Apelado afirmar que ignorava que sob a embarcação incidia o direito de crédito do Exequente, cujo Registo é Público e por si organizado.
20. Aliás, é o próprio Estado no seu douto recurso à decisão que revogou a decisão de perdimento a seu favor nos autos 142/14.5JELSB-BL, que reconhecendo o direito do Exequente afirma o seguinte: “Actualmente, o valor de tal “interesse” ou direito do terceiro de boa-fé, ou seja, o requerente do incidente computou-se em cerca de €215.000,00….Tal valor é inferior ao da embarcação, sendo certo que em caso de perdimento da mesma, o interesse do terceiro de boa-fé pode e deve ser assegurado através de consideração pelo direito do mesmo a esse valor”.
21. Malogradamente, vem agora ao Estado, de forma desleal e ao arrepio do que afirmara, tentar furtar-se à sua obrigação, chegando a afirmar no seu último requerimento que o Exequente nada fez para promover a venda.
22. Na verdade é o Estado que nada fez para a salvaguarda da exequibilidade da hipoteca, envolvendo o Apelado numa teia de burocrática de gabinete em gabinete, adiando-se sucessivamente a sua resolução da Execução.
23. Pese embora as reiteradas interpelações, ora nos presentes autos (a exemplo dos despachos de 19/09/2019 e 04/11/2019), ora no processo-crime, o Estado não conservou o bem, nunca o apresentou para que o mesmo fosse vendido, ou tomou posição, tendo-o deixado perecer ao ponto de se tornar insuficiente para cumprimento obrigação creditícia.
24. Ora, tal como qualquer outro sujeito processual, o Estado deve pautar a sua atuação pela boa-fé, cumprindo e salvaguardando as suas obrigações, nos termos do artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil, cooperar na célere e justa composição do litígio nos termos do artigo 7.º do Código de Processo Civil, e não deve colocar-se numa posição que sérios prejuízos ao credor.
25. A verdade é que se impunha ao Estado, que sabendo do paradeiro da embarcação desde a sua apreensão judicial, conhecendo os ónus que sobre ela impendiam e das obrigações daí decorrentes, não ignorando a lei, designadamente o preceituado na Lei 45/2011, de 24 de junho, zelasse pela conservação e recuperação da embarcação e não a abandona-se ao ponto da mesma se tornar insuficiente para a satisfação da obrigação hipotecária.
26. Para além disso, com o devido respeito por melhor opinião, lavra em erro o Apelado na sua interpretação do artigo 824.º, n.º2 do CC, pois o Estado não é terceiro por venda em execução, mas sim veio assumir a posição de apelado por aquisição derivada de bem onerado por decisão transitada em julgado.
27. Pelo que, ao invocar o artigo 824.º n.º2 do Código Civil, ainda que de forma errónea, age o Estado, em nosso modesto entender, com má-fé, constituindo “venire contra factum proprium”.
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