Acórdão nº 14691/17.0T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 15-06-2022

Data de Julgamento15 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão14691/17.0T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2020:14691/17.0T8PRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA, residente na Avenida ...., .., ..., Paços de Ferreira, instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, com domicílio profissional na Rua ..., ..., no Porto onde concluiu pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe quantia não inferior a €40.000,00 por danos não patrimoniais; a quantia de €20.000,00, a título de danos patrimoniais respeitante a tratamentos de implantes dentários que a autora terá de realizar; a quantia de €15.000,00 já paga pela autora ao réu e referente ao tratamento de reabilitação dentária; a quantia de €40,00 por mês, a título de despesas médicas mensais desde o mês de Maio de 2012 até final da vida da autora, bem como uma quantia referente aos danos futuros previsíveis, designadamente, referentes a tratamentos, deslocações, estadias e dores a liquidar posteriormente, acrescidas de juros de mora, contados à taxa legal desde a data da citação até efectivo pagamento.
Foi, ainda, requerida e admitida a intervenção principal provocada de X... Portugal - Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua ..., no Porto, como associada do réu.
Alegou, para tanto, ter celebrado com o réu um acordo, nos termos do qual este se comprometeu a proceder à reabilitação e colocação de implantes dentários.
Acrescentou, ainda, que não foi advertida pelo réu que poderia ter problemas permanentes com a realização do referido procedimento médico e que corria riscos daquele resultado não ser obtido.
Mais alegou, que a autora anuiu na realização do tratamento por lhe ter sido garantido o resultado pelo réu e que em consequência da intervenção a que foi sujeita em 2012 e realizada pelo réu, resultaram complicações no seu estado de saúde que descreve e que lhe causaram os danos patrimoniais e não patrimoniais.
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Citado, o réu contestou, impugnando, de forma motivada e parcial, os factos invocados pela autora.
Defendeu, ainda, que no caso vertente não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, alegando que não foi o único responsável pelo tratamento a que a autora se sujeitou e que o tratamento realizado pelo réu e por outros dois médicos dentistas era adequado à sua situação e foi efectuado de acordo com a legis artis, tendo sido alcançado o objectivo visado, o qual não se manteve porque a autora não seguiu as instruções que lhe foram dadas a respeito da higiene oral e dos hábitos tabágicos.
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A seguradora interveniente veio igualmente contestar, impugnando a generalidade da factualidade invocada pela autora.
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Findos os articulados, foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador e fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
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Realizada a prova pericial, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
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Por sentença proferida a 05.10.2021 o Tribunal a quo julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu e a interveniente do pedido formulado.
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Não se conformando com a sentença proferida, a recorrente AA veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I. A factualidade, salvo o devido respeito, provada, e articulada, não permite a absolvição do Réu, antes pelo contrário, levam à inelutável procedência da acção;

II. Os factos articulados pela autora, que constituem a descrição dos danos, a causa de pedir, foram erradamente dados como não provados (Nomeadamente os factos b., e., g. e h„ dos factos considerados não provados);

III. Não foi levado em linha de conta, na sentença recorrida, importante material probatório (junto aos autos na audiência de discussão e Julgamento), nomeadamente o CD onde, entre outras coisas se constata a manifesta falta de contacto ósseo, falta de osteointegração dos implantes, patologia quística no periápice dos implantes, processos inflamatórios;

IV. Quando os implantes não estão 100% osteointegrados a prótese/reabilitação está comprometida.

V. Ora, tendo a autora provado, como provou realmente, os factos que supra se mencionaram, e aceitando a sentença recorrida que “nos casos de intervenções para colocação de implantes podemos considerar a obrigação como de resultado....”; então, tratando-se de obrigação de resultado por se tratar de médico especialista (implantologia) sobre o qual recai um especifico dever do emprego de técnica adequada, torna-se compreensível a inversão do ónus da prova, devendo o mesmo ser civilmente responsabilizado pela simples constatação de que a finalidade proposta não foi alcançada (prova do incumprimento), o que tem por base uma presunção da censurabilidade ético-jurídica da sua conduta - Ac. do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.de Outubro de 2010, Relator Juiz Conselheiro Ferreira de Almeida.

VI. Segundo a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, consagrada no artigo 563.º do CC, o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar (de todo) indiferente para a verificação desse dano.

VII. A inobservância de quaisquer deveres objectivos de cuidado torna a conduta (do médico) culposa, sendo que a culpa se traduz na inobservância de um dever geral de diligência que o agente conhecia ou podia conhecer aquando da respectiva actuação e que comporta dois elementos: um de natureza objectiva - o dever concretamente violado - e outro de cariz subjectivo traduzido na imputabilidade do agente.

VIII. A utilização da técnica incorrecta dentro dos padrões científicos actuais traduz a chamada imperícia do médico, pelo que se o médico se equivoca na eleição da melhor técnica a ser aplicada no paciente, age com culpa e consequentemente, torna-se responsável pelas lesões causadas no doente.

IX. Destarte, o médico poderá ser civil (e diretamente) responsável se com a sua acção ou omissão, houver ofendido os direitos do paciente, em relação aos quais exerce as funções próprias da sua profissão, ou haja ofendido qualquer dos seus interesses digno de protecção legal (v.g. os seus direitos de personalidade), causando-lhe danos, desde que o seu comportamento (ilícito) lhe possa ser censurado a título de dolo ou mera negligência (art.º 483.º do CC).

X. A tutela contratual é contudo a que, em regra, mais favorece o lesado na sua pretensão indemnizatória como acima se alegou, face às regras legais em matéria do ónus da prova da culpa (art.ºs 799.º, n.º 1 e 487.º, n.º 1, ambos do CC). E a que, sem dúvida, melhor protege o lesado contra eventuais “conspirações do silêncio” em sede probatória, muito comuns neste tipo de situações e abundante nesta situação concreta!...

XI. Conforme dispõe o artigo 798.º do CC, «o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obi igação torna-se responsável pelo pi ejuízo que cause ao credor». Recairá, pois, em princípio, sobre o Recorrido, a obrigação de indemnizar os prejuízos causados à Recorrente (art.º 566.º e ss. do CC).

XII. A sentença recorrida viola o estatuído no artigo 607.º n.º 4 e n.º 5 do CPC;

XIII. A sentença recorrida viola ainda o artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;

XIV. Verificam-se a coexistência dos requisitos da responsabilidade civil contratual, e nesse corolário, o correspondente dever de indemnizar, por parte do R.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
- Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil geradora da invocada obrigação de indemnizar.
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3. Factos
3.1 Factos Provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. O réu exerce a actividade profissional de médico dentista.
2. A autora era seguida, na especialidade de medicina dentária, pelo Dr. CC.
3. Em 2007, em face do estado de conservação geral dos dentes existentes e à presença de várias zonas edentulas (sem dentes), a autora foi aconselhada pelo dito médico dentista que a seguia a realizar um tratamento de reabilitação e implantes dentários.
4. Na sequência, o réu e o Dr. DD foram abordados pelo Dr. CC no sentido de, em conjunto, realizarem à autora o referido tratamento de reabilitação com colocação de implantes dentários.
5. Depois de consultas e estudos prévios, em 20.10.2007, o réu, auxiliado pelos referidos Dr. DD e Dr. CC realizaram, na clínica do réu, uma intervenção cirúrgica à autora que consistiu na extracção dos dentes 11, 12, 13, 21, 22, 25, 26, 31, 32, 33, 41, 42, 43 e 45 e colocação de 6 implantes na maxila superior e 5 implantes na maxila inferior.
6. Pela realização da aludida intervenção, a autora procedeu ao pagamento da quantia de €15.000,00.
7. Valor este que veio a ser partilhado em partes iguais entre o réu e os referidos Dr. DD e Dr. CC.
8. Previamente, a autora foi informada de todos os riscos inerentes à intervenção que iria ser realizada bem como de todos os cuidados que deveria ter posteriormente, designadamente com a higiene oral e o abandono dos hábitos tabágicos.
9. O que a autora bem compreendeu e aceitou.
10. Foi garantido à autora que iriam ser realizados os procedimentos adequados e recomendados para a obtenção do resultado pretendido pela autora.
11. Após a realização da intervenção cirúrgica mencionada em 5. e subsequente colocação da prótese dentária, a autora passou a ser seguida pelo Dr. CC, no consultório que este tem em Paços de Ferreira.
12. Local onde se deslocou em 21.08.2008 e a seguir apenas em 19.07.2010.
13. Apesar das advertências que lhe
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