Acórdão nº 1465/19.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-05-19

Data de Julgamento19 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão1465/19.2BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
S.... instaurou ação administrativa urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra o Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qual conclui pedindo (i) se declare a nulidade do ato de emissão de cartão de cidadão a favor do contrainteressado e, bem assim, de todos os atos dele dependentes, (ii) seja intimado o IRN a cancelar o referido cartão de cidadão e eventuais documentos de viagem emitidos ao contrainteressado e a aceitar o pedido de emissão de cartão de cidadão apresentado pelo autor em 22/08/2019, emitindo-o e remetendo-o com urgência ao Consulado Geral de Portugal em Goa; e (iii) seja intimado o MNE para que ordene ao Consulado Geral de Portugal em Goa que proceda à entrega com urgência do cartão de cidadão, após boa receção do mesmo.
Por sentença de 04/11/2021, retificada em 27/12/2021 (após arguição de nulidade no recurso), o TAC de Lisboa julgou a ação parcialmente procedente nos seguintes termos:
- declarou improcedentes as exceções de inadequação do meio processual e de ilegitimidade passiva do réu IRN;
- anulou a emissão do cartão de cidadão com a identificação civil n.º 32…. e intimou o IRN ao respetivo cancelamento e a diligenciar pela informação das entidades competentes para a emissão de documentos de viagem - nomeadamente passaporte – ou outros documentos que tenham sido emitidos ao contrainteressado titular do cartão de cidadão ora anulado;
- absolveu os réus IRN e MNE dos demais pedidos.
Inconformado, o autor interpôs recurso, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“I. A sentença é nula nos termos do disposto no 615º nº 1 al. c) do CPC, aplicável ex vi art. 140º nº 3 do CPTA por contradição entre os fundamentos e a decisão: a fls 23 da sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou procedente o pedido de declaração de nulidade do ato de emissão do cartão de cidadão nº 32 ….. e respetivo cancelamento; porém, a final absolveu o recorrido do pedido (onde se inclui o pedido de declaração de nulidade e cancelamento do referido cartão de cidadão).
II. A factualidade ínsita na al. J) da Matéria Assente não é completa e atual, o que se afigura relevante, tendo em conta que o Tribunal a quo considerou que a pendência do processo de averiguações constituía um obstáculo à intervenção judicial no âmbito da presente intimação.
III. O recorrido IRN arquivou o referido processo de averiguações em 16/02/2021, cancelando a cota lavrada no assento de nascimento nº 1…../2019 da Conservatória dos Registos Centrais e confirmando a integridade do assento de nascimento do recorrente e a sua nacionalidade portuguesa; porém, não notificou nem o recorrente, nem o mandatário, nem sequer o Tribunal a quo…
IV. Os referidos documentos são relevantes pois provam que, desde fevereiro de 2021 que o recorrido IRN havia concluído que as suspeitas que o levaram a instaurar o processo de averiguações nº 4…../2019 não se confirmaram e que o recorrente conservava a nacionalidade portuguesa, como aliás foi expressamente referido na referida mensagem eletrónica de 23/11/2021. (vide Doc. nº 1)
V. Os documentos cuja junção ora se requer são, pois, supervenientes, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 651º nº 1 1ª parte e 425º do CPC, pois o Doc. nº 1 apenas foi recebido pelo recorrente em 23/11/2021 e o Doc. nº 2 só foi recebido em 24/11/2021 (na sequência da informação prestada através do Doc. nº 1).
VI. E tal superveniência e apresentação nesta fase é exclusivamente imputável ao recorrido IRN que, tendo decidido arquivar o referido processo de averiguações, não deu conhecimento de tal decisão nem ao recorrente, nem ao Tribunal a quo, mantendo-os assim no completo desconhecimento sobre um facto que o Tribunal a quo veio a valorar como importante.
VII. Atento o teor da informação constante dos Docs. nº 1 e 2 – que o recorrido IRN omitiu ao Tribunal a quo – bem se compreende que o Tribunal a quo nunca poderia ter fundamentado a sentença nos termos supra citados se soubesse que o recorrido IRN havia arquivado o processo de averiguações nº 4…./2019 por não se confirmarem nenhumas suspeitas quanto ao recorrente. A junção do documento ora requerida é, pois, igualmente admissível nos termos do disposto no art. 651º nº 1 2ª parte do CPC.
VIII. Pelo exposto, deve ser alterado o teor do facto I) da Matéria Assente nos termos seguintes:
I) O IRN – Conservatória dos Registos Centrais deu início a 4 de Junho de 2019 ao processo de averiguações n.º 4….., tendo em vista confirmar a autenticidade da certidão de registo de nascimento arquivada no Processo IN n.º 3…../2018, e que serviu de base ao assento de nascimento n.º 1…../2019, bem como para verificação, junto das autoridades locais competentes, da legalidade da emissão do Passaporte n.º R50….., emitido pelas autoridades da República da Índia em 13/12/2017, em nome de S.... e em 16 de fevereiro de 2021 arquivou o referido processo, dando sem efeito a cota anotada no assento de nascimento nº 12741/2019 e comunicando na mesma data ao Departamento do Cartão de Cidadão de que o Impugnante mantem a nacionalidade portuguesa. ─ cfr . PA-averiguações, max. fls. 9 e Docs. nº 1 e 2 juntos com as alegações de recurso.
IX. Conforme resulta do exposto, os concretos meios de prova que impõem a alteração da resposta são os Docs. nº 1 e 2 ora apresentados nos termos do disposto no art. 651º nº 1 2ª parte do CPC.
X. Quanto ao Facto J) da Matéria Assente, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo o contrainteressado não reconheceu “informalmente” a sua verdadeira identidade; bem pelo contrário, o contrainteressado, advertido de que sobre a sua identificação devia responder com verdade e estando acompanhado por defensor e de tradutor reconheceu expressamente que a sua identidade era D...., filho de J….. e de P….., natural Gujarat – India, de nacionalidade indiana, nascido a 01-11-1990 e residente em 245 Bounces Road, N….– Londres – Inglaterra.
XI. Pelo exposto, deve ser alterada a redação do Facto J) da Matéria Assente nos termos seguintes:
j) Está em curso no DIAP 6ª Secção de Lisboa o inquérito 2…./19.1 JDLSB apensado no inquérito 1…/ 19.3ZCLSB (que também apensa os inquéritos 3…./ 19.3JDLSB e 2…./ 19.0JDLSB), resultante de uma participação do SEF, onde são investigados crimes como o de falsificação ou contrafacção de documentos e uso de documento falsificado ou contrafeito, tendo sido constituído arguido o contrainteressado nestes autos que, no 1º interrogatório não judicial de arguido detido realizado em 17/5/2021, respondeu ao Ministério Público que a sua verdadeira identidade era D...., filho de J..... e de P....., natural Gujarat – India, de nacionalidade indiana, nascido a 01-11-1990 e residente em 245 Bounces Road, N…..– Londres – Inglaterra. ─ cfr . fls. 36 e 37 da certidão de inquérito junta pelo Autor e cópia da carta de condução a fls. 30 da mesma. (negrito e sublinhado nossos)
XII. E o concreto meio de prova que impõe tal alteração é o auto de interrogatório de arguido constante de fls 36 e 37 da certidão judicial do processo criminal nº NUIPC 16…… junta pelo recorrente.
XIII. As contradições indicadas a propósito da nulidade da sentença e, bem assim, as incorreções e incompletudes da Matéria Assente conduzem já à conclusão de que, ao contrário do que o Tribunal a quo decidiu, os recorridos deviam efetivamente ter sido condenados integralmente no pedido, pois está assente nos autos que o recorrente é o legítimo titular do assento de nascimento nº 1…./2019 da Conservatória dos Registos Centrais, que foi alvo de usurpação de identidade por parte do contrainteressado e que este até foi detido e descoberta a sua verdadeira identidade e a falsidade do passaporte que apresentou para se fazer passar pelo recorrente. Pelo exposto, não há qualquer réstia de dúvida relevante que justifique que o recorrente continua espoliado da sua identidade e privado de exercer o direito e dever de obter o seu cartão de cidadão e passaporte português.
XIV. A questão de saber se o recorrente é o legítimo titular do assento de nascimento nº 1…../2019 da Conservatória dos Registos Centrais é puramente jurídica, vinculada e não comporta qualquer margem de discricionariedade: o legítimo titular do assento de nascimento nº 1…../2019 é o interessado que promoveu a respetiva inscrição, o que se apura por referência ao processo instrutor de inscrição de nascimento que correu termos na Conservatória dos Registos Centrais sob o nº 3…./2018.
XV. Trata-se, pois, de uma análise absolutamente vinculada, que não comporta qualquer margem para juízos de conveniência ou oportunidade. Pelo exposto, não se alcança a título é que estaria reservada à Administração e excluída dos poderes de conhecimento e pronúncia do Tribunal a quo.
XVI. Mais: ainda que, por absurdo, se entendesse que as dúvidas supervenientes relativamente à legitimidade do interessado no processo de inscrição de nascimento eram relevantes e deviam ser comprovadas ou infirmadas, nada impedia que tal prova fosse feita nos presentes autos, pois também essa matéria é de prova estrita e não comporta qualquer margem de discricionariedade.
XVII. Aliás, reconduzindo-se a questão da identificação do titular do assento de nacimento nº 1…../2019 a um julgamento acerca da legitimidade do interessado no procedimento administrativo, mal seria que o Tribunal a quo não pudesse julgá-lo…
XVIII. As diligências de averiguação referidas no facto i) da Matéria Assente – verificação da autenticidade do assento de nascimento e passaporte do recorrente – podiam perfeitamente ter sido requeridas e produzidas perante o Tribunal a quo e do resultado das mesmas não haveria qualquer margem para juízos de discricionariedade: se se apurasse que o assento de nascimento ou o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT