Acórdão nº 14627/22.6T8PRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-02-22

Ano2024
Número Acordão14627/22.6T8PRT-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 14627/22.6T8PRT-A.P1
(Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – J6)

Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1º Adjunto: Paulo Duarte Teixeira
2º Adjunto: João Venade
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I AA e marido, BB, deduziram, por apenso à Execução nº 14627/22.6T8PRT, do Juízo de Execução do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, oposição mediante embargos de executado contra a aí exequente “A..., S.A.”.
Para além de requererem a suspensão da execução sem prestação de caução, invocaram a ilegitimidade da exequente, por não resultar que o crédito exequendo lhe foi cedido, a inexistência de título executivo, a prescrição da obrigação, o preenchimento abusivo das livranças e a inexigibilidade da obrigação exequenda, por iliquidez da obrigação de restituição do contrato de crédito em conta corrente.
A exequente/embargada contestou, defendendo que não ocorrem as excepções invocadas pelos embargantes.
Os embargantes, por requerimento de 09/12/2022, vieram ainda invocar a falta de cumprimento da obrigação de integração do crédito no PERSI.
Dispensou-se a realização da audiência prévia, com o acordo das partes, e foi elaborado despacho saneador, onde se conheceram as excepções invocadas e se julgaram improcedentes os embargos.
Desta decisão vieram os embargantes interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«1ª – A legitimidade activa para a ação executiva satisfaz-se com a alegação e prova da existência do acordo de cessão de crédito, independentemente da sua notificação ao devedor. Por isso, a legitimidade do cessionário para instaurar a execução com base em livrança que acompanha o crédito que lhe foi cedido (mútuo/ abertura de crédito em conta corrente), dependerá da alegação e junção não só do contrato de cessão de créditos, mas também da alegação e prova de que tal cessão foi notificada ao devedor, porque é condição de eficácia dessa cessão.
2ª – Ora, no caso dos autos não ocorre o cumprimento destes pressupostos, dado que quanto à cessão de créditos operada entre o Banco 1... e a Banco 2..., não se mostram identificados quais os concretos créditos que foram cedidos, assim como da cessão de créditos operada entre a Banco 2... e a embargada/exequente também não resulta que os alegados créditos sobre os aqui recorrentes/embargantes foram objeto de cessão de créditos, pois dela não constam os montantes concretamente devidos, não sendo possível estabelecer qualquer ligação entre as cópias dos contratos de cessão de créditos apresentados pela Exequente e a obrigação exequenda.
3ª - Todo e qualquer contrato de cessão de créditos tem obrigatoriedade, sob pena de nulidade, de identificar os créditos cedidos, ou seja, tem de identificar o seu objeto (art.º 280º do Cód. Civil). O que, no caso dos autos não sucedeu, seja quanto à identificação dos devedores, dos garantes, da natureza e montantes dos créditos.
4ª – É no próprio requerimento executivo que têm de ser alegados os factos constitutivos da cessão de créditos e da sua plena eficácia, juntando-se, além da livrança, o contrato de cessão de créditos e a notificação efectuada ao devedor, pois os pressupostos de validade e regularidade da instância executiva devem, em regra, estar presentes no momento em que a execução é proposta, resulta então que, ao contrário do entendimento da decisão recorrida, a Exequente não demonstrou a legitimidade ativa ou a titularidade dos direitos do cedente relativamente aos direitos putativamente transmitidos ao cessionário.
5ª – Foram dadas à execução duas livranças, uma que se destinava a garantir o pagamento do valor dum contrato de mútuo concedido pelo Banco 1... à sociedade devedora, e outra destinada a garantir o cumprimento de um contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado entre a Banco 2... e a sociedade devedora.
6ª – O contrato de mútuo foi outorgado em 08/04/2009, e previa o reembolso do capital e juros em 48 prestações mensais, com início em 13 de Maio de 2009 e termo em 13 de Abril de 2013. O contrato de abertura de crédito conta corrente foi celebrado pelo prazo de 6 meses renováveis, com início em 14-12-2009, a reembolsar em tranches de € 500,00.
7ª – Foram estabelecidas como condições do pacto de preenchimento destas livranças, relativamente à livrança do mútuo: “poderão ser livremente preenchidas pelo Banco 1..., designadamente no que se refere às datas de emissão e vencimento e local de pagamento, pelo valor correspondente aos créditos de que, em cada momento, o Banco 1... seja titular por força do presente contrato ou de encargos dele decorrentes”,
8ª - E quanto à livrança do contrato de abertura de crédito: “A livrança será oportunamente preenchida quando a Banco 2... o entender com indicação do montante que será de valor igual ao do saldo devedor na conta corrente, composto por capital, juros e demais encargos, apurados na data de encerramento da conta, que coincidirá, em caso de não prorrogação, com a data do termo do período contratual, acrescido de todos e quaisquer encargos de natureza fiscal. A livrança é domiciliada em Vila Nova de Gaia e é pagável no 30.º (trigésimo) dia contado da data de encerramento da conta.”.
9ª – O que se extrai dos pactos de preenchimento é que a livre disponibilidade de preenchimento das livranças não é arbitrária nem ilimitada, pois está referenciada ao facto concreto do incumprimento ou cessação do contrato, devendo nessa ocasião ser preenchidas pelo valor do capital em dívida e os juros vencidos.
10ª – Aliás, o pacto de preenchimento da livrança associada ao contrato de abertura de crédito ainda é mais preciso, pois delimita o seu preenchimento e vencimento até ao trigésimo dia contado da data do encerramento da conta.
11ª – Ora, a exequente/embargada não alega quais as datas do incumprimento/termo dos contratos, elemento determinante para se poder aferir da conformidade ou abuso dos pactos de preenchimento, omissão que se destina claramente a prejudicar de modo desproporcionalmente grave os direitos de defesa dos avalistas ora recorrentes/embargantes.
11ª – Sendo certo que entre a data do aviso do preenchimento (01/08/20022) e a do vencimento da obrigação (08/08/2022), não se mostra assegurado o prazo de vencimento fixado pelo pacto de preenchimento, pelo que o mesmo terá de haver-se por abusivo.
Sem prescindir,
12ª - A cessão de créditos encontra-se prevista no artigo 577.º do Código Civil e consiste numa forma de transmissão do crédito que opera por virtude de um negócio jurídico, normalmente um contrato celebrado entre o credor e o terceiro, os requisitos e os efeitos da cessão entre as partes são definidos em função do negócio que lhe serve de base, como decorre do disposto no artigo 578.º do Código Civil.
13ª – No caso dos autos, as duas livranças têm por base garantir o cumprimento de contratos (obrigação principal), por isso a relação cartular constituída pelas livranças (garantia), foi desenvolvida a partir da obrigação principal, a que resulta dos contratos celebrados e que lhe estão associados e por via da qual os embargantes/recorrentes se constituíram avalistas pela subscrição do aval nas livranças em branco.
14ª – Assim, as livranças entregues em branco para garantia dos contratos encontram-se no âmbito das relações imediatas, não ocorre um endosso ou transmissão da relação cartular, esta acompanha a relação contratual donde emerge, existindo apenas uma substituição do credor originário por via da cessão créditos. Pelo que as causas de extinção da obrigação principal ou garantida pela livrança importam igualmente na extinção da livrança associada, como resulta do disposto pelo art.º 651º e 790º, n.º 1 do Cód. Civil.
15ª – Como o avalista é responsável da mesma maneira que o avalizado (art. 32º, n.º 1 e 77º, n.º 3, da LULL): tal significa que o avalista responde perante as mesmas pessoas, nas mesmas condições e na mesma medida em que responde o avalizado. Ocorrendo a extinção da dívida garantida o avalista pode opor ao portador da livrança a extinção da obrigação avalizada. O aval está dependente da sorte da obrigação avalizada.
16ª - Em ambos os contratos está previsto o reembolso do capital e juros em prestações, sendo que no caso do mútuo seriam 48 prestações e no caso do crédito em conta corrente seriam tranches de € 500,00, apesar da exequente/embagada não alegar a [d]ata dos respetivos incumprimentos e/ou cessação dos contratos, pelo teor dos mesmos resulta que o contrato de mútuo se iniciou em 13/05/2009 e terminou em 13/04/2013, ao passo que o contrato de abertura de crédito se iniciou em 14/12/2009, pelo prazo de 6 meses, pelo que terá terminado em 14/06/2010.
17ª – Sendo jurisprudência uniformizada de que no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação, e ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
18ª – Pelo que, em 08/08/2022, data do vencimento aposto nas livranças pela exequente/embargada, já as obrigações garantidas se mostravam extintas por prescrição há muito.
19ª – Circunstância que não só configura um abuso do pacto de preenchimento das livranças, como importa na extinção dos avais prestados nas livranças pelos embargantes/recorrentes.
20ª – Com efeito, tendo as livranças exequendas sido entregues em branco com o propósito de servirem de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de mútuo e do contrato de abertura de conta corrente, a prescrição da obrigação causal determina, no domínio das relações imediatas, a necessária
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