Acórdão nº 1462/23.3T8VIS-B.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 13-12-2023

Data de Julgamento13 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão1462/23.3T8VIS-B.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU)

***
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Por decisão sumária – datada de 24/10/2023 (com Ref. 11027662) – proferida pelo Relator, ao abrigo do disposto no art.º 656.º do NCPCiv., foi decidido julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, nos seguintes termos:

I – Relatório

1.ºs - AA e mulher, BB,

2.ºs - CC e mulher, DD, e

3.ºs - EE e FF,

todos com os sinais dos autos,

intentaram procedimento cautelar não especificado contra

1.ª - A..., S. A.” e

2.ª - B..., LDA.”,

ambas estas também com os sinais dos autos,

pedindo que:

«(…) sem a audiência prévia dos requeridos, se digne (…) ordenar o imediato encerramento do estabelecimento de restauração instalado na fração autónoma designada pela letra “A” melhor identificada em 5º do (…) requerimento inicial, denominado “C...”;

Caso assim não se entenda, (…)

2. Deverá ordenar a imediata proibição à segunda requerida de qualquer atividade desenvolvida pela [mesma] no (…) estabelecimento de restauração de produção de cozinhados ou de refeições, nomeadamente de frituras, de assados, de grelhados ou de qualquer outra atividade que seja suscetível de gerar cheiros, fumos ou gases;

3. Deverá ser imediatamente ordenado à primeira requerida a reposição do telhado ou cobertura e da chaminé que serve o sistema de extração do fumos, cheiros e gases proveniente da fração autónoma designada pela letra “A” melhor identificada em 5º do (…) requerimento inicial onde labora a “C...”, por forma que fique igual à constante do projeto de arquitetura e como se encontrava aquando da venda das frações aos aqui requerentes.

Mais requerem a Inversão do Contencioso, nos termos do disposto nos artigos 369º, nº.1 e 376º, nº.4 do C.P.C.».

Para tanto, alegaram, em síntese, factos e alinharam razões para concluir que:

- sendo os Requerentes condóminos em prédio urbano constituído em propriedade horizontal, onde têm a sua habitação (em frações autónomas do mesmo), ali funciona também aquele estabelecimento de restauração (noutra fração autónoma, dada de arrendamento pela 1.ª à 2.ª Requeridas), provocando, por conduta imputável às demandadas, os ditos cheiros, fumos ou gases (provenientes dos grelhados, assados e fritos produzidos pela 2.ª Requerida), que penetram no interior das frações autónomas dos Requerentes, assim como nas partes comuns do edifício, bem como ruídos de laboração, sendo que, apesar das solicitações dos Requerentes, aquelas Requeridas vêm mantendo e agravando a situação de decorrentes perturbações para quem ali reside;

- os Requerentes temem fugas de gases nocivos para a sua saúde e dos seus familiares ou de outras pessoas que usem as suas frações, podendo haver risco de vida se se acumularem gases mortais gerados pela queima de oxigénio pelo fogo e sobretudo pelos braseiros.

Em 29/06/2023 foi proferido despacho com o seguinte teor:

«O tribunal convidou as partes a pronunciarem-se sobre a eventual realização de uma perícia sobre factos que exigem conhecimentos especializados e que são essenciais para a demonstração do direito invocado pelos Requerentes.

Estes entendem que no âmbito de um procedimento cautelar, a prova a produzir-se é meramente indiciária, pelo que não se justifica a realização de qualquer perícia, até pelo tempo que a prova daí resultante demora a constituir-se.

Os Requeridos não se opõem a realização da perícia sugerida. A requerida B... L.da. chama, todavia, a atenção para as regras do ónus de provar os factos sobre os quais a perícia incidiria, caso a mesma não venha a ser realizada.

Vejamos.

A demonstração do direito dos Requerentes nos procedimentos cautelares não especificados é efetuada mediante o oferecimento de prova sumária (art. 365º, nº1 do C.P.C.). A prova sumária oferecida tem que ser, porém, minimamente apta à demonstração dos factos que sustentam o direito invocado. Assim, se a realidade, ainda que indiciária, de certos factos só é alcançável por determinados meios de prova é inútil tentar fazer essa prova indiciária por meios probatórios sucedâneos.

A nosso ver é o que sucede nos presentes autos, revelando-se indispensável a perícia sugerida para demonstração indiciária dos factos a que nos reportámos no nosso despacho de 15-05-2023, e de outros que as partes venham indicar.

Assim determino que se proceda à perícia, a qual será realizada por um único perito ou entidade.

Notifique as partes para, em 5 dias, se pronunciarem sobre o objeto da perícia, bem como sobre a identidade do perito que a haverá de realizar.».

É desta decisão que, inconformados, recorrem os Requerentes, apresentando alegação, onde formulam as seguintes

Conclusões ([1]):

«I. O despacho recorrido padece de vícios que o invalidam, designadamente de erro na interpretação e na aplicação da lei, de violação da lei e do princípio de prevenção de lesão iminente ou da continuação de lesão já em curso.

II. Os procedimentos cautelares têm natureza urgente (art. 363º, nº 1 CPC) e visam a prevenção da lesão iminente ou da continuação de lesão já em curso.

III. Considerando estas duas características dos procedimentos cautelares (urgência e valoração do princípio de prevenção de lesão iminente ou da continuação de lesão já em curso), o legislador estabeleceu uma clara redução do ónus probatório a cargo do requerente (ao dispor, no art. 365º CPC, que “com a petição, o requerente oferece prova sumária do direito ameaçado”) e uma diminuição do grau de convicção do julgador que será necessário ao decretamento da providência, consagrada no nº 1 do art. 366º do CPC (ao prever que a providência será decretada desde que haja probabilidade séria de existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão).

IV. Decorre da própria natureza (urgente) do procedimento cautelar que toda a prova produzida é meramente indiciária, não se exigindo a prova segura do facto, como ocorre no processo declarativo, bastando o juízo de mera probabilidade.

V. É a ponderação do conjunto da prova indiciária trazida aos autos pelas partes (requerentes e requeridos) que permite ao julgador decidir o decretamento da providência requerida ou afastar os seus fundamentos.

VI. A prova pericial sugerida (e decretada) pelo Tribunal recorrido não se justifica no âmbito dos presentes autos de procedimento cautelar - onde a prova é meramente indiciária, bastando o juízo de mera probabilidade - justificando-se, antes, no âmbito da ação principal onde o direito litigioso é submetido a uma análise mais aprofundada, conscienciosa e ponderada – neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 19.12.2006 no âmbito do Proc. nº 2169/06-2.

VII. O presente procedimento cautelar deu entrada em juízo em 18.07.2022 – isto é há um ano – sem que tenha sido produzida qualquer prova, ainda que indiciária, o que não se compadece com a natureza urgente do procedimento em causa, violando a lei (mormente o artigo 363º, nº 2 do CPC que dispõe expressamente que “os procedimentos instaurados perante o tribunal competente devem ser decididos, em 1ª instância, no prazo máximo de dois meses, ou, se o requerido não tiver sido citado, de 15 dias”) e contrariando o princípio de prevenção de lesão iminente ou da continuação de lesão já em curso - negrito e sublinhado nossos.

VIII. Nos presentes autos, decorrido que se encontra um ano (!) de tergiversações processuais que têm como resultado a não produção de qualquer prova, ainda que indiciária, agrava ainda mais a impertinência e inadmissibilidade da prova pericial – a qual sempre poderá (e deverá) ocorrer nos autos de ação principal a que o presente procedimento corre por apenso.

IX. É incompreensível que o Tribunal recorrido – volvido que se encontra 1 (um) ano desde a propositura do presente procedimento cautelar sem que haja sido produzida qualquer prova – pretira a realização da prova oferecida (há muitos meses) pelas partes (recorrentes e recorridos), ordenando, agora, a realização da perícia (quando a lei e natureza do procedimento aqui em apreço exige que a prova a realizar seja sumária) – tudo com o consequente atraso na decisão que há muito deveria ter sido proferida nesta sede e com o agravamento dos danos que se vêm repercutindo na saúde e na esfera jurídica dos recorrentes.

X. De acordo com as regras da experiência comum – o critério de normalidade que o julgador deve prosseguir na apreciação de prova indiciária – bastaria ao Tribunal atravessar a Avenida da Europa, uma vez que o edifício a que dizem respeito todos os factos alegados nos autos dista cerca de 100 (cem) metros da entrada do tribunal, produzindo a sua convicção numa inspeção presencial onde facilmente constataria a persistência da produção cheiros e ruídos nas frações dos recorrentes (tão grave e evidente é a realidade).

XI. O despacho recorrido padece de vício de violação da lei - artigos 363º e 365º, nº 1 do CPC –, de erro na aplicação da lei e do Direito e de violação do princípio da prevenção de lesão iminente ou da continuação de lesão já em curso, subjacente aos procedimentos cautelares, sendo nulo e de nenhum efeito.

Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Ex.as doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido e ser substituído por outro que ordene a imediata produção de prova e prolação de decisão com a maior brevidade possível, com as legais consequências.».

Foi junta contra-alegação recursória pela 1.ª Requerida, a qual concluiu no sentido da improcedência do recurso.

Este foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, motivo pelo qual ocorreu remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde resulta mantido o regime recursório.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir quanto ao objeto do mesmo, em decisão sumária,...

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