Acórdão nº 146/04.6 BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
Ano2022
Número Acordão146/04.6 BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO


A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por V…, LDA, NIPC 502......., contra a liquidação de IRC do ano de 1995, e que anulou o acto impugnado e, em consequência a liquidação na parte que considerou como proveitos o montante de 17.959.353$00 (€89.580,87), dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial e anulou a decisão recorrida de indeferimento do recurso hierárquico e em consequência a liquidação na parte que considerou como proveitos o montante de 17.959.353$00 (€89.580,85).

B. A Fazenda Pública entende que deve dar-se como provado o facto da D… comunicar as notas às finanças, conforme inquirição da testemunha J….

C. Assim como deve dar-se como provado que esses documentos tinham sempre a identificação da Impugnante.

D. Além que como foram incorrectamente julgados os pontos de facto que constam dos pontos K), L), M), N), O), o que consubstancia erro de julgamento.

E. O peixe era registado na totalidade em nome da Impugnante e apenas no controlo interno efectuado pela D… é que era efetivada a sua divisão em dois lotes, e que depois seriam comunicados à Administração Fiscal, com a identificação da Impugnante.

F. Ou seja, ficou provado que esses documentos tinham a identificação da Impugnante, e não a identificação dos supostamente beneficiários das ”caldeiradas”, ou seja os pescadores da embarcação associada a essa pesca.

G. Como tal, o peixe a partir do momento em que é pescado, durante o seu controlo pela D…, até à sua comercialização, está associado a um produto da Impugnante, pelo que, subsequentemente, o resultado da venda do peixe irá constituir um proveito da Impugnante

H. O quid da decidida falta de fundamentação, assenta na interpretação do facto da informação n.º 1838/2002 e a adenda terem entendimentos diferentes, e subsequentemente, o despacho ter sido de indeferimento com base nessas informações.

I. Ora, aclarando, temos dois entendimentos jurídicos, sendo que, em primeiro lugar surge o entendimento de deferimento e posteriormente o entendimento de indeferimento, e tendo o despacho negado provimento ao recurso baseado nos fundamentos e proposta anterior, não existem dúvidas que a decisão fundamenta-se no entendimento jurídico que concluiu pelo indeferimento, ou seja, em segundo lugar, ou seja, no parecer da adenda.

J. Assim, em primeiro lugar, independentemente de diferentes conclusões e do entendimento que se conceba correto, quer o parecer inicial da informação, quer o parecer da adenda, estão devida e suficientemente fundamentados para se compreender os seus fundamentos de facto e de direito, e as razões que determinaram esses pareceres.

K. Por outras palavras, os pareceres em apreço, permitem compreender o raciocínio cognoscitivo operado na apreciação da questão e que culminaram nas respetivas conclusões, como um processo lógico coerente e sensato e resultado de um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais a considerar em cada caso.

L. Em cumprimento com “A fundamentação consiste em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta ou em exprimir os motivos porque se resolve certa maneira, e não de outra maneira.” (MARCELO CAETANO in Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, 1977, página 123). [nota de rodapé por nós renumerada]

M. Entende-se que foi pujantemente conseguido em ambos os pareceres.

N. Em segundo lugar, a decisão em apreço remete expressamente para os fundamentos constantes na informação, onde se inclui a adenda, pelo que ao negar provimento conforme proposta, existe uma declaração de concordância com o parecer de indeferimento que decorre da adenda.

O. Considerando que o entendimento plasmado no parecer que compõe a adenda respeita os pressupostos da fundamentação, então a decisão ao remeter para essa proposta vertida no parecer da adenda, está fundamentada.

P. Esta fundamentação de concordância com o parecer da adenda, permitiu ao órgão competente formar a sua vontade, exteriorizando-a por via da sua decisão de negar provimento ao recurso hierárquico.

Q. Encontrando-se reunidos os pressupostos para a formação plena dessa vontade, “Estamos aqui na fase em que o órgão administrativo-tributário formará a sua vontade. Em princípio, devemos estar perante um órgão competente e que manifesta uma vontade livre (não sujeita a qualquer espécie de coacção), esclarecida (não perturba por qualquer erro que interfira nos seus motivos determinantes) e ponderada (que levou em atenção, e de forma adequada, todos os elementos de prova produzidos anteriormente). Se tal não suceder, o ato tributário correspondente terá um vício e poderá ser anulado.”

R. Nesse desiderato, não se consegue vislumbrar onde patenteiam os fundamentos de obscuridade, contradição ou insuficiência, invocados pela douta sentença, porquanto ambos os pareceres encerram em plenitude os cânones da garantia de fundamentação, designadamente que os fundamentos adotados não estão feridos de obscuridade, contradição ou insuficiência.

S. No essencial ambos os pareceres são concordantes na existência de uma irregularidade da escrituração contabilística, mas que, completada com outros argumentos e interpretação, concluem com decisões opostas.

T. Sobre a falta de fundamentação por obscuridade, contradição ou insuficiência, entende-se “a falta de fundamentação se são formulados motivos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareçam concretamente as razões da decisão adoptada. A decisão tem de ser clara, congruente e suficiente. Se a argumentação for dubitativa, ambígua ou obscura não estão identificadas as razões de facto ou Direito da decisão. Não se pode determinar com segurança o sentido do que foi declarado como fundamento pelo órgão administrativo. Além disso, a fundamentação tem de se basear num processo lógico, coerente e sensato. Finalmente, a fundamentação deve ser suficiente, isto é, deve conter os elementos bastantes, capazes ou aptos de basear a decisão. Interessa garantir que houve uma verificação ou uma ponderação, por parte do autor do acto, das circunstâncias da realização do interesse público que se visa prosseguir.

Não basta qualquer falta de clareza, qualquer incongruência ou qualquer insuficiência para se entender que houve falta radical de fundamentação. Necessário que haja uma falta de esclarecimento concreto das razões que levaram o agente à prática daquele acto. Assim só a obscuridade relativa aos traços decisivos da fundamentação deve relevar. Uma fundamentação clara ainda que discutível, não totalmente convincente, satisfaz o dever legal sob ponto de vista formal e não envolve vício de forma.

Para convencer, ou tentar convencer, os destinatários do acto e os órgãos de controlo, é preciso que o agente mostre que aplicou a lei, efectuando as verificações, avaliações ou ponderações adequadas à realização do interesse público posto a seu cargo.” Diogo Leite Campos, Susana Soutelinho, in Direito do Procedimento Tributário, Almedina, 2013, pág.224. (negrito nosso).

U. Contrapondo o referido com a decisão de negar provimento ao recurso hierárquico com referência à proposta anterior de indeferimento no parecer da adenda, facto I), verificamos que a decisão assenta numa fundamentação clara e com traços decisivos da sua fundamentação.

V. Aliás essa decisão e fundamentação saí reforçada, por a decisão ser baseada com o parecer que surge em segundo lugar, o que permitiu melhor apreciar as avaliações e ponderações operadas pelo órgão competente.

W. Essa compreensibilidade terá que ser apreciada na ótica da destinatária, e encontra-se manifestamente conseguida, a que serve de exemplo a alegação em sede da presente impugnação judicial.

X. Atente-se que, em respeito pelo princípio da verdade material, do interesse público, imparcialidade, inquisitório, e da correcção, o procedimento encontra-se composto com todos documentos, favoráveis e desfavoráveis ao entendimento operado pela Administração Tributário.

Y. Melhor, deve-se atentar da riqueza jurídica que decorre dos pareceres, que permitiram melhor construir a decisão do órgão competente, porquanto como enaltecido em ambos os pareceres, a questão das “caldeiradas” constitui uma problemática jurídica que acarreta a necessidade de uma doutrina específica, em que na sua ausência, deve-se recolher na lei vigente a melhor solução para o caso.

Z. E no limite esta mesma discrepância de pareceres, com soluções diferentes, veio trazer fundamentos que a Impugnante veio a fazer seus, apesar de não se conceber como válidos.

AA. O que paradoxalmente, e de forma inusitada, pode-se afirmar que a decisão em apreço, encontra-se duplamente fundamentada: fundamentada na otica do indeferimento do recurso hierárquico como entende a administração tributária; e fundamentada com determinados argumentos, que não se concebem, para quem entende que deve ser deferida as pretensões formuladas, e que Impugnante veio alocar como seus.

BB. Quanto qualificação/quantificação da liquidação, atento o supra referido quanto à matéria de facto, reiteramos que os factos dados como provados, assim como aqueles que devem acrescer, demonstram que a diferença entre as vendas em lota pela D… e as notas de liquidação contabilizadas pela Impugnante deveriam ter sido entendidos como proveito da Impugnante.

CC. Toda a documentação e controlo do produto da pesca está associado à Impugnante, e nesse sentido, é comunicado à Administração Fiscal, para os devidos efeitos.

DD. Atendendo que os documentos estão com a identificação da Impugnante, como se entende...

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