Acórdão nº 1448/17.7T8VCD.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-06-08

Ano2022
Número Acordão1448/17.7T8VCD.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
PROC. 1448/17.7T8VCD.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Família e Menores de Vila do Conde - Juiz 1


REL. N.º 685
Relator Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda
*
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1- RELATÓRIO
AA, casada, residente na Rue ..., n.º ..., ..... ...., França, intentou a presente acção pretendendo a impugnação da paternidade estabelecida em relação a si (com o cancelamento do respectivo assento de nascimento e da avoenga paterna), bem como a investigação de paternidade, contra BB, viúva, residente na ...., Póvoa de Varzim, pedindo:
a) que se declare que o CC não é o seu pai biológico, eliminando-se tal menção de paternidade que consta do seu assento de nascimento, bem como a respectiva avoenga paterna;
b) que se reconheça e declare que é filha de DD, antecessor da ré BB, devendo, em consequência, ordenar-se o respectivo averbamento no seu assento de nascimento.
Alegou ter nascido no dia .../.../1953, sendo sua mãe EE, então no estado de casada com CC, desde 12 de Julho de 1942.
Porém, afirmou que este CC não é o seu pai biológico, pois que há mais de um ano este e sua mãe viviam em casas e cidades separadas, não mantendo qualquer relação afectiva e amorosa. Aliás, sua mãe, anos antes do nascimento da Autora, tinha passado a viver na casa de DD, viúvo, onde fora trabalhar como empregada doméstica, com este tendo vindo a manter uma relação amorosa. Conclui dizendo que o seu pai biológico é DD e não CC.
Mais alega que CC faleceu no dia .../.../1957, no estado de casado com EE, não tendo deixado descendentes (apenas se encontrando averbada como sua filha a ora Autora); que EE faleceu no dia .../.../1991, no estado de viúva de CC, tendo deixado como sua herdeira a sua única filha ora Autora; que DD faleceu no dia .../.../1972, no estado de viúvo de FF, tendo deixado como seu herdeiro o seu filho GG ; que este GG faleceu no dia .../.../2007, no estado de casado com BB, sem descendentes, tendo deixado como sua herdeira a sua referida mulher, que nessa qualidade é demandada como Ré para a presente acção.
Citada, a ré apresentou contestação por excepção e por impugnação.
Desde logo, e por excepção, alega que a presente acção, tal qual foi configurada pela Autora, comporta duas causas de pedir e dois pedidos que se reconduzem, no fundo, a duas acções: uma de impugnação da paternidade e uma outra de investigação e reconhecimento da paternidade.
Tendo já ocorrido a morte da mãe e do presumido pai a acção deveria de ter sido instaurada ou prosseguir contra as pessoas referidas no art. 1844º do Código Civil, devendo, na falta delas – como, aliás, também ocorre no caso vertente -, ser nomeado curador especial. Conclui dizendo não ter legitimidade passiva para intervir na acção de impugnação da paternidade, devendo a Autora de ser convidada a proceder à regularização subjectiva da instância
Por outro lado, alegou que é pressuposto processual para a interposição da acção de investigação e reconhecimento da paternidade que, previamente, tenha sido interposta e julgada procedente acção de impugnação da paternidade, e que na sua decorrência, o registo da filiação quanto ao presumido pai tenha sido declarado nulo, o que não ocorreu no caso vertente.
Mais excepcionou a caducidade do direito à acção, quer quanto à impugnação, quer quanto à investigação prevista no art. 1842º, nº 1, al. c). A esse propósito alegou que a Autora nasceu no dia .../.../1953 e atingiria a sua maioridade no dia 10 de Fevereiro de 1974, dado que, à data, ainda a idade da maioridade estava estabelecida nos 21 anos. Porém, tendo casado catolicamente com HH em .../.../1971, isso levou à sua emancipação naquela data, em que tinha 18 anos, 7 meses e 2 dias,
Assim, apenas podia intentar a presente acção até à idade de 28 anos, 7 meses e 2 dias. Logo, como à data da interposição da presente acção, em 28 de Novembro de 2017, já tinha atingido a idade de 64 anos, encontrava-se largamente ultrapassado o prazo de 10 anos para a propositura da acção, estando caducado o direito da Autora para interpor a acção de impugnação da paternidade, bem como a de investigação.
No mais, impugnou o alegado bem como os documentos juntos.
Foi proferido o despacho a convidar a autora a suprir o vício da ilegitimidade, na sequência do que foi requerida e admitida a intervenção principal passiva para o exercício da função de curador de II.
Foi realizada audiência prévia no âmbito da qual foi proferido despacho saneador decididas questões prévias, identificado o objecto do litígio e seleccionados os temas de prova, tendo sido julgado improcedente a invocada excepção da legitimidade e relegada para a sentença a apreciação da excepção da caducidade (fls. 84 a 89 – refª 396952125).
Foram interpostos recursos relativamente aos despachos que determinaram a realização da perícia com exumação de cadáver.
Tais recursos foram julgados improcedentes e confirmadas as decisões.
Foi realizada a perícia cujo relatório foi junto de fls. 514 e 515.
Realizada a audiência de julgamento, veio no seu termo a ser proferida sentença que julgou “totalmente procedente a excepção de caducidade do direito à acção e, consequentemente, (…) improcedente o pedido de impugnação e de investigação da paternidade formulado nestes autos por AA, absolvendo a ré BB do mesmo.”
É desta decisão que vem interposto recurso, pela autora, que o termina formulando as seguintes conclusões:
II – CONCLUSÕES
A) DAS NULIDADES DA SENTENÇA RECORRIDA
– NULIDADE DA SENTENÇA COM FUNDAMENTO NO ART.º 615.º, n.º 1, d) do CPC –
a) O art.º 3.º do Novo CPC – aplicável ao caso na medida em que a ação foi instaurada em 28/11/2017 – consagra, como antes o art.º 3.º do CPC revogado, o princípio do contraditório nos seus n.ºs 2 a 4. Com vista a evitar as chamadas “decisões-surpresa”, o invocado princípio proibe que providência ou decisão alguma seja proferida sem que às partes seja previamente conferida a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria em questão, salvo nos casos excecionais previstos na lei.
b) No presente caso, veio a Ré BB excecionar a caducidade do direito à ação quer de impugnação, quer de investigação e reconhecimento da paternidade, invocando, nessa senda, o art.º 1842.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte do CC.
c) Face a isto, apresentou a Autora o requerimento com a ref.ª 28117773 (fls 45 a 51), pronunciando-se acerca da exceção invocada, que foi desentranhado através do termo de desentranhamento com a ref.ª 392065958, datado de 20-04-2018. Realizada a audiência previa a 10 de outubro de 2018, em momento algum, foi concedida à Autora a oportunidade de se pronunciar relativamente à questão da caducidade do direito à ação.
d) Ainda assim, a Mm.ª Juiz a quo veio a proferir a sentença recorrida, datada de 05 de março de 2020, decidindo-se, surpreendemente, pela procedência da exceção alegada pela Ré. Tendo sido omitida a audição da Autora a respeito, parece inquestionável o desrespeito do aludido princípio do contraditório praticado pelo Tribunal a quo. Ao proferir a “decisão surpresa” aqui em apreço, aquele acabou por violá-lo notória e grosseiramente, o que importa a nulidade da sentença a quo, por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do vertido no art.º 615.º, n.º 1, d) do CPC.
– NULIDADE DA SENTENÇA COM FUNDAMENTO NO ART.º 615.º, n.º 1, b) do CPC – e) A ação que deu origem aos presentes autos, tal qual configurada pela Autora, comporta duas acções distintas:
- Ação de impugnação da paternidade quanto a CC;
- Ação de investigação e reconhecimento da paternidade quanto a DD.
f) Sucede, porém, que, apesar de terem ambas sido submetidas à sua apreciação – dada a alegação expressa no primeiro dos articulados apresentados, e correspondente prova – o Tribunal a quo preferiu dedicar o seu tempo e atenção apenas e só quanto à ação de investigação, Ainda assim, a final, julgou improcedente o pedido de impugnação e de investigação da paternidade (Cf. Ponto V – Decisão), tratando-os (inconcebivelmente) como um só,
g) Ora, em parte alguma da sentença encontramos os fundamentos de facto e de direito que justifiquem este desfecho, quanto a questão da impugnação da paternidade.
h) A propósito, vale relembrar que, pese embora estejam incluídas, na presente ação, duas ações/questões fundamentais – impugnação e investigação –, o certo é que estas, assim como os respetivos pedidos, são autonomizáveis, significando isto que, mesmo que o Tribunal julgasse procedente o pedido associado à impugnação, poderia perfeitamente julgar improcedente o inerente à investigação.
i) Posto isto, arriscamo-nos a concluir que, na verdade, o pedido correspondente à ação de impugnação nem sequer foi verdadeiramente conhecido, dado que o Tribunal a quo acabou por “fundi-lo” no pedido associado à investigação, aproveitando-se, inexplicável e descabidamente, da fundamentação apresentada, por si, relativamente à investigação da paternidade, para decidir, a final, nos mesmíssimos termos quanto a ambos os pedidos. Com efeito, verificando-se a completa omissão quanto à fundamentação de facto de direito que, no entender da Mm.ª Juiz, justificaria o desfecho da ação de impugnação, verifica-se também a nulidade da sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do vertido no art.º 615.º, n.º 1, b) de CPC.
B) DA MATÉRIA DE DIREITO
– DA CADUCIDADE DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO E RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE – NORMAS APLICÁVEIS EM TERMOS DE PRAZOS DE CADUCIDADE
j) No que respeita à sentença recorrida, não podemos, desde já, deixar de referir a:
- Manifesta contradição entre a fundamentação apresentada e a decisão proferida, pois que, apesar de fundamentar ser aplicável o prazo de três anos a contar da ocorrência de um dos eventos, previstos nas várias alíneas do n.º 3 do art.º 1817.º do CC, deles se “esquece”, aplicando apenas o prazo de 10 anos previsto no n.º 1.
- Errada aplicação
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT