Acórdão nº 1442/17.8T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-10-26

Ano2023
Número Acordão1442/17.8T8BGC.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: Jorge Teixeira
2ª Adjunta: Maria da Conceição Bucho

AA, BB, CC, DD, EE e FF, todos melhor identificados nos autos, vieram instaurar a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra “EMP01..., Lda.”, e GG, também melhor identificados nos autos, formulando contra os mesmos os seguintes pedidos:

“a) Decretar-se a resolução do contrato de arrendamento entre os Autores e a Ré arrendatária, por falta de pagamento das rendas supra descritas;
b) Ser a Ré arrendatária condenada a despejar o imóvel identificado nesta petição e a restitui-lo aos Autores, livre de pessoas e bens;
c) Condenar-se os Réus a pagar, de forma solidária, aos Autores, as rendas vencidas e não pagas no montante de € 48.000,00 (…), bem como as quantias relativas às rendas vincendas até à efetiva entrega do locado;
d) Condenar os Réus a pagar aos Autores os juros de mora sobre as rendas em dívida à taxa legal, a partir da citação relativamente às já vencidas, e a partir do dia 8 (oito) dos meses subsequentes relativamente às vincendas até à efetiva entrega do locado”.
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Alegam para o efeito e em síntese, que são donos e legítimos possuidores de duas frações autónomas destinadas a comércio, que identificam, as quais foram dadas de arrendamento aos RR, por contrato de arrendamento para fins não habitacionais, celebrado em 26 de junho de 2009, pelo prazo de 5 anos, com início em 1 de setembro de 2009, pela então usufrutuária dos imóveis, HH, entretanto falecida.
A renda anual estabelecida foi de € 400,00 mensais nos primeiros doze meses de execução do contrato; de € 500,00 mensais, no segundo ano de execução do contrato; de € 600,00 mensais, a partir do terceiro ano de execução do contrato; e a partir de 1 de setembro de 2011 a renda seria atualizada anualmente, de acordo com o coeficiente legal em vigor.
Acontece que a Ré deixou de pagar as rendas acordadas desde janeiro de 2011, o que constitui fundamento legal para a resolução do contrato de arrendamento, encontrando-se aquela em dívida perante os AA, até à data da p.i., pela quantia global de € 48.000,00, a que acresce o valor das rendas futuras, até à efetiva entrega do imóvel, devoluto de pessoas e bens.
O Réu assumiu-se como fiador da Ré, com renúncia ao benefício da excussão prévia, pelo que é também responsável solidário pelos valores peticionados.
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Os Réus apresentaram contestação, aceitando ter celebrado com a falecida HH o aludido contrato de arrendamento, o qual se destinava a um ginásio e atividades conexas – prestação de serviços -, sendo certo que os espaços dados de arrendamento só podiam ser destinados a comércio (e não a prestação de serviços), facto impeditivo da possibilidade de licenciamento específico para a atividade de um ginásio, o que era do conhecimento da senhoria, que apesar disso, não se coibiu de elaborar e assinar o contrato de arrendamento em apreço.
Ora, a primeira Ré só constatou tal facto quando já tinha as obras concluídas e o espaço devidamente equipado e pronto a abrir, tendo contactado a senhoria, para a necessidade de licenciar os espaços em apreço para serviços, o que aquela nunca fez, apesar de prometer fazê-lo, razão pela qual a ré, através do seu mandatário, em 23 de abril de 2012, enviou uma carta à senhoria, advertindo-a de que não pagaria mais a renda enquanto o licenciamento geral para serviços não fosse obtido, dando-lhe conta de que já havia investido mais de € 100.000,00 em obras nos espaços, sem que o ginásio pudesse ter atividade pública e nessa medida rentabilizar o despendido.
Foram enviadas novas missivas à senhoria, em 23 de maio e 26 de novembro de 2012, de igual teor, tendo ainda, em 31 de outubro de 2013, sido enviado à filha da senhoria uma comunicação, propondo um acordo, tudo sem resultado.
Considera assim a ré que a recusa da sua parte no pagamento das rendas ocorreu na sequência do incumprimento, por parte da senhoria, da sua obrigação de licenciamento dos espaços arrendados para o fim a que os mesmos se destinavam, o que era do conhecimento daquela.
Mais alega que o contrato de arrendamento celebrado é nulo, porquanto o alvará de licença dos espaços arrendados só consentia o seu uso para o comércio.
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Deduziram os RR ainda Reconvenção, pedindo que os Autores sejam condenados a pagar à Reconvinte o montante de € 125.000,00, atinente às obras efetuadas no locado, e caso se entenda que existem os créditos reclamados pelos Autores, devem os mesmos ser compensados com o crédito que a primeira Ré comprovadamente detém sobre os mesmos.
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Os AA vieram Replicar, impugnando os factos alegados na Reconvenção, dizendo ainda que, aquando da celebração do contrato, os RR conheciam bem a realidade física do imóvel, tendo-lhe sido facultados todos os documentos atinentes ao mesmo, e tendo ficado expresso na cláusula 4.º do referido contrato, que o destino do arrendado era para um ginásio e atividades conexas, ficando a cargo dos arrendatários o licenciamento e as obras para essa atividade.
Acresce que, de acordo com a cláusula 5.ª do mesmo contrato, todas as benfeitorias efetuadas no locado ficariam a pertencer ao prédio, sem que a inquilina pudesse alegar direito de retenção ou indemnização sobre as mesmas.
Mais alegam que o pedido reconvencional é deduzido com abuso de direito (na modalidade de “venire contra factum proprium”), pois foram os RR que criaram a situação pela qual pretendem agora obter vantagens patrimoniais à custa dos Autores.
Pugnam pela sua improcedência.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julgo a acção procedente e improcedente a reconvenção e, em consequência: Condeno os Réus no pedido e absolvo os Autores do pedido reconvencional.
Custas a cargo dos Réus (cf. artigo 527.º, números 1 e 2, do C. P. Civil)”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela vieram os Réus interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1- O Mtº Juiz “a quo” analisou e valorou incorrectamente toda a prova produzida, a qual de per si e analisada conjugadamente teria que culminar na improcedência da acção e na procedência da Reconvenção.
2- O Mtº Juiz “a quo”, erradamente, mas também incompreensivelmente não deu crédito às declarações de parte do Réu GG, não deu crédito às testemunhas arroladas pelos Réus, não deu crédito ao relatório pericial que mereceu acordo unânime dos três peritos, não deu crédito aos vários documentos que foram juntos aos autos.
3- O tribunal “a quo” atribuiu credibilidade a testemunhas cujos depoimentos foram no essencial incongruentes, tendenciosos e falsos.
4- O Mtº Juiz “a quo” fez errada interpretação do clausulado do ajuizado contrato de arrendamento, tendo validado o mesmo quando na verdade e cumprindo a lei tinha que o considerar nulo e de nenhum efeito ao abrigo do alegado nos arts. 38º e 39º da contestação/reconvenção, quando ali se invocam os arts. 294º e 1070º, nº 1, ambos do Cód. Civil, e os nºs 1 e 8 do art. 5º, do Dec-Lei nº 160/2006, de 8 de Agosto.
5- Nos termos do disposto no nº 1 do art. 280º, do Cód. Civil, dado que o negócio que as partes pretendiam celebrar era legalmente impossível, o contrato é nulo.
6- O contrato é nulo também ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 401º, do Cód. Civil, posto que ocorre no caso dos autos uma impossibilidade originária da prestação, que conduz à nulidade do contrato, com os consequentes efeitos legais.
7- Declarando nulo o ajuizado contrato de arrendamento, os custos de todas as obras e benfeitorias que foram efectuadas nos imóveis devem ser suportados pelos Autores-Reconvindos, pagando aos Réus-Reconvintes o valor por estes peticionado em sede da reconvenção deduzida.
8- As obras efectuadas, também de conservação, constituem no seu todo benfeitorias que beneficiaram e valorizaram patrimonialmente os imóveis, pelo que o pedido reconvencional deve ser julgado provado e procedente.
9- Em sede do direito aplicado pelo tribunal “a quo” crêem os Recorrentes que toda a alegação nesse âmbito e as normas que aplicou para justificar a decisão são errados.
10- Cometendo, assim, ilegalidade, ao violar os acima invocados preceitos legais, bem como os que infra se vão elencar e invocar.
11- É certo que os Recorrentes celebraram o contrato de arrendamento dos ajuizados imóveis que destinaram desde o início ao exercício da actividade de um ginásio e actividades conexas, tal como é verdade que a então Senhoria, entretanto falecida, deu de arrendamento os imóveis para estes referidos exclusivos fins.
12- A presente acção de despejo, que tem como única causa de pedir e pedido a falta de pagamento de rendas, só deu entrada em juízo no dia 6 de Novembro de 2017, ou seja, só deu entrada quase SETE anos sobre a data em que os Recorrentes deixaram de pagar rendas.
13- Bem sabendo os Recorridos que o arrendado nunca chegou a ser utilizado para os fins que constam do contrato de arrendamento, nem para qualquer outro fim pelos Recorrentes
14- Ao entrar com a presente acção a pedir a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas ocorre por banda dos Recorridos uma gritante má-fé contratual e processual e um claro e manifesto abuso de direito – art. 334º do Cód. Civil -, devendo ser condenados a esse título com justa multa e indemnização, o que se requer..
15- Sobre os arts. 14.º, 15.º, 16.º e 17.º dos factos dados como provados pelo Mtº Juiz “a quo” importa levar em consideração as provas que foram carreadas para os autos, bem como os depoimentos ou declarações prestadas em sede de audiência de julgamento, que são suficientemente claros e inequívocos para infirmar aqueles factos dados como provados na sentença recorrida, o que se requer seja decidido.
16- A cláusula 4ª do contrato de arrendamento é clara no sentido de que o licenciamento ali referido é para obras e não para a obtenção de uma...

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