Acórdão nº 144/21.5YUSTR-D.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-07-13

Data de Julgamento13 Julho 2022
Ano2022
Número Acordão144/21.5YUSTR-D.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO
PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A., com os sinais identificativos constantes dos autos, impugnou judicialmente decisão proferida pela Autoridade da Concorrência datada de 10.11.2021 que indeferiu o pedido de acesso e consulta dos elementos desentranhados do processo referenciado nos autos.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
PINGO DOCE - DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A. («PINGO DOCE»), Visada no processo de contraordenação n.º PRC/2017/11, veio impugnar judicialmente a decisão proferida pela Autoridade da Concorrência (“AdC”) datada de 10.11.2021, por meio do ofício com a referência S-AdC/2021/3361, que indeferiu o pedido de acesso e de consulta dos elementos desentranhados do processo, pedindo que a decisão da AdC seja revogada e substituída por outra que defira os dois pedidos objeto do requerimento de 08.11.2021 e permita o acesso da Recorrente à(s) decisão(ões) de desentranhamento e simultaneamente aos elementos desentranhados.
2. Sustenta a sua pretensão nos fundamentos que sintetiza nas seguintes conclusões de recurso:
a. A(s) decisão(ões) da AdC que determinaram o desentranhamento da documentação apreendida a co-visadas nos autos, nomeadamente à Unilever, não foram notificados ao Pingo Doce, pelo que lhe foi vedada a possibilidade de se pronunciar sobre o(s) desentranhamento(s) da documentação apreendida, aliás, como a própria AdC reconhece.
b. No âmbito do RJC, a AdC não tem competência para analisar e decidir da relevância probatória dos elementos apreendidos, designadamente de mensagens de correio electrónico, nem para ordenar o desentranhamento de tal prova junta ao processo de contra-ordenação, como resulta da aplicação subsidiária dos artigos 17.º da Lei do Cibercrime e 179.º do CPP, ex vi artigo 13.º do RJC e 32.º do RGCO (cfr. também artigo 188.º, n.º 6, alínea c), do CPP).
c. Não é admissível uma interpretação das normas processuais que regulam a fase de inquérito do processo contra-ordenacional da qual resulte a emergência de uma espécie de ónus de suscitação de eventuais invalidades por parte de uma visada relativamente à preterição do exercício de direitos processuais (designadamente ao contraditório) de outra(s) co-visada(s).
d. No regime previsto no artigo 85.º, n.º 1, do NRJC, o interesse no recurso e a legitimidade recursiva dependem necessariamente da preexistência de um acto decisório ou de uma actuação de conteúdo decisório por parte da AdC, que seja dirigida à visada / recorrente.
e. A AdC não pode agora pretender opôr à Recorrente a falta de reacção e de impugnação judicial das decisões de desentranhamento (e o seu consequente carácter definitivo) no âmbito do PRC/2016/4, quando, na verdade, apenas esta autoridade tinha competência para determinar a sua notificação — dever esse que, em qualquer caso, não cumpriu e omitiu —, permitindo-lhe, com esse acto (em falta), conhecer o conteúdo e interpor o respectivo recurso daquelas decisões.
f. Com a execução das decisões de desentranhamento deixa de ser possível conhecer e aproveitar o eventual conteúdo relevante dos elementos por elas abrangida, não sendo possível salvaguardar qualquer garantia de contraditório relativamente ao conteúdo apreendido sobre o qual esta decisão venha a recair.
g. Trata-se, por isso, de uma questão distinta daquela que foi apreciada e decidida na decisão judicial invocadas pela AdC em abono da posição assumida na decisão de 10.11.2021 e que foi proferida no processo n.º 225/15.4YUSTR.L1. Por isso, as respostas num e noutro caso são necessariamente diferentes e não automaticamente transponíveis de uma situação para a outra, a saber:
i. No caso do aresto identificado na decisão condenatória está em causa a participação do visado na diligência em que é produzida a prova testemunhal, a qual fica registada nos autos e é, por isso, conhecida;
ii. Na decisão de desentranhamento, está em causa a remoção do processo com carácter definitivo, sem possibilidade de contradição, de elementos cujo conteúdo não chegará a ser conhecido por todos os visados no processo independentemente de nisso poderem ter um legítimo interesse (processual e/ou substantivo).
h. No recurso das medidas administrativas cuja sentença data de 25 de Outubro de 2016 (processo n.º 195/16.1YUSTR), o TCRS afirmou expressamente o dever de a AdC assegurar o efectivo direito de defesa dos visados no quadro do processo de contra-ordenação mesmo quando se trate do acesso a informação confidencial com eventual relevância exculpatória, por parte de alguma das co-visadas.
i. E o princípio afirmado nestes autos vale, em qualquer caso, ou seja, independentemente de se tratar de uma decisão de desentranhamento de prova potencialmente exculpatória ou de elementos que, tendo essa natureza exculpatória, se encontram adquiridos nos autos e sujeitos a um regime de confidencialidade.
j. Se é certo que o TCRS parece peremptório na afirmação da competência da AdC para proceder ao desentranhamento de elementos apreendidos e que se possam revelar irrelevantes para a investigação, já não é correcto afirmar que esta competência admite a desnecessidade de prévia audição dos intervenientes processuais (co-visadas) que por ela possam ser potencialmente afectados, muito em particular para lhes garantir a possibilidade de aferirem da sua utilidade para o exercício cabal do seu direito de defesa por força da sua relevância exculpatória.
k. Nenhuma das decisões judiciais identificadas na decisão permite afirmar o entendimento por ela assumido, sendo evidente que a AdC, ao negar o acesso à informação entretanto desentranhada dos autos, cerceou — e cerceia — ilegalmente o direito de defesa da aqui Recorrente.
l. A expurgação ilegal dos e-mails e «documentos» referida supra, e a consequente impossibilidade de acesso a prova potencialmente relevante para a defesa do Pingo Doce, viola o disposto nos artigos 31.º, n.ºs 1 e 2, e 33.º do RJC e cria uma radical e insanável dúvida acerca da verdade dos factos vertidos na decisão condenatória, impondo o arquivamento dos autos quanto à ora Recorrente.
m. Sendo inconstitucional a normas extraída por interpretação conjunta daqueles preceitos do RJC, segundo a qual é admissível o desentranhamento de documentos dos autos sem que à Recorrente seja dada a possibilidade de conhecer o seu conteúdo e ainda que os mesmos possam ser relevantes para o cabal exercício do seu direito de defesa, nos termos dos artigos 32.º, n.os1, 5 e 10, da CRP e 6.º da CEDH, a par da violação do direito a um processo justo e equitativo, o princípio da igualdade de armas dos sujeitos processuais (artigo 20.º, n.º 4 da CRP) e ainda os princípios da boa-fé e da transparência a que os órgãos e agentes administrativos devem respeito na sua actuação (artigo 266.º, n.º 2, da CRP).
3. A AdC apresentou alegações, nas quais pugna pela manutenção da decisão impugnada, sintetizando os seus argumentos nas seguintes conclusões:
a) É à AdC que compete conduzir o processo contraordenacional, do modo que considere mais correto e eficiente, sendo, portanto, o dominus da fase e inquérito do processo contraordenacional.
b) Nos termos do artigo 17.º da LdC, o legislador conferiu a esta Autoridade a competência para dirigir a fase de inquérito, sendo, neste quadro, a AdC a entidade competente para determinar quais os documentos obtidos no âmbito da sua investigação que devem manter-se no processo, porque relevantes para decisão final, e quais os documentos que devem ser expurgados do mesmo, porque irrelevantes.
c) Não existe qualquer obstáculo legal ou impedimento processual para que a AdC proceda ao desentranhamento e devolução de documentos entretanto considerados irrelevantes, inócuos e desnecessários para o apuramento da responsabilidade sancionatória das visadas, em linha com a posição jurisprudencial.
d) A competência da Autoridade da Concorrência para realizar o desentranhamento de documentos do processo promove a eficiência processual, zela pela viabilidade do próprio procedimento em questão e evita a sobrecarga dos processos com documentos irrelevantes e a oneração das empresas com classificações de confidencialidade de documentos desnecessários, bem como o problema do acesso aos documentos não utilizados como meios de prova, na medida em que os mesmos deixam, desde logo, de constar do processo.
e) De igual modo ocorre no quadro da Comissão Europeia, em que os documentos não utilizados não são mantidos no processo. No processo apenas ficam os documentos incriminatórios (Comunicação da Comissão relativa às regras de acesso ao processo nos casos de aplicação dos artigos 81.º e 82.º do Tratado CE, artigos 53.º, 54.º e 57.º do Acordo EEE e do Regulamento (CE) n.º 139/2004 do Conselho (2005/C 325/07)).
f) Os elementos desentranhados a que a Recorrente se refere reportam-se a documentação apreendida nas instalações de outra empresa visada, in casu a Unilever, que, na qualidade de titular dos elementos em causa do desentranhamento, foi devidamente notificada da decisão da AdC.
g) Não resulta da Lei da Concorrência, nem dos demais diplomas legais correlacionados, a necessidade/imposição de a AdC notificar as visadas no processo do desentranhamento de documentos apreendidos nas instalações de uma terceira visada.
h) Nada há que impeça que qualquer empresa Visada, sendo notificada de uma Nota de Ilicitude e, assim, tomando conhecimento dos elementos incriminatórios de que a AdC dispõe e pretende usar para imputar a infração, requeira a junção aos autos/apresente elementos probatórios que considere relevantes para a sua defesa. Elementos esses que poderão ser de qualquer natureza e ser de qualquer titular.
i) A Recorrente Pingo Doce não demonstra em
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