Acórdão nº 14392/23.0T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 11-01-2024

Data de Julgamento11 Janeiro 2024
Número Acordão14392/23.0T8PRT.P1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 14392/23.0T8PRT.P1


Sumário:
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1. Relatório
A..., LDA., veio requerer procedimento cautelar comum contra R. B..., Lda., e contra C... - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., com fundamento, em síntese, na celebração de um contrato de empreitada a primeira requerida, cujo cumprimento é garantido por garantia bancária à primeira solicitação, ou on first demand como é conhecido.
No requerimento inicial descreve o contrato de empreitada, obrigações contratuais entre as partes e o seu cumprimento/incumprimento nomeadamente no que se refere a trabalhos executados ou não executados e prazos, acrescentando que a 1.ª requerida acionou a 08/08/2023 a garantia bancária mencionada, formulando os seguintes pedidos:
a) ordenar-se à 2.ª requerida que até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na ação principal de que este procedimento cautelar é dependente não pague à 1.ª requerida nenhuma quantia por conta da garantia bancária
b) ordenar-se à 1.ª requerida que se abstenha de praticar qualquer ato com vista ao acionamento ou ao pedido de pagamento de quaisquer quantias junto da 2.ª requerida relativas à sobredita garantia bancária.
As requeridas foram citadas tendo a primeira deduzido oposição a requerida pugnando pela improcedência do procedimento cautelar, com vários fundamentos que não foram apreciados.
Foi, depois da citação, proferido despacho liminar, nos termos do qual foi indeferida liminarmente o procedimento, argumentando-se, em suma que:
Estamos perante uma garantia autónoma entendida como “como aquela que não oferece a menor dúvida por decorrer com absoluta segurança de prova documental em poder do ordenante ou do garante, ainda em casos de fraude manifesta ou abuso evidente por parte do beneficiário, de ofensa da ordem pública ou dos bons costumes pelo contrato garantido e, por fim, na existência de prova irrefutável de que o contrato base foi cumprido”.
“Esta prova, pronta e líquida, deve ser tida como indispensável, uma vez que está em causa o cumprimento de um contrato de garantia cuja característica dominante é a autonomia e será pronta, líquida e inequívoca quando permite a perceção imediata e segura do abuso, isto é, quando o torna óbvio, para isso não se mostra necessário requerer a produção de provas suplementares, proceder a medidas de instrução ou ouvir terceiros para estabelecer o abuso do beneficiário”.
Neste sentido, não há abuso ou má fé manifestos se houver necessidade de proceder a medidas de instrução.
Inconformada veio a requerente recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo “(…) o qual sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (artigos 644.º, 1, a), 645.º, 1, d) e 647.º, 3, d) do CPC)”.
Por despacho do relator foi alterado esse efeito do recurso, passando este a ser suspensivo nos termos do mesmo art. e 647.º, 3, d) do CPC).
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2.1. A apelante apresentou as seguintes conclusões:
1. Não se conforma a Recorrente com a sentença proferida pelo Tribunal a quo que indeferiu a providência cautelar rogada, a concretizar: uma providência cautelar inibitória que impedisse a execução da garantia bancária prestada pela 2.ª Requerida a favor da 1.ª Requerida.
2. O Tribunal a quo indeferiu a providência cautelar requerido sem ter produzido a prova rogada pelas partes, a concretizar: as declarações de parte e a inquirição das testemunhas.
3. Fê-lo por considerar que o decretamento da providência cautelar requerida está dependente da apresentação de prova pronta, líquida, irrefutável de uma violação flagrante e inequívoca das regras da boa-fé, que integre uma atuação manifestamente fraudulenta ou importe a violação de interesses de ordem pública (fumus boni iuris) e que só a prova documental pré-constituída pode, eventualmente, constituir tal prova.
4. Concluindo o Tribunal a quo que, in casu, inexiste a aludida prova.
5. Todavia, consideramos, com o devido respeito, que o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo não é correto, pois a prova pronta, líquida, irrefutável de uma violação flagrante e inequívoca das regras da boa-fé, que integre uma atuação manifestamente fraudulenta ou importe a violação de interesses de ordem pública (fumus boni iuris) pode ser obtida com recurso a qualquer um dos meios de prova admitidos para as providências cautelares não especificadas, mormente, a prova testemunhal.
6. Assim, a sentença proferida deve ser revogada, prosseguindo os autos para produção da prova requerida pelas partes, a concretizar: declarações de parte das Requerente e 1.ª Requerida e inquirição testemunhal.
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2.2. A requerida contra-alegou, nos seguintes termos:
A. A suspensão da decisão que não ordena a prestação de um facto negativo traduz-se já, em si mesma, numa atuação positiva indesejada e, no caso, ilegal – quase como na regra matemática dos sinais em que menos com menos dá mais, em razão que se apela aos Venerandos Juízes Desembargadores desta Relação do Porto que procedam a uma interpretação restritiva da norma contida no artigo 647.º, n.º 3, al. d), do CPC, pelas razões acima melhor explicitadas, e atribuam ao presente recurso efeito meramente devolutivo;
B. Independentemente do efeito do recurso, sempre o mesmo deve ser indeferido, porque a Recorrente incumpriu o seu ónus de identificação das normas jurídicas violadas, e bem assim a indicação do sentido com que o Tribunal a quo devia ter interpretado ou aplicado o direito;
C. Certo é que o tribunal recorrido não incumpriu qualquer norma legal, tendo-se limitado a decidir com base nos factos alegados e com base na prova que considerou relevante;
D. Bem andou o Tribunal ao ter considerado desnecessária a produção de prova testemunhal, porque da mesma não iria resultar a prova pronta, líquida e irrefutável de um abuso de direito da Recorrida R B..., uma vez que, dos factos articulados e dos documentos juntos para os demonstrar, já era evidente que esse abuso inexistia por completo;
E. Na verdade, não está alegado, nem, naturalmente, demonstrado pela documentação junta à petição inicial que é ilícita e abusiva a conduta da Recorrida R B..., verificando-se ao invés, pela leitura da oposição e documentos nela juntos, que existe um litígio entre as partes acerca da execução do contrato garantido, do seu incumprimento, e a quem se deve imputar o incumprimento do mesmo, pelo que a providência sempre teria de ser indeferida, sob pena de se subverter a finalidade para a qual a garantia foi configurada;
F. E com isto não há qualquer compressão do direito de produção de prova por parte da Recorrente:
G. Assim, a sentença está em conformidade com aquela que se julga
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