Acórdão nº 1436/21.9BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 10-02-2022

Data de Julgamento10 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão1436/21.9BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A AGERE – Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, E.M., vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário por N.... – A....., ACE, contra o acto de transferência do montante penhorado para a conta da exequente no valor de € 1.011.018,58, no âmbito do processo de execução n.º 6…, instaurado pela AGERE-Empresa de Águas Efluentes e Resíduos de Braga, E.M, para cobrança coerciva de dívidas relativas a uma tarifa de ligação de saneamento e ligação à rede pública de um imóvel sito no Lugar de Sete Fontes, na freguesia de São Victor, concelho de Braga.

A sentença recorrida considerou ser ilegal a transferência para a conta da Recorrente de montante penhorado em execução fiscal e que se encontrava à ordem de instituição bancária.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

“1ª A sentença recorrida considerou que a reclamação deveria subir de imediato por verificação de prejuízo irreparável, que poderia comprometer a continuação da actividade da empresa Recorrida.

2ª A Recorrida não alegou factos nem consequentemente apresentou provas da verificação de tal prejuízo irreparável, pelo que o juízo da sentença recorrida é absolutamente conclusivo, sem suporte factual.

3ª Inexiste qualquer prejuízo para a Recorrida, pois o montante transferido para conta bancária da Recorrente já estava penhorado, logo, a Recorrida estava impossibilitada de movimentar tal dinheiro, o qual assim continuará mesmo que seja procedente a presente reclamação, pois não está em causa o acto de penhora.

4ª A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, concretamente do artigo 278º/nºs 1 e 3 do CPPT, pois não se verifica prejuízo irreparável.

5ª A sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia quanto à questão da falta de lesividade do acto que constitui o objecto dos presentes autos, o que determina a sua nulidade nos termos do disposto no artigo 125º/nº 1 do CPPT.

6ª Os presentes autos nenhuma relação têm com o proc. nº 1255/21.2BELSB, pelo que é irrelevante o que ali foi decidido, mais ainda porque a respectiva sentença não transitou em julgado, tendo sido objecto de recurso por parte da Recorrente.

7ª O que foi solicitado ao Tribunal nos presentes autos foi apreciar a legalidade ou não da transferência do montante penhorado, mas sem que tal envolva a apreciação da legalidade ou não do acto de penhora, pois tal está fora do âmbito de jurisdição do presente processo.

8ª O artigo 223º do CPPT, na versão aplicável aos autos, não regula a situação em apreciação nestes autos, ou seja, nada dispõe sobre a possibilidade do credor/exequente requerer a transferência para si de montantes penhorados ao devedor que se encontrem em instituições bancárias.

9ª O artigo 223º do CPPT, ou qualquer normativo deste diploma legal, não proíbem o acto praticado pela Recorrente, pelo que este não é ilegal.

10ª Face ao vazio normativo do artigo 223º do CPPT seria caso de aplicar, subsidiariamente, o disposto nos artigos 227º, 228º/nº 2 e 229º/nº 2 do CPPT, pois nestes casos – penhora de quantias – o legislador previu a transferência imediata dos montantes para o órgão de execução.

11ª Inexistindo diferença substantiva entre todas as situações (na verdade são iguais no sentido de se tratar de penhoras sobre dinheiro), considera-se que é de aplicar à penhora de depósitos bancários as normas dos artigos 227º, 228º/nº 2 e 229º/nº 2 do CPPT, pelo que se reforça o entendimento da legalidade da actuação da Recorrente.

12ª A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, concretamente dos artigos 52º da LGT e 169º, 223º e 278º/nº 6 do CPPT.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por decisão que julgue a reclamação totalmente improcedente, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!”.

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A Recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

“I – A sentença proferida pelo Tribunal a quo não padece de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 125.º, n.º 1, in fine, do CPPT, tendo a mesma se pronunciado, em pleno, sobre todas as questões suscitadas pelas partes, pelo que a arguição da Recorrente deverá ser indeferida;

II – Ao presente recurso deve ser conferido efeito devolutivo, por não vir requerida a atribuição de efeito suspensivo ou tampouco alegado e demonstrado, por quem competia, que a atribuição de efeito devolutivo afeta o efeito útil do presente recurso – cf. artigo 286.º, n.º 2, do CPPT;

III – a) A subida diferida da reclamação no âmbito dos presentes autos esvaziaria de qualquer utilidade, quer a presente reclamação, quer a reclamação atinente ao ato de penhora, causando ao Recorrido um prejuízo irreparável;
b) A sentença a quo não defende nem julga a (i)legalidade do ato de penhora praticado; limita-se, pois, a analisar a legalidade da transferência do montante penhorado, à luz da factualidade relevante inerente ao processo de execução em apreço, julgando a atuação da Recorrente, corretamente, ilegal.
A postura censurável da Recorrente no presente processo, que confessa factos contraditórios em diferentes momentos dos autos, deverá ser valorada pelo Tribunal ad quem, aquando da apreciação da atuação processual da Recorrente, que se vem escudando por detrás do utópico regime previsto no artigo 104.º da LGT; questão que, aliás e segundo cremos, será de conhecimento oficioso;
Por outro lado, tendo a Recorrente requerido ao Banco M….. a entrega dos valores penhorados, havendo pendente de decisão 2 (duas) reclamações que, como vimos, influem na prossecução da execução, respeitando uma delas, em especial, ao ato de penhora praticado pela Recorrente, na aceção quer do artigo 278.º, n.º 6, do CPPT, quer do n.º 13 do artigo 780.º do CPC, aplicável ex vi artigo 223.º, n.º 3, do CPC, a atuação da Recorrente é ilegal, pelo que bem andou o Tribunal a quo em anular a mesma.
Assim, por não padecer dos vícios que lhe são imputados, deverá a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser confirmada e mantida na íntegra por V. Exas., julgando-se o recurso interposto pela Recorrente totalmente improcedente.
Nestes termos e nos demais de Direito, deverão V. Exas. julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente, confirmando e mantendo, na íntegra, a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.”.
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A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- OBJECTO DO RECURSO

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objecto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que importa decidir é saber se a sentença padece de erro de julgamento por ter considerado verificado o prejuízo irreparável quanto à subida imediata da reclamação e ter julgado ilegal a transferência de valores penhorados para a conta da Recorrente.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

1) A 25.10.2011, foi emitida uma certidão de dívida pela AGERE, E.M., da qual consta o seguinte:
(Imagem no original)
(cfr. fls. 2 e 3 do doc. n.º 007178909 do Sitaf).

2) Na sequência da emissão da certidão de dívida, foi instaurado pela AGERE- Empresa de águas Efluentes e Resíduos de Braga –EM contra o Reclamante o processo de execução n.º 6….., por dívidas relativas a tarifa de ligação de saneamento, constante da factura n.º 2…, no montante de €665.112,79, a qual tinha prazo de pagamento voluntário até 09.09.2011.
(cfr. fls. 1 e ss do doc. n.º 007178909 do Sitaf).

3) A 05.04.2021, o Reclamante apresentou Reclamação Graciosa contra o ato constante da deliberação do Conselho de Administração da AGERE, proferido em 22.06.2011, que decidiu liquidar a «tarifa de ligação de saneamento» e a «vistoria de ligação», bem como contra o respetivo ato de liquidação, emitido em 25.08.2011, no montante de €665.112,79.
(cfr. artigo 20.º da petição e doc. n.º 007164804 e doc. n.º 007178909 do Sitaf)

4) A 05.04.2021, o Reclamante apresentou um requerimento, dirigido ao presidente do conselho de administração da AGERE, E.M., a solicitar a suspensão do processo de execução fiscal, mediante a prestação parcial de garantia, através de caução no valor de €665.112,79 e...

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