Acórdão nº 1434/21.2T8GRD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 28-06-2022

Data de Julgamento28 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão1434/21.2T8GRD.C1
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra
Processo nº 1434/21.2T8GRD.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Helena Melo

2º Adjunto: José Avelino Gonçalves

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

P..., Lda., intenta a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra V..., Lda.,

Alegando em síntese:

tendo a Ré, em outubro de 2019 e com o acordo da aqui autora, adquirido à Banco 1 o imóvel onde a autora exercia e exerce a sua atividade, entre autora e Ré foi decidido que a Ré se comprometia a vender o imóvel à autora e esta a comprar-lho, pelo preço de 200.000,00 €, o qual seria pago em prestações mensais de 1.400 € por mês, com início em janeiro de 2020, prestações que passariam a 3.000 € mês volvidos 2 anos, pagando a autora integralmente o capital ainda em dívida no termo desse período, formalizando-se o contrato prometido;

dando-se conta de que, havendo contrato promessa formal, teria a autora de pagar, de imediato, o IMT e correlativo imposto de selo, o que importaria no desembolso de cerca de 14.600,00 €, quantia que na altura a autora não dispunha, resolveram ficcionar um contrato de arrendamento;

tendo a autora três prestações em atraso, bem como os pagamentos do IMI e do prémio do seguro, veio a autora a receber uma notificação judicial avulsa na qual a ré, invocando o contrato cuja simulação não ignorava, lhe pretendia pôr termo, atuação que culminou com o pedido de despejo.

Em consequência, pede que se:

a) Declare nulo, por simulação, o contrato de arrendamento celebrado em 2 de Janeiro de 2020, entre a autora e ré;

b) Considere válido o negócio subjacente, contrato promessa de compra e venda.

Tendo-se procedido à citação da Ré, e na ausência de apresentação de contestação, foi proferido Despacho a considerar confessados os factos articulados pela autora.

Notificadas as partes nos termos do artigo 567º, nº2, CPC, apenas a autora apresentou alegações, após o que foi proferida Sentença a julgar a ação procedente:

I. Declarando nulo, por simulação, o contrato de arrendamento celebrado em 2 de janeiro de 2020, entre a autora e ré;

II. Considerando válido o negócio subjacente, contra promessa de compra e venda, descrito nos artigos 13º a 21º da petição inicial, tendo por objeto o prédio descrito sob o nº ...92 na Conservatória do Registo Predial ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...15 da União de Freguesias ... (... e ...) e ....


*

Inconformada com tal decisão, a Ré interpõe recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

5.1)- encontram-se a correr termos em simultâneo, mas instâncias distintas, dois processos relacionados com as mesmas partes, a saber – Proc. nº 1172/21.... (Ação Especial de Despejo) – a correr termos no Balcão Nacional do Arrendamento e a no Juízo de Competência Genérica ..., e a ação de Processo Comum – Proc. nº 1434/21.... – a correr termos no Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juiz ..., não tendo até ao momento nenhum deles transitado em julgado;

5.2.)- há simulação sempre que concorram, cumulativamente três requisitos: a) divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes; b) combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração (acordo simulatório); e c) intenção, intuito ou prepósito de enganar ou prejudicar terceiros. Mais, quando não tenha havido intenção fraudulenta, isto é, de prejudicar terceiros (animus nocendi) – caso mais frequente – haverá simulação se existir o intuito ou propósito de enganar terceiros (animus decipiendi);

5.3)- ora, de um ponto de vista, puro e duro do direito civil, em verdade o negócio celebrado não está ferido de nulidade por simulação, porquanto não se mostra preenchido um dos requisitos imperativos da definição de simulação, concretamente a intenção, intuito ou prepósito de enganar ou prejudicar terceiros;

5.4)- não estamos nos presentes autos perante uma simulação absoluta do contrato de arrendamento;

5.5)- para o contrato de arrendamento e quanto à sua forma, bastará o mesmo ser celebrado por escrito e assinado por todas as partes envolvidas, na qualidade que aí outorgam. O que não acontece com o contrato de promessa de compra e venda com eficácia real e tradição da coisa, cuja forma obriga não só à forma escrita, como à liquidação e pagamento das obrigações fiscais inerentes à tradição da coisa, ao registo da eficácia real junto da Conservatória do Registo Predial, bem ainda como, e mais importante, a realização de Termo de Autenticação para conferir validade ao contrato em causa;

5.6)- logo, considerando-se como válido o pretenso contrato de promessa de compra e venda, sempre o mesmo seria nulo por falta de forma legal, nos termos do artigo 220º do Cód. Civil;

5.7)- caso se mantenha como válido o contrato subjacente, então diremos que também este contrato de promessa de compra e venda se encontra definitivamente incumprido, pelo não cumprimento do pagamento das prestações periódicas mensais;

5.8)- a ré/recorrente desconhece em absoluto quem seja a Senhora AA, subscritora do aviso de receção associado à citação;

5.9)- a referida AA não é, nem nunca foi a legal representante da ré/recorrente, nem é funcionária da mesma, nem tem com a ré/recorrente qualquer relação ou vínculo de qualquer natureza nem outro, que a constitua no dever de lhe comunicar a ocorrência de atos praticados por terceiro que a tenham por destinatário ou lhe digam respeito, como o caso dos presentes autos;

5.10)- tem o legal representante da ré/recorrente conhecimento efetivo que quem está incumbido de receber toda a correspondência dirigida à ré/recorrente é uma outra Senhora de nome BB, portadora do Cartão de Cidadão emitido pela República Portuguesa com o nº ...27 5ZX4, com domicilio conhecido na ... ...;

5.11)- mostra-se assim justificadamente ilidida a presunção de que a ré/recorrente não teve conhecimento da sua citação em momento algum, só tendo tido conhecimento que havia sido citada – na pessoa de AA – aquando da consulta dos autos após junção de procuração, a favor da subscritora do presente expediente processual;

5.12)- assim, e em jeito de conclusão e nos termos da al. e) do nº1 o artigo 188º do Cód. Proc. Civil fica demonstrada a falta de citação da ré/recorrente, motivo pelo qual, e a entender-se essa falta de citação, não poderia ter contestado a ação, e consequentemente não poderia os factos pela autora/recorrida alegados na petição inicial ter sido considerados como confessados e ter sido tomada a decisão que ora se põe em causa;

5.13)- em face do alegado, e nos termos do já referido artigo 188º, nº 1 al. e), e ainda nos termos dos artigos 189º e nº2 do artigo 191º, todos do Cód. Proc. Civil desde já se requerer que seja declarada a nulidade da citação da ré/recorrente, e consequentemente, nos termos do disposto no artigo 187º do Cód. Proc. Civil, requer-se a nulidade de todo o processado após a petição inicial;

Termos em que, e nos melhores de direito cujo suprimento antecipadamente se requer, deve o acórdão revidendo ser substituído por outro que contemple tudo quanto vem de alegar-se, assim se fazendo a habitual sã e serena justiça!.

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A autora apresentou contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso, apoiadas nas seguintes conclusões:
A- A citação foi regularmente efetuada;
B- Ainda que o não tivesse sido, (o que se admite apenas só por hipótese de raciocínio) sempre a eventual irregularidade/nulidade que a pudesse afetar se encontra sanada, porquanto não foi suscitada aquando da junção da procuração (em 15/02/2022) no cumprimento do estipulado no artº 189º do CPCivil.
C- Pelo que, tal apreciação teria de ser feita no Tribunal da 1ª Instância e não em sede de recurso.
D- Não tendo sido apresentada contestação, os factos alegados na petição têm-se por legalmente confessados, portanto fixados.
E- Face a tal factualidade, é absolutamente irrepreensível o doutamente decidido na sentença recorrida.
F- A qual é portanto de manter.
G- Quanto à referência feita pela recorrente nas suas alegações à existência de processo a correr termos no Balcão Nacional de Arrendamento, tal não revela aqui, pois que, como foi decidido inexiste (nem nunca existiu) o contrato de arrendamento que a Ré pretende.
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Dispensados os vistos legais, ao abrigo do disposto no artigo 657º, nº4, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Nulidade da citação da Ré por efetuada na pessoa de terceiro que não é seu legal representante ou trabalhador
2. Se se verifica a nulidade do contrato de arrendamento por simulação.
3. A verificar-se tal simulação, se o negócio querido pelas partes é nulo por falta de forma.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

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1. Nulidade da citação da Ré por ter sido efetuada na pessoa de terceiro que não é seu legal representante ou trabalhador

No final das suas alegações de recurso, vem a Ré invocar a nulidade da sua citação, pelo que, não deveriam ter sido confessados os factos, pedindo que se declare a nulidade de todo o processado posterior à petição inicial.

Para tal, alega não ter tido conhecimento da sua citação, que ocorreu na pessoa de AA, que assinou o aviso de receção, pessoa que a Ré desconhece em absoluto e que nunca foi sua legal representante ou funcionária, nem tem com a Ré qualquer vinculo que a constitua no dever de lhe comunicar a ocorrência de atos praticados por terceiro, sendo que, quem está incumbido de receber toda a sua correspondência é uma outra senhora de nome CC.

Há falta de citação, entre outras situações, “quando se demonstre que o...

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