Acórdão nº 1421/20.8T8CSC.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-12

Ano2023
Número Acordão1421/20.8T8CSC.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. Relatório
L… veio requerer que se proceda a inventário para a partilha dos bens comuns do dissolvido casal, sendo requerido R….
Citado, o requerido veio deduzir oposição ao inventário, invocando que celebrou com a requerente, em 28.02.2018, um contrato promessa de partilha que já se encontra a ser executado, tendo o requerido já pago, por conta das tornas nele previstas, as quantias de €22.000,00, com a celebração do contrato promessa, e €6.900,00, em 31.12.2018; agindo a requerente em abuso de direito.
Notificada da oposição apresentada, a requerente respondeu, alegando que o contrato promessa não é válido, foi incumprido pelo requerido, sendo este quem age em abuso de direito.
Por despacho de 16.04.2021, foi admitida a oposição ao inventário apresentada pelo requerido, bem como a resposta da requerente e os documentos apresentados por ambas as partes e designada data para tomada de declarações de parte ao requerido.
Realizada a prova oferecida, foi proferida decisão a julgar procedente a oposição deduzida pelo requerido e a ordenar o arquivamento do processo de inventário.
Inconformado com a decisão proferida, veio a requerente recorrer, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1. Por sentença datada de 01 de Novembro de 2021, considerou o tribunal “a quo”, procedente a oposição ao inventário deduzida, e determinou o arquivamento do inventário.
2. A requerente não pode concordar com a douta Sentença, nomeadamente quanto aos efeitos do incumprimento do Contrato de promessa de partilhas, e por violação do art.º 1730º n.º 1C.C. – Nulidade do Contrato de promessa
3. A douta sentença recorrida considera provados resumidamente que:
- A requerente e o requerido contraíram casamento civil, sem convecção antenupcial, no dia 13-09/2001;Que no dia 30-10-2018 o referido casamento foi dissolvido, tendo sido elaborada relação de bens; Que do acervo patrimonial, fazem parte do ativo a verba 1 (casa de morada de família) com o valor comercial de 600 mil euros, verba 2 (quota de sociedade) com o valor de 5 mil euros e verba 3 (veículo) com o valor de 16.500€ - Ativo total de 621.500,00€; Como passivo o património conjugal tem como verba 1 – 254.983,49€ - mútuo para aquisição de casa de morada de família, verba 2 - 30.619,64€ - mútuo, verba 350.426,11€ - mútuo, verba 4 – 7 mil euros - mútuo, verba 4 mil euros – honorários, total do passivo – 347.029,24€; Que foi outorgado Contrato de promessa de partilhas Contrato de partilhas e outros convénios, no dia 28/02/2018; Que a verba 2º e 3º do ativo eram atribuídos ao cônjuge marido, no valor de 21.500€; Que a verba 1º do ativo, no valor de 600 mil euros, seria transferida para o cônjuge marido, cumpridos que fossem o pagamento integral do mútuo, verba 1 do passivo e cumprido que fosse o pagamento da obrigação constante da Clausula Quinta n.º 2 – tornas no valor de 56.500€ - 22 mil euros com a assinatura do contrato de promessa, e 5 prestações de 6.900€; A requerente abriga-se ao pagamento integral do mútuo, passivo verba 3, de 50.426,11€; O Requerido não procedeu ao pagamento de qualquer quantia no ano de 2019; A requerente em Janeiro de 2020, considerou o contrato incumprido definitivamente. 4. A Sentença recorrida considera que o contrato foi validamente celebrado, e não atribui relevância ao incumprimento do requerido que aliás é reconhecido pelo próprio em sede de declarações que prestou ao tribunal.
5. Não se trata de uma simples mora, mas sim de uma intenção expressa e assumida de não cumprir com o contrato de promessa, que aliás nem foi contestada pelo requerido, promitente faltoso.
6. Num quadro de incumprimento abrem-se ao promitente fiel, dois caminhos, que são a execução específica e a resolução do contrato-promessa.
7. O art.º 809º do C.C., que refere ser nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer direito que lhe seja facultado nos casos de não cumprimento.
8. O recurso à execução específica cai por terra, porquanto contrato-promessa foi resolvido com base no incumprimento definitivo do promitente faltoso.
9. Pelo que, ficou o contrato-promessa destruído por vontade do promitente fiel, que não poderá assim, exigir o cumprimento daquele.
10. Cai também por terra o acordo que existiu, que legitimava uma partilha extrajudicial e precludia o direito da Requerente de avançar com a presente ação de inventário para partilhas.
11. O Requerido assumiu o incumprimento de forma voluntária e livre.
12. O incumprimento por parte do requerido, concede a requerente, a faculdade de resolver o contrato, conforme estipula o art.º 801º e 799º do C.C..
13. A Sentença recorrida, diz que “relativamente ao incumprimento alegado pela requerente e que foi reconhecido pelo requerido... o que a requerente poderá fazer, acaso assim o entenda, é proceder a Execução específica do Contrato de promessa...” esquartejando o direito da requerente em resolver o contrato, reconhecidamente incumprido pelo requerido.
14. Os contratos são uma fonte de obrigações, mas essa fonte de obrigações extingue-se nos casos admitidos por lei, como bem estipula do art.º 406º n.º 1 do C.C.
15. O que a douta sentença faz, é obrigar a requerente a cumprir o que foi incumprido pela parte contrária, como se desse incumprimento não existem consequências, nomeadamente e o direito da requerente fiel, resolver o contrato.
16. A Douta Sentença, não se pronuncia, sob o facto de, se por ter ocorrido incumprimento por parte do requerido, legitima a requerente a prosseguir com a presente ação.
17. A douta sentença não fundamenta, os motivos pelos quais não considera a resolução invocada pela Requerente, nada dizendo sobre a mesma.
18. A sentença enferma de nulidade, por não especificar os fundamentos de facto e direito que justificam a decisão, e porque não se pronuncia sobre questões que se devia pronunciar, nomeadamente, relativamente ao direito de a Requerente considerar o contrato resolvido por incumprimento do requerido. (art.º 615º n.º 1 al. a) e b) do C.P.C.
19. Acresce que o referido contrato viola de forma flagrante o art.º 1730º n.º 1C.C., o que foi levado ao conhecimento do Tribunal “a quo” e que fica também claro, pela simples analise aritmética dos valores apresentados e levados pela Sentença como facto provados.;
20. Ao requerido marido seria atribuído a totalidade do ativo – 100‰, no valor global de 621.500,00€ e assume o pagamento do passivo no valor de 281.293,33.
21. A requerente mulher assume o pagamento de 65.735,93€ e recebe 56.500€, a pagar em prestações.
22. De um acervo patrimonial líquido de 274.470,76€ (diferença entre o passivo e o ativo) à requerente cabe um saldo negativo de -9.235,93€.
23. Ao requerido marido é atribuído o valor líquido de 340.206,67€. 24. “As atribuições patrimoniais vertidas no contrato-promessa celebrado entre as partes são ostensivamente desproporcionais em cristalino prejuízo da requerente mulher, violando o preceituado no primeiro segmento do art.º 1730.º/1, do Código Civil, pelo que o predito contrato é linearmente nulo” Acórdão do STJ de 22.2.2007, proc. n.º 07B312.
25. É por demais evidente que é violada de forma monstruosa, desmedida, extravagante a “regra da metade” prevista pelo 1730º n.º 1 do C.C., sendo atribuído à requerente um saldo negativo de mais de nove mil euros.
26. O referido contrato é nulo, nulidade do conhecimento oficioso do tribunal.
27. Veja-se o que decidiu o STJ, no Proc. 991/10.3TBESP.P1.S1., de onde se conclui que, por maioria de razão, se numa situação em que os formalismos todos foram cumpridos, ainda assim se entende que, a escritura de “partilha extrajudicial” é nula, por violação da regra do 1730º do C.C., no caso dos presentes autos, em que não existe uma ato formal de partilha, mas sim uma promessa da mesma, terá de se entender de igual forma.”.
Pugna, assim, a recorrente pela integral procedência do recurso e consequentemente pela substituição da decisão recorrida por outra que julgue improcedente a oposição ao inventário e que determine o prosseguimento dos autos de inventário com vista à partilha.
Foram apresentadas contra-alegações, que não foram admitidas por intempestivas.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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No caso vertente, as questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:
- da nulidade da decisão recorrida, por não especificar os fundamentos de facto e direito que justificam a decisão, e porque não se pronuncia sobre questões que se devia pronunciar, nomeadamente, relativamente ao direito de a Requerente considerar o contrato resolvido por incumprimento do requerido; e
- da invalidade (ou incumprimento) do contrato promessa de partilha e suas consequências, nomeadamente, quanto ao prosseguimento do processo de inventário.
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III. Fundamentação
3.1. Fundamentos de facto
Factos considerados provados em Primeira Instância:
1. Requerente e requerido contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, em 13 de Setembro de 2001, tendo o mesmo sido lavrado sob o n.º 294/2001 atualmente com o n.º 1113/2018 ambos da Conservatória do Registo Civil de Mafra.
2. Em 30 de Outubro de 2018 foi o casamento dissolvido por divórcio, o qual correu termos na Conservatória do
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