Acórdão nº 14051/21.8T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-10-27

Data de Julgamento27 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão14051/21.8T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 14051/21.8T8PRT.P1 – 3ª Secção (Apelação) - 1472
Acção Popular – Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 1


I.
AA instaurou acção declarativa popular de condenação, sob a forma única de processo, contra F..., LDA.
Pediu a condenação da ré a:
A- Reconhecer que os consumidores, autores populares, incluindo o autor, têm direito a que lhe seja entregue o bem e serviço conforme o contrato de compra e venda;
B- Reconhecer que em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, os consumidores, autores populares, incluindo o autor, têm direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição;
C- Reconhecer que impõe aos consumidores, autores populares, incluindo o autor, a celebração de um contrato (acessório ao contrato de compra e venda) com cláusulas gerais para que estes assim e só assim possam exercer o seu direito à garantia;
D- Reconhecer que impõe aos consumidores, autores populares, incluindo o autor, um entrave extracontratual oneroso e desproporcionado quando os autores populares, incluindo o autor, pretendem exercer os seus direitos contratuais, incluindo o exercício do direito a garantia, está a praticar um comportamento comercial agressivo que é qualificado como assédio, a coacção ou a influência indevida;
E- Reconhecer que o comportamento supra descrito nos pontos C e D, tido com o autor e demais autores populares, é ilícito;
F- Abster-se de realizar as práticas comerciais agressivas e ilegais mencionadas nos pontos C e D supra;
G- Permitir que os autores populares, incluindo o autor, possam exercer o direito à garantia consagrado na Lei sem necessidade de celebrar um novo contrato ou contrato acessório, como aquele que a ré tenta impor quando algum autor popular tenta exercer tal direito;
H- Reconhecer que agiu com culpa e consciência da ilicitude no que respeita aos factos supra referidos, seja quanto ao autor, como quanto aos autores populares;
I- Reconhecer que com esse comportamento lesaram gravemente os interesses do autor e dos demais autores populares, nomeadamente sonegando-lhes o direito à garantia.
Em consequência, pediu ainda a condenação da ré a:
J- Em relação ao autor e aos demais autores populares:
a. Repor a falta de conformidade do bem com o contrato sem qualquer encargo, ónus ou necessidade de novo contrato ou contratos acessórios, por meio de reparação ou de substituição nos termos dos artigos 4(1)(5) e 5(1) do Decreto Lei 67/2003;
b. Uma indeminização por todos os danos que causaram na esfera jurídica e patrimonial do autor e dos autores populares devido ao comportamento ilícito supra descrito, nomeadamente, mas não exclusivamente, da privação de uso e de todos os custos que os autores populares tenham incorrido para poderem exercer a frustrada tentativa de exercer o legitimo direito à garantia.
Considerando ser no caso do autor possível de concretizar, já neste momento, o pedido, fê-lo do seguinte modo:
c. Repor a falta de conformidade dos auriculares adquiridos em 29.04.2021 (a que corresponde a factura ...) por meio de reparação ou substituição;
d. Pagar a quantia de 5 euros por dia a contar desde 07.09.2021 até à reposição do bem desconforme;
e. 10 euros a titulo de danos morais e que resultaram da lesão da tranquilidade, do bem-estar físico e psíquico, tudo devido ao comportamento ilícito da ré, o que levou obviamente a algum sofrimento físico e moral, perda de confiança nas normas e nas relações comerciais, ainda que o autor atribua culpa deste comportamento despregado, ostensivo e arrogante da ré à falta de inacção da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica que deviria sancionar e impedir tais comportamentos, mas que inexplicavelmente não o faz;
f. Assim como uma indeminização dos custos suportados pelo autor a
propositura desta acção, não obstante o carácter popular da mesma e a “teoria das custas de parte”;
g. Os juros que se vencerem à taxa legal aplicável a cada momento contados desde a data do vencimento da obrigação de indemnizar até integral pagamento.
No caso de qualquer um dos pedidos supra procederem, pediu ainda a condenação da ré a:
L- Enviar a sentença que vier a ser proferida a todos os seus clientes e/ou ex-clientes, potenciais autores populares e nessa qualidade titulares dos interesses identificados, para que estes, querendo, façam valer os seus direitos nos termos da Lei 84/95 artigo 22(3).
Como fundamento, alegou, em síntese:
- O autor é uma pessoa singular que, em 29.04.21, adquiriu um produto à ré destinado a uso não profissional, pelo que tem a qualidade de consumidor, como a maioria dos clientes da ré;
- Adquiriu um auricular Swingson True II, que não apresenta as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o autor podia razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem, designadamente, o auricular direito emitia a um volume sonoro máximo quase inaudível e muitíssimo inferior ao emitido pelo auricular direito;
- Perante a falta de conformidade do auricular, que foi notória logo no momento em que o mesmo foi adquirido, o autor dirigiu-se, assim que teve oportunidade, à ré a fim de que esta repusesse o auricular sem encargos por meio de reparação ou de substituição;
- A ré só admitiu aceitar o auricular para efeito de reparação ao abrigo da garantia caso o autor celebrasse o contrato designado como “CONDIÇÕES GERAIS REPARAÇÕES E SERVIÇOS PÓS VENDA”, que o autor anexa como documento n.º 2;
- Tal contrato onera sobremaneira os consumidores no exercício do seu direito de garantia, já que exige uma taxa de orçamento de € 20,00, impõe uma taxa de armazenamento caso os equipamentos não sejam levantados após a sua reparação, reduz o prazo de garantia de 2 anos para 6 meses em caso de baterias, carregadores e outros bens equiparados;
- A ré coage os consumidores em geral, seus clientes, autores populares, a aderirem a um contrato desproporcional, o qual não podem modificar, para assim e só assim poderem exercer o direito à garantia, quando deveria ser bastante a apresentação do bem ou serviço desconforme e a prova da sua aquisição para exercer um direito consagrado na Lei; o autor e restantes autores Populares, ou aceitam aderir ao dito contrato, ao não vêem o seu bem ou serviço reparado ou substituído, ficando neste último caso privado do seu uso;
- O quadro descrito verificou-se com o autor, que desde 07.09.21 (artigo adquirido em 29.04.21, segundo documento que anexa), data em que apresentou o bem para reparação e a mesma lhe foi recusada pela ré, deixou de poder utilizar o bem em conformidade com o uso que lhe seria expectável, incorrendo em danos patrimoniais e não patrimoniais;
No enquadramento jurídico dos direitos dos consumidores que entende serem violados pela actuação da ré, invoca o autor que é violado o direito a reposição, sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, sendo esta conformidade esperada do contrato de compra e venda, não podendo ser imposta aos consumidores a celebração de um novo contrato ou de um contrato acessório que condiciona a obrigação da ré de repor o bem ou prestar o serviço, o que traduz um condicionamento ao exercício do direito de garantia e utilização de assédio e coacção sobre os consumidores.
Justifica o recurso à acção popular e delimita o universo de autores como – que têm uma especial ligação com a presente demanda – como sendo todos clientes da ré, consumidores que, tendo-lhe comprado bens ou serviços e que foram ou podem vir a ser prejudicados com o comportamento ilícito da ré supra descrito, com a subsequente perda dos montantes despendidos na compra de tais bens e serviços e na privação de uso e, mais relevante, com a sonegação do elementar direito de garantia perfeitamente previsto na Lei e com força imperativa, tendo sido colocados numa situação de sujeição relativamente às vontades e coacção da ré.
No mais, invoca o dano por si sofrido e quantifica a sua pretensão indemnizatória, invocando elementos factuais que delimitam o seu interesse individual.
Mais refere, justificando o recurso à acção popular que “tal como o Autor, vários são os Autores Populares que ou aceitaram esse contrato desproporcional ficando sujeito às suas consequências e, portanto, foram onerados quando não deviam, ou simplesmente abriram mão do direito à garantia ficando privados do uso dos bens e serviços adquiridos e em desconformidade”.
Em justificação da necessidade de reenvio prejudicial, alega ainda que, ao impor um entrave extracontratual oneroso ou desproporcionado quando o autor e demais autores populares, consumidores em geral, pretendem exercer os seus direitos contratuais, incluindo o exercício de o direito a garantia, a ré está a praticar um comportamento comercial agressivo que é qualificado como assédio, a coacção ou a influência indevida.

De seguida, foi proferido despacho que, ao abrigo do disposto no artigo 13.º da Lei 83/95, de 31.08, por ser manifestamente improvável a procedência do pedido, indeferiu a petição de acção popular.

O autor recorreu, formulando as seguintes

CONCLUSÕES
“1. Os Autores, ora Recorrentes, notificados da douta sentença proferida nos presentes autos e não se conformando com a mesma, vêm interpor RECURSO DE APELAÇÃO, sobre a matéria de facto e de direito, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 644 (1,a) e 647 (1), todos do CPC.
2. A Meritíssima Senhora Juíza de direito, ponderada toda a matéria de facto e de direito, decidiu julgar improcedente a ação, indeferindo a mesma, por considerar ser manifestamente improvável a procedência do pedido (cf. artigo 13 da Lei 83/95).
3. Tal juízo liminar do Tribunal a quo é sustentado no entendimento que é legal exigir aos consumidores que aderiam a um contrato, com o qual não concordam, o qual não podem modelar
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