Acórdão nº 1394/16.1YLPRT-D.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-03-03

Ano2022
Número Acordão1394/16.1YLPRT-D.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


1.–Por apenso ao procedimento especial de despejo que corre termos no Juízo Local Cível de … e foi proposto em 07/06/2016 por AA…, por si e na qualidade de cabeça de casal, contra a Massa Insolvente…., Lda., veio BB, Lda., deduzir, em 16/12/2021, a presente oposição mediante embargos de terceiro, com função repressiva, pedindo que, uma vez recebidos os embargos, seja a embargante julgada única e exclusiva proprietária dos bens móveis arrolados nos autos principais, identificados no Doc. n.º 1 junto, e ordenado que os mesmos lhe sejam entregues pelo(s) depositário(s).

1.2.–Alega, para tanto que: os referidos bens móveis foram por si adquiridos por adjudicação em venda promovida pelo Serviço de Finanças de … no âmbito de processo de execução fiscal; por acordo celebrado entre a embargante e a primeira embargada (BB…), os referidos bens ficaram no edifício onde funcionava a Creche/Jardim de Infância, à guarda daquela; tais bens foram objecto de apreensão e arrolamento realizado no dia 08/07/2021 por Agente de Execução, no âmbito do procedimento especial de despejo, nos termos da alínea J) do artigo 15.º do NRAU; a embargante desconhecia tal facto até do mesmo ser informada pela legal representante da primeira embargada, já no decorrer do mês de Dezembro de 2021.

2.–Por Despacho datado de 04/01/2022, com a ref.ª Citius 134743136, indeferiu-se liminarmente a presente oposição por embargos de terceiro e absolveram-se os requeridos do pedido.

2.1.–Na referida decisão, aduzem-se, os seguintes fundamentos:
“(…)
Após a Reforma do Processo Civil de 1995/1996, o meio processual ora em análise passou a ser desenhado como incidental face ao procedimento no qual se realizou, decretou ou determinou o acto de apreensão de bens, configurando, contudo, uma ação declarativa, autónoma e especial, embora funcionalmente conexa com alguma ação ou procedimento latu sensu de função executiva[[1]].
Não se quedaram por aqui as modificações introduzidas no âmbito do meio processual ora em análise; aliás, as mesmas são mais incisivas no que respeita ao alargamento da legitimidade activa para a dedução dos embargos de terceiro. O que se revela, desde logo, de se ter desvinculado o meio de oposição em referência da “existência de posse”, admitindo que o mesmo se funde em qualquer direito (real ou obrigacional) incompatível com a realização ou âmbito da diligência judicial. Ao que acresce ter-se facultado o uso dos embargos de terceiro a qualquer possuidor - seja em nome próprio, seja em nome alheio -, desde que a posse exercida seja incompatível com os mencionados realização ou âmbito da providência do tipo executivo.[[2]]
Na densificação do conceito direito incompatível, afirma Lopes do Rego[[3]] que este se afere através da averiguação da titularidade de um direito que, ponderada a sua natureza e regime jurídico-material, não possa ser legitimamente atingido pelo acto de apreensão judicial dos bens em causa, por ser oponível aos interessados que promoveram ou quem aproveita a diligência judicialmente ordenada
Nesta senda, escreve Lebre de Freitas especificamente em relação ao acto de penhora[[4]]: Sabido que a penhora se destina a possibilitar a ulterior venda executiva, é com ela incompatível todo o direito de terceiro, ainda que derivado do executado, cuja existência, tido em conta o âmbito com que é feita, impediria a realização desta função, isto é, a transmissão forçada do objecto apreendido (cf. art. 910-1).
É incompatível com a penhora o direito de propriedade plena, que sempre impedirá a venda executiva do bem sobre o qual incide; ...
Assim, com recurso ao incidente previsto nos artigos 342.º e seguintes do Cód. Proc. Civil, pode o embargante invocar qualquer direito que seja incompatível com o acto de penhora, arresto, arrolamento, …, efectivando ou defender, além da posse, qualquer direito de conteúdo patrimonial ilegalmente afectado pela diligência judicial de tipo executivo, nomeadamente, e além do mais, o direito de propriedade sobre coisas que foram atingidas indevidamente pela diligência judicial[[5]], na medida em que, nos termos do artigo 601.º do Cód. Civil, apenas os bens do existentes na esfera patrimonial do devedor constituem a garantia patrimonial de qualquer dívida da sua titularidade, e no que especificamente concerne à acção executiva, somente os bens dos executados podem ser penhorados, tal como resulta do artigo 821.º do Cód. Proc. Civil.
É, assim, mister para aferir da legitimidade do embargante para defender qualquer direito incompatível com o acto judicialmente ordenado ou realizado, que o mesmo seja terceiro em relação ao procedimento judicial no âmbito do qual foi proferida a decisão reclamada[[6]]. Sendo certo que a estraneidade à relação processual no âmbito da qual o acto de apreensão foi realizado ou se encontra iminente, se deve aferir à data da realização ou da sua determinação[[7]].
Aplicando tudo o que acima se deixou exposto à factualidade adquirida nos autos, não restam dúvidas que deverão os presentes embargos improceder desde já. Isto porque a aqui embargante surge a defender a propriedade sobre os bens que elenca contra uma diligência que não foi judicialmente ordenada. Na verdade, o arrolamento alegadamente ofensivo do direito de propriedade da requerente não foi precedido de qualquer decisão judicial que o tenha ordenado, sequer tendo sido executado no âmbito do processo ao qual os presentes correm por apenso, já que estes se extinguiram aquando do trânsito em julgado da decisão judicial para desocupação do locado.
Ora, não será demais repisá-lo, a oposição mediante embargos de terceiro pressupõem sempre a existência de uma decisão judicial que potencialmente ofenda a posse ou outro direito de conteúdo patrimonial de alguém estranho ao pleito em que foi prolatada, constituindo uma particular reclamação tendente à revisão pelo mesmo órgão jurisdicional de questões sobre que incidiu a decisão de que aquela diligência derivou[[8]].
De resto, escreve Abílio Neto[[9]] Tanto na fase do arrolamento como na de remoção podem surgir conflitos acerca da propriedade de determinados bens ou da sua eventual qualificação como benfeitorias. A decisão sobre essas dúvidas ou divergências não cabe neste processo de despejo, devendo ser relegadas para a sede própria. Ou seja, a decisão tomada pelo executor, ou incluí-las ou excluí-las seja no arrolamento, seja na remoção, não priva a parte que se sinta prejudicada de procurar reverter a situação através dos meios comuns que tiver por adequados.
Não se verificando, assim, o pressuposto de que depende a dedução da presente oposição, a saber, a decisão judicial acima bastamente referida, não podem os presentes desde já deixar improceder:”

3.–Inconformados com o assim decidido, veio a embargante interpor o presente recurso de apelação, de cuja motivação extraiu as seguintes conclusões:
«1-Não tem razão o tribunal a quo;
2-Desde logo, porque o processo 1394/16.1YLPRT, durante mais de 5 anos, correu termos no tribunal a quo, que, diga-se em abono da verdade, nunca produziu uma decisão sobre o mesmo, nomeadamente, quanto aos numerosos requerimentos deduzidos;
3-Limitou-se a produzir decisões de secretaria ou de mero expediente, mas, como ficou sobejamente, demonstrado no presente, não faltaram decisões judicias, inclusive, do STJ;
4-É importante referir que o tribunal a quo, conhece que a embargante, não sabia da diligência;
5-O tribunal a quo, também não sabia, nem sabe, da realização da mesma;
6-Sabe que a embargante não tinha obrigação de saber;
7-Como sabe que, que a sede da embargante fica a mais de 300 km do local;
8-A apelante, desconhece, nem tem a obrigação de conhecer, a propositura da ação especial de despejo, a decisão proferida e transitada em julgado, a realização da diligência e o arrolamento de bens executado;
9-Não sabe, onde se encontram os bens, não sabe sequer, se os mesmos existem e, se sim, em que estado se encontram;
10-A apelante não duvida e, sabe que não restam dúvidas, que as partes envolvidas, sempre souberam quem é a proprietária dos bens;
11-Pelo que, nenhuma dúvida resta de que a propriedade da apelante foi alvo de ato, grave e grosseiramente, ofensivo do seu direito de propriedade;
12-Em 18-11-2017, o tribunal a quo, produziu uma sentença, segundo a qual, “Pelo exposto, julgo a presente integralmente improcedente, razão pela qual: a) Absolvo a R. da Instância relativamente ao do pedido de condenação no pagamento do montante peticionado; b) absolvo a R. do Pedido de despejo”;
13–Temos uma decisão judicial;
14-Em 14-01-2019, o STJ, certificou que os “presentes autos de Revista n.º 1394/16.1YLPRT.L1.S1, o douto acórdão que antecede, transitou em julgado em 07-01- 2019”.
15-Em 24/01/2019, o tribunal a quo, produziu a seguinte decisão: “Pelo exposto, determino que se comunique ao BNA que a decisão proferida ainda não transitou em julgado, devendo aguardar nova comunicação deste Tribunal quanto a tal.
16-O tribunal contradiz-se e, a lei e a Justiça. Não se compadecem com contradições, por ilegalidade;
17-A posição do tribunal sobre o requerimento deduzido pela Ilustre Mandatária da locatária, o que, com todo o respeito por diferente e melhor, configura uma grave omissão do dever de pronúncia, porquanto, a omissão de pronúncia, que está contemplada no art.º 615.º, n.º 1, al. d), 608.º, n.º 2;
18-Apenas existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação e não de argumentos invocados a favor da posição por si sustentada, falamos de “questões” e não de “argumentos” – Vide artigos 615.º, 156.°, 1, 158.°, 1, 660.°, 2, 668.°, 1, alíneas b) e d), do C.P.Civil;
19-Estamos mesmo, perante uma clara violação de disposições e de princípios constitucionais, nomeadamente, o
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