Acórdão nº 139/19.9T8CDR.C2 de Tribunal da Relação de Coimbra, 09-04-2024

Data de Julgamento09 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão139/19.9T8CDR.C2
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CASTRO DAIRE)

Apelações em processo comum e especial (2013) *

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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1 – RELATÓRIO

AA e cônjuge BB interpuseram ação declarativa de simples apreciação com processo comum contra CC e cônjuge DD peticionando que a ação seja declarada procedente e provada, e, consequentemente[2]:

«I - declarar-se que o antigo prédio, a que correspondia a inscrição matricial e descrição predial referidas no artigo 6º da petição inicial, foi fracionado em dois, por efeitos da sua divisão material e subsequente usucapião autónoma de cada uma das parcelas resultantes do referido fracionamento, assim descritas:

− parcela A, constituída por casa de habitação, barracões, pátio, galinheiro e eira, a confrontar do norte com o réu, do sul com caminho, nascente com herdeiros de EE e poente com FF, com a área global de 1.032,53m2;

− parcela B, constituída por casa de habitação, barracões e eira, a confrontar do sul com a autora, do norte com caminho, nascente com herdeiros de EE e poente com FF, com a área total de 678,53m2;

II – declarar-se, para todos os efeitos legais e inclusive para efeitos de correção matricial e registral que aos autores pertence, com exclusão de outrem, o direito de propriedade plena sobre a parcela A e aos réus com os mesmos fundamentos o direito de propriedade plena sobre a parcela B.»

Para o efeito alegaram, em síntese, o seguinte:

- que o prédio urbano que é casa de habitação de r/c com seis divisões e andar com 8 divisões e eira anexa, denominado ..., da freguesia ..., a confrontar do norte e sul com caminho, do nascente com herdeiros de EE, poente com FF, inscrita na matriz urbana da indicada freguesia ... sob o artigo ...40 e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sobre o n.º 1228 (certidão de registo predial a fls. 17-18 /189 e caderneta predial a fls. 15) mostra-se, desde 1979 (art. 3.º da Petição Inicial), dividido materialmente em duas parcelas com a seguinte constituição:

Parcela A - constituída por casa de habitação, barracões, pátio, galinheiro e eira, a confrontar do norte com a Parcela B, do sul com caminho, nascente com herdeiros de EE e poente com FF, com a área global de 1.032,53m2, a qual foi atribuída (em 1979) a GG.

Parcela B - constituída por casa de habitação, barracões e eira, a confrontar do sul com a parcela A, do norte com caminho, nascente com herdeiros de EE e poente com FF, com a área total de 678,53m2, a qual foi atribuída ao réu (por doação com a data de 04-10-1980 de metade indivisa do prédio).

- que essas parcelas têm absoluta e completa autonomia, sem existência de partes comuns, encontrando-se materialmente dividas uma da outra e cada uma com acesso à “via pública”.

- que essa divisão de facto existe há mais de 30 anos, donde, quer a autora e a sua antepossuidora (GG a quem foi doada em 1979 metade indivisa do prédio), quer os réus vêm habitando cada qual a parcela que lhes coube, utilizando os releixos, eiras e todos os seus espaços com arrumações, de forma pacífica, à vista de toda a gente, na convicção de que possuíam um bem próprio, razão pela qual, concluíram os autores, adquiriram o respectivo direito de propriedade sobre as parcelas A e B por usucapião.

Isto é, entendem os autores que «por usucapião operou-se o fracionamento do aludido imóvel ao abrigo do disposto no art. 1287.º do Código Civil, uma vez que o mesmo deixou de existir como bem único e no seu lugar passaram a existir dois prédios autónomos, cada um correspondente às parcelas referidas no art. 6.º da Petição Inicial» (art. 14.º da Petição Inicial).

Juntaram documentos.

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Citados, os réus não deduziram qualquer contestação, apenas juntando aos autos uma procuração com poderes forenses.

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Por requerimento apresentado em juízo a 14/10/2019, os AA. e os RR. requereram a homologação de uma transação celebrada entre eles, com as seguintes cláusulas:

«PRIMEIRA

AA. e RR. reconhecem que o antigo prédio urbano (casa de habitação - “mãe”), inscrito na matriz predial urbana da então freguesia ... sob o art. ...40 (art. 1º da p.i.) corresponde hoje à inscrita na matriz predial sob o art. ...92, da União das freguesias ... (doc. nº 1 ora junto) e está descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...28 (art. 1º da p.i.).

SEGUNDA

Outrossim, AA. e RR. reconhecem que aquele prédio foi fraccionado em dois, por efeitos da sua divisão material e subsequente autonomização, por USUCAPIÃO, de cada uma das parcelas resultantes do referido fraccionamento.

TERCEIRA

AA. e RR., todavia, mais reconhecem que aquelas duas fracções autonomizadas – A e B -, referidas no art. 6º da p.i. e no nº I do pedido, têm confrontações diferentes das que ali se referem e, assim:

a) O prédio dos AA. (fracção autonomizada A) é constituído por casa de habitação, barracões, pátio, galinheiro e eira, sito no lugar ... (...) do concelho ..., a confrontar do norte com os RR., do sul com a Rua ..., do nascente com herdeiros de EE e do poente com o caminho.

b) O prédio dos RR. (fracção autonomizada B) é constituído por casa de habitação, barracões, pátio e eira, sito ao mesmo lugar de ..., a confrontar do nascente e norte com HH, do sul com os AA., AA e marido e do poente com o caminho.

QUARTA

AA. e RR. corrigem, pois, na parte referida, o art. 6º da p.i. e I do pedido.

QUINTA

Doravante, AA. e RR. ficam reciprocamente autorizados a proceder às respetivas correções matriciais e no registo predial, requerendo para tanto a substituição do atual artigo matricial por dois artigos, de harmonia com os dois prédios autonomizados e que acima se identificam, o mesmo se passando no que diz respeito ao registo predial, onde deve ser requerida a eliminação do nº 1228, constituindo-se um número autónomo para cada um dos prédios também mencionados na cláusula terceira.

SEXTA

Os pagamentos a efectuar para requerer estas alterações, devidamente documentados pelas repartições competentes serão suportados em partes iguais por autores e réus.

SÉTIMA

As custas serão suportadas em partes iguais por autores e réus, com dispensa recíproca de custas (gastos) de parte.»

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Com vista à apreciação da validade da transação apresentada, as partes foram notificadas para esclarecer «(…) se o prédio foi objecto de respetiva divisão (nomeadamente divisão judicial de coisa comum, e, nessa, constituída propriedade horizontal – cfr. art. 1417º do Código Civil), e, bem assim, se as identificadas «duas fracções autonomizadas A e B» foram objecto de eventual apreciação e licenciamento administrativo.»

Por requerimentos entrados em juízo em 31/10/2019 e 05/11/2019 vieram as partes esclarecer que não correu ação de divisão de coisa comum e porque construído em 1950, estava o prédio isento de licença, pugnando pela homologação da transação junta aos autos.

Foi ainda junta aos autos uma declaração emitida pela Junta de Freguesia da qual consta, além do mais, que o prédio objeto dos autos foi construído antes de 1950.

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Na sequência, com data de 25/11/2019, foi proferida sentença a concluir que dúvidas não restavam de que a transação judicial, nos moldes em que foi celebrada, constituía um negócio contrário à lei, logo ilícito, na medida em que violava uma concreta disposição legal de conteúdo proibitivo (o artigo 1417º do C.Civil), não sendo admissível por força deste artigo em conjugação com o artigo 1249º do mesmo código.

Em face disso, decidiu-se que, com fulcro nos artigos 280º, 1249º e 1417º do C.Civil e dos artigos 284º, 289º e 290º do n.C.P.Civil, não considerar válida a transação apresentada, não se homologando a mesma.

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Ambas as partes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, no qual foi proferido acórdão em 13/07/2020, no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Foi requerida a reforma deste acórdão, pretensão que foi julgada improcedente.

E tendo sido interposto recurso de revista excecional do dito acórdão, o STJ rejeitou a mesma.

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Prosseguiram então os autos na 1ª instância, designadamente com a efetivação de prova pericial, cujo Relatório se mostra junto de fls. 201-239.

De referir que se pronunciou aí o Exmo. Sr. Perito pela possibilidade de divisão do prédio, arredando a figura do destaque pois que a fração B (dos réus) não confina com caminho público (mas sim com um caminho particular) (fls. 213 , 235 a 239), mostrando-se, contudo, reunidos os requisitos para a constituição da propriedade horizontal na medida em que as duas frações constituem unidades independentes, são distintas e separáveis «através da linha com orientação poente nascente que as divide e o seu acesso à via pública efectua-se através de duas partes comuns», sendo que a fls. 233, efetua mesmo proposta de implantação das frações A e B e dos espaços comuns, mas sendo certo ter consignado, a fls. 216 «que as partes comuns são constituídas pelo caminho de acesso privado a poente, com 119m2 e o caminho de acesso privado a nascente com 53m2. O caminho de acesso privado a poente inclui ainda direitos de passagem a terceiros. Alerta-se ainda para o facto de que, para a Fração B usufruir do caminho a nascente tem de atravessar, na parte final, uma área pertencente a terceiros e que se estima seja de 16m2».

Diversamente, entendeu o Município ... – ofício de 09-11-2022 a fls. 253-254 – que a constituição da propriedade horizontal não se mostra viável porquanto o prédio em causa não confronta a poente com o arruamento público, lendo-se, todavia, naquele ofício que tal constatação se baseia nas confrontações patentes na caderneta predial, tanto assim é que ali se concluiu que promovida a correção necessária (na matriz) poderá ser pedida a constituição do prédio em duas frações distintas e até, em alternativa, a operação de destaque.

No mesmo sentido de classificação do acesso a poente como “caminho particular” encontra-se junta aos autos “Declaração” da União de...

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