Acórdão nº 13850/22.8T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-02-06

Ano2023
Número Acordão13850/22.8T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
APELAÇÃO nº 13850/22.8T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, P..., LDA., intentou contra X..., S.A., o presente procedimento cautelar comum, nos termos dos artigos 32.º CT e sgts. do CPT e 362.º e sgts. do CPC, que veio a ser distribuído ao Juiz 3, requerendo a inversão do contencioso e o julgamento definitivo da causa, pedindo o seguinte:
-«a) Condenar-se a Requerida a reconhecer o nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e a lesão sofrida pelo trabalhador;
b) Condenar-se a Requerida a reconhecer a situação de incapacidade do trabalhador para o trabalho desde o dia 13 de Maio de 2022 e a cumprir todas as obrigações, designadamente retributivas e financeiras, daí decorrentes;
c) Condenar-se a Requerida, consequentemente, na assunção de todas as despesas decorrentes das consultas, exames complementares de diagnóstico, tratamentos médicos e medicamentosos, cirurgias e tudo demais necessário à completa recuperação do trabalhador;
d) Condenar-se a Requerida no pagamento da quantia de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros) por cada dia de incumprimento de qualquer das obrigações a que venha a ser condenada».
Requer a inversão do contencioso e o julgamento definitivo da causa, alegando verificarem-se os requisitos legais do art.º 369.º/1 do CPC, “tendo ainda como benefício de economia processual ao evitar-se a instauração de ação principal onde as mesmas questões, de facto e de direito, venham a ser discutidas”.
Alega, no essencial, dedica-se à organização de feiras, congresso e outros eventos similares, tendo como atividade secundária outras atividades especializadas de construções diversas, sendo empregadora de AA, mediante contrato de trabalho, desde 30 de Junho de 2018.
Em cumprimento da obrigação legalmente estabelecida, celebrou com a Requerida um seguro de acidentes de trabalho para os trabalhadores ao seu serviço, a que foi atribuída a apólice nº ..., seguro que se encontra válido e vigente.
Em 13 de Maio de 2022, o trabalhador AA, quando se encontrava ao seu serviço em ... (Alemanha), executando a desmontagem de um stand numa feira, quando levantou uma maca existente no stand para, conjuntamente com outro trabalhador, a colocar na palete de transporte, sentiu um “estalo” no ombro e braço direito, imediatamente seguido de dor intensa, ficando incapaz de mobilizar/movimentar o braço direito.
Como tal dor e incapacidade para mobilizar o ombro e braço direitos não desapareceram, em 20 de Maio o trabalhador deslocou-se às urgências do Hospital ... - na sequência do que foi informado pelos serviços da Requerida que não assumiria a responsabilidade pelo sinistro por se tratar de “doença profissional”.
A Requerente solicitou aos serviços de medicina ocupacional uma consulta ao trabalhador, tendo sido constatada a incapacidade parcial (aptidão condicional) do mesmo para o exercício das funções, por “estiramento do ombro direito”. Em ecografia realizada por prescrição da sua médica de família, constatou-se um “adelgaçamento heterogéneo hipoecoico do tendão do músculo supraespinoso a traduzir tendinopatia de estiramente, com derrame”, não sendo visível rutura, tendo a referida profissional declarado a impossibilidade de encaminhamento do trabalhador para os serviços da especialidade em virtude de se tratar de acidente de trabalho.
No seguimento do envio destes elementos aos serviços da Requerida, esta reabriu o processo do trabalhador em 13 de Junho de 2022, atribuindo-lhe e reconhecendo incapacidade temporária absoluta, a partir dessa data. E, determinou a realização de ressonância magnética, que revelou “ruptura de espessura praticamente completa do supra-espinoso, na sua vertente bursal, com uma extensão ântero-posterior de cerca de 10mm e com uma retrassão tendinosa de cerca de 13mm”.
O trabalhador foi então sujeito a novas consultas dos serviços da Requerida, em 20, 21 e 29 de Junho, nesta última tendo sido colocado em situação de “alta por inexistência de nexo causal”. Em 05 de Julho de 2022 a Requerida comunicou formalmente ao trabalhador que “a patologia que V/ Exª. apresenta, não pode ser considerada como consequência de qualquer Acidente de Trabalho, pelo que não podemos assumir qualquer responsabilidade pelo tratamento da referida lesão”.
Nos termos do art.º 10.º da LAT, presume-se a existência de nexo causal entre o acidente sofrido pelo autor e as lesões verificadas, presunção que a requerida olvidou afastando infundadamente a sua responsabilidade.
Os profissionais médicos que examinaram o trabalhador afirmam unanimemente que a reparação da lesão que sofreu carece de intervenção cirúrgica imediata, de modo a que a lesão não progrida e não se torne irreparável. Impõe-se, pois, a imediata intervenção cirúrgica, seguida de fisioterapia para recuperação da mobilidade do ombro e braço, não esquecendo que entretanto o trabalhador sofre de dores constantes, que se agravam durante o sono, além de totalmente incapacitantes. Todos este actos têm custos excecionais, que nem o trabalhador nem a Requerida têm, atualmente, condições financeiras para suportar, implicando a demora na sua realização quer um agravamento da situação clínica do trabalhador quer o atraso e dificultação da recuperação.
O trabalhador encontra-se actualmente de baixa médica, emitida pela sua médica assistente, em virtude da manutenção da situação de incapacidade para o trabalho, tendo sido a Requerente responsável pelo pagamento da retribuição dos primeiros 30 dias e recebendo posteriormente o equivalente a 60% da sua retribuição base, impondo assim um prejuízo quer à Requerente quer ao trabalhador quando é evidente a responsabilidade da Requerida no pagamento completo da retribuição equivalente ao tempo de incapacidade.
I.1.1 O Tribunal a quo determinou à secção de processos que indagasse sobre a existência de processo por acidente de trabalho, correndo termos, em que seja sinistrado AA.
Cumprido o determinado, a secção de processos informou nos autos – em 09 de Agosto de 2022 - não ter sido verificada a existência de qualquer processo emergente de acidente de trabalho relativo a AA.
Em seguida, o Tribunal a quo proferiu despacho convidando a requerente, “Com vista a apurar a alegada difícil reparabilidade da lesão, [..] a aperfeiçoar o seu requerimento inicial, concretizando e quantificando os prejuízos que para si advirão da conduta omissiva que imputa à Requerida”.
I.1.2 A requerente veio apresentar requerimento juntando orçamento emitido pela instituição hospitalar onde o trabalhador se encontra a ser seguido, referindo serem da sua responsabilidade, enquanto entidade empregadora e em virtude da recusa da Requerida em assumir tal responsabilidade, 15.370,00€, a que acrescerão custos com fisioterapia/reabilitação, exames complementares e despesas medicamentosas, que estima possam ascender a cerca de 2.500,00.
I.2 Concluídos os autos, o Tribunal a quo proferiu a decisão seguinte:
Compulsados os autos verifica-se que a situação descrita no requerimento inicial e que constitui o objecto do presente litígio consiste num acidente de trabalho participado à requerida enquanto entidade seguradora e que a mesma não aceita em prosseguir os seus serviços clínicos tendo dado alta ao sinistrado.
Ora, antes de mais dada a relação material controvertida em apreço torna-se, em nosso entender, evidente que estamos perante um acidente de trabalho, tal como descrito pela requerente entidade empregadora, desconhecendo-se se foi já apresentada a respectiva participação em Juízo, nos serviços do Min. Púb. junto deste Tribunal de forma a desencadear os respectivos procedimentos. Será, no âmbito desta acção emergente de acidente de trabalho que se apurarão a responsabilidade das entidades intervenientes nesta relação jurídica e se determinará os procedimentos clínicos e/ou cirúrgicos a empreender de forma a obter-se o restabelecimento da pessoa visada.
Entende-se, pois, que estamos perante um erro na forma do processo, já que a finalidade que se pretende atingir com a presente providência cautelar se esgota com a instauração da acção acima indicada com a mera apresentação da participação de sinistro, atento o disposto nos artigos 89º e seguintes da LAT, o qual configura uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso e insuprível, de acordo com o disposto nos artigos 577º al. b), 193º e 578º todos do C.P.C. ex vi do art. 1º do C.P.T.
Pelo exposto determina-se o indeferimento liminar da presente providência cautelar.
Custas pela requerente.
Fixa-se à presente providência o valor de € 30.000,01.
Registe e notifique».
I.3 Inconformada com esta decisão, a requerente interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram finalizadas com as conclusões seguintes:
[A] O presente recurso insurge-se contra a decisão proferida pelo Tribunal ad quo sob a referência 439501790, que indefere liminarmente a requerida providência cautelar.
[B] Para sustentar tal decisão, considera o Tribunal ad quo que existe erro na forma do processo, esgotando-se os fins a atingir com a presente providência através da ação especial emergente de acidente de trabalho.
[C] A ação especial emergente de acidente de trabalho, sempre e necessariamente, por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público (artigo 99º, nº 1, CPT ) e, caso o sinistrado ainda não estiver curado quando for recebida a participação e estiver sem tratamento adequado ou sem receber a indemnização devida por incapacidade temporária, com a solicitação pelo Ministério Público de perícia médica, seguida de tentativa de conciliação (cfr. artigo 102º, nº 1, CPT).
[D] In casu, porque o trabalhador sinistrado não se encontra ainda curado nem a Requerida assume a responsabilidade na reparação dos danos por ele
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