Acórdão nº 1375/04.8TYLSB-AM.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 31-10-2023

Data de Julgamento31 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão1375/04.8TYLSB-AM.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
Ação
Restituição e separação de bens [ [1] ].
Autora/apelante
PI INC, sociedade de direito norte americano, com sede em 619 New York (…) Estados Unidos da América, contribuinte de entidade equiparada estrangeira n.º (…), com sede em Portugal na Rua S … Cartaxo.
Réus/apelados
MASSA INSOLVENTE DE AV, representada pelo administrador de insolvência;
CREDORES da Massa Insolvente e
AV.
Pedido
Que seja reconhecido à autora o direito de propriedade sobre o estabelecimento comercial Farmácia PSuc., sita na Rua S Cartaxo, e seja ordenada a separação daquele estabelecimento comercial do acervo da Massa Insolvente e a sua restituição à autora.
Causa de pedir
A autora é proprietária e legítima possuidora, com exclusão de outrem, de um estabelecimento comercial, a Farmácia PSuc, apreendida para a massa insolvente, tendo adquirido a mesma por usucapião nos termos do art. 1263.º e 1374.º do C.C., conforme consta da escritura de justificação notarial que outorgou em ... no Cartório Notarial de Alcobaça.
“A propriedade do referido estabelecimento comercial veio à sua posse do seguinte modo” (art. 6.º), conforme indicação que fez verter na escritura de justificação:
- Em 06-08-2004 com retroatividade a 01-07-2004, a insolvente AV trespassou o estabelecimento à sociedade AF, Sociedade Unipessoal, Lda (art. 7.º);
- Em 30-10-2008 a AF, Sociedade Unipessoal, Lda., trespassou à FCF, Sociedade Unipessoal, Lda “tendo, no entanto sido o Sr. AR, divorciado, natural da freguesia de …, concelho de Alenquer, a entrar na posse do mesmo, tal como consta do referido contrato de trespasse e lá designado como proprietário de facto do identificado estabelecimento comercial de farmácia” (art. 9.º);
- Em 16-01-2013 o estabelecimento foi trespassado à sociedade “PG INC – Sucursal em Portugal” (art. 10.º);
- Em 05-02-2013, a “PG INC – Sucursal em Portugal” “trespassou verbalmente o referido estabelecimento comercial de farmácia e respetivo alvará à sociedade” à autora, “não tendo sido reduzido a escrito meramente por impossibilidade das partes” (art. 11.º).
Concluindo que é “proprietária e legítima possuidora” da farmácia desde 05-02-2013, “tendo acumulado a sua posse com as dos anteriores proprietários” (art. 12.º) (sic), “sendo a sua posse titulada, substanciada pela presente escritura de justificação” (art. 14.º) e “[d]e boa-fé, porque a Autora vem possuindo o estabelecimento de farmácia na convicção de não estar a lesar direitos de outrem” (art. 15.º).
Oposição
Apresentada por AV
A requerida contestou, invocando a exceção de litispendência, porquanto a questão suscitada nos autos já foi discutida no apenso X destes autos e é objeto da ação n.º 68/18.3T8CTX, que corre termos no Juízo Local Cível de Alenquer.
Alega que AR “era, portanto, o proprietário de facto da referida farmácia”, e que a insolvente era “uma simples assalariada daquela farmácia, sendo-lhe pago um salário mensal pelo … Sr. … AR (arts. 9.º e 10.º).
Apresentada pela Massa Insolvente/apelada
A requerida contestou excecionando:
- Que a sentença proferida no apenso F) ao processo de insolvência, que julgou improcedente a pretensão formulada pela F, Lda. na ação intentada em 16.06.2009 na qual peticionou o reconhecimento da invocada propriedade da referida farmácia e a sua separação da Massa Insolvente produz efeitos em relação à ora autora, verificando-se a exceção do caso julgado;
- Que a autora, sociedade de direito norte americano, “não faz prova da sua existência jurídica e a personalidade jurídica de (supostas) pessoas coletivas não se presume” (art. 18.º) e que a “falta de personalidade jurídica e judiciária da A. determina a absolvição da R. da instância” (art. 19.º);
- Que a “escritura de justificação notarial que constitui o doc. n. 1 junto com a p.i. é nula, porquanto todos os atos objeto das declarações do justificante e dos declarantes que nela intervieram são atos simulados, que não correspondem a negócios que hajam sido celebrados tendo por objeto a Farmácia P Suc., exarados na referida escritura com o propósito ilícito de subtrair a Farmácia à Massa Insolvente em que se encontra apreendida” (art. 21.º); “[a] falsidade das declarações constantes do documento n. 1 junto com a p.i. visando simular a aquisição por usucapião da propriedade da Farmácia PSuc gera a nulidade do ato jurídico outorgado, o que expressamente se invoca” (art. 24.º), devendo a nulidade ser declarada oficiosamente pelo Tribunal, sendo do conhecimento deste os factos que a determinam”; a “nulidade da escritura de justificação notarial constitui facto impeditivo do direito que a A. pretende exercer e determina a absolvição da Ré do pedido, o que expressamente se invoca – cf. os artigos 240º, 286º e 295º, todos do Código Civil e o artigo 576º, n.3 do CPC” (art. 26.º)
Mais invoca que:
- Impugna “a exatidão de todos os documentos juntos com a p.i. e com o subsequente “requerimento probatório” da A. com a Refª 29760269 (junção extemporânea de 8 documentos), por se tratarem de simples reproduções mecânicas, desde já requerendo o confronto de tais documentos com os originais ou as certidões de que foram extraídos- cf. art.º 444º, n. 1 e 3 do CPC” (art. 27.º);
- Impugna “a força probatória do documento n.º 1 junto com a petição inicial, a saber, cópia simples de escritura de justificação notarial relativa à Farmácia PSuc, apreendida na Massa Insolvente e R. nos presentes autos, por serem falsos os factos que nele são atestados, desconformes com a realidade e não serem aptos a produzir os efeitos que deles são extraídos” (art. 28.º).
Nenhuma das entidades mencionadas na escritura de justificação notarial exerceu a posse pacífica, pública, de boa fé, na convicção de possuir como coisa própria exclusiva o estabelecimento Farmácia P Suc. apreendido na Massa Insolvente.
“Os factos atinentes à propriedade da Farmácia Suc foram amplamente debatidos no Apenso F dos autos de insolvência (ação de separação de bem proposta por F, Lda.), os quais contêm extensa documentação que evidencia as sucessivas modalidades de negócios arquitetadas por F, Lda, por AR ou entidades terceiras com este relacionadas, visando subtrair a Farmácia P Suc à Massa Insolvente” (art. 30.º);
A Farmácia P Suc foi apreendida para a Massa Insolvente de AV imediatamente após a declaração da insolvência, encontrando-se a propriedade da Farmácia ininterruptamente averbada na titularidade da Insolvente desde 1999.
“Não ocorreu qualquer trespasse válido do estabelecimento de Farmácia por parte da titular da propriedade averbada no alvará da Farmácia, a saber, a Insolvente ou, após a declaração da Insolvência, pelo Administrador de Insolvência” (art. 34.º), “[s]endo nulos, por configurarem disposição de bem alheio, quaisquer atos de disposição da Farmácia P, Suc que não hajam sido praticados pelo Administrador de Insolvência” (art. 35.º).
“São falsos todos os factos invocados pela A. nos artigos 3º a 12º e 14º a 19º da sua p.i. que assim se têm por impugnados” (art. 36.º).
Pede a condenação da autora como litigante de má-fé e conclui nos seguintes termos:
“Em face do exposto,
a) Deve ser julgado procedente o incidente de verificação do valor da causa e, em consequência, ser fixada à presente ação o valor de um milhão e duzentos mil euros;
b) Deve ser julgada procedente qualquer das excepções dilatórias acima invocadas, com a correspondente absolvição da Ré da instância;
c) Deve ser declarada a nulidade da escritura de justificação junta aos autos como doc. n. 1 pela PI INC (relativa à Farmácia P Suc), com a consequente absolvição da R. do pedido.
Subsidiariamente, caso o Tribunal assim não entenda,
d) deve ser julgada improcedente, por não provada, a ação, com a consequente absolvição da R. do pedido,
e) em qualquer caso, deve a A. ser condenada em multa e no pagamento de indemnização à ora R., por litigar de má fé, em montante a fixar pelo Tribunal em seu prudente arbítrio, de montante não inferior a 10.000,00€
Mais requer a V. Exa:
f) Seja de imediato comunicado à notária que exarou a escritura de justificação outorgada em 6.02.2018, de fls. ... do Livro 59-J, Dra. AA, no cartório notarial sito na Rua … Alcobaça, que os factos justificados e constantes da referida escritura são objeto de impugnação nos presentes autos – cf. artigo 101º do Código do Notariado”.
Resposta
Em 12-06-2009 autora apresentou resposta, invocando a improcedência das exceções de litispendência e caso julgado, porquanto ainda que exista “identidade de objectos, não existe identidade de sujeitos”, que a autora goza de capacidade judiciária e, quanto à “nulidade da escritura de justificação”, que a autora não invoca factos suscetíveis de fundar a simulação e que a autora não impugnou a escritura de justificação como se impunha em face do art. 101.º do Cód. do Notariado, concluindo pela improcedência da exceção.
Julgamento
Em 15-04-2020 (conclusão de 03-03-2020) foi proferido despacho em que foi fixado o valor da causa e indicação de que “o tribunal pondera conhecer com dispensa de realização de audiência prévia do mérito da causa nos termos do artigo 595.º, nº1 alínea b), 593.º, nº1 e 591.º, nº1 alínea d) podendo as partes no mesmo prazo de 10 dias alegarem o que tiverem por pertinente” [ [2] ].
Após o que, em 25-02-2023 foi proferida sentença em que se julgaram improcedentes as exceções invocadas quanto à personalidade e capacidade judiciária da autora [ [3] ] e quanto à litispendência e ao caso julgado, culminando com o seguinte segmento dispositivo:
“Em face dos fundamentos de factos e de direito supra expostos, o Tribunal decide:
a) julgar a ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolver os réus do pedido;
b) declarar impugnado o facto justificado na escritura de ..., exarada a fls. ... do Livro de Notas para Escritura Diversas n.º
...

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