Acórdão nº 1374/18.2T8STR-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-03-02

Ano2023
Número Acordão1374/18.2T8STR-B.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Autor: (…)
Recorrido / Réu: (…)

Os autos consistem em ação declarativa de condenação pretendendo o A obter a condenação do R a pagar-lhe a quantia de € 105.000,00 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, o que corresponde a crédito decorrente da prestação de serviços de advocacia a (…) que, sendo credor do R, declarou ceder o crédito de que era titular ao A, com vista ao pagamento dos honorários. O que obteve o acordo do R.
Cessão de créditos que o R impugna, sustentando nada dever ao A.
O A requereu seja admitido a prestar declarações de parte relativamente a factos por si alegados na p.i.
O R requereu que o A preste depoimento de parte a toda a matéria da contestação.

II – O Objeto do Recurso
Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho do qual consta, designadamente, o seguinte:
«Admito os depoimentos de parte do autor e do réu nos termos requeridos.
Admito as declarações de parte do autor tal como foi requerido por este.»
No âmbito da audiência final, o R declarou opor-se ao depoimento de parte e às declarações de parte do A sobre factos da petição inicial, salvo se já tiver obtido prévia autorização do Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados.
Em resposta, o A sustentou que o sigilo não releva na presente ação, já que se propõe agir em defesa e no exercício de um direito próprio e ainda porque os factos descritos na petição inicial foram previamente narrados nos embargos de executado apresentados pelo R.
Foi, então, proferido o seguinte despacho:
«(…) deverá o Autor na qualidade de Advogado suscitar a intervenção da Ordem dos Advogados nos termos e para os efeitos do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.»
Foi interposto recurso de tal despacho, tendo sido indeferido o respetivo requerimento.
O A informou nos autos não ter lançado mão do mecanismo previsto no art. 92.º/4 do EOA por não estar em causa o sigilo profissional, atento o objeto do processo. Para o caso de assim não ser entendido, peticionou seja suscitado o incidente de quebra de sigilo profissional previsto no artigo 135.º do CPP.
Foi proferido despacho que contempla, designadamente, o seguinte:
«Encontrando-se, pois, o autor sujeito ao sigilo profissional, a sua audição como depoente ou como declarante terá de ser precedida de autorização do Presidente do Conselho Regional a que o mesmo pertence, requisito que não se mostra verificado, não havendo intenção de o obter.
Pretende o autor que, em caso de não admissão da sua audição, seja aplicado o disposto no artigo 135.º, n.º 3, do CPP, aplicável por força do artigo 417.º, n.º 4, do CPC.
Também nesta sede o autor não tem razão. Como bem salienta o réu, o incidente de levantamento do sigilo profissional aplica-se aos casos de recusa de prestação de depoimento. O que se verifica no nosso caso é precisamente uma situação contrária à que está prevista nas hipóteses dos artigo 135.º, n.º 3, do CPP e 417.º, n.º 4, do CPC: o autor não invoca o sigilo profissional para se recusar a prestar depoimento; o autor quer, isso sim, prestar depoimento / declarações e entende não estar sujeito ao sigilo profissional.
Pelo exposto e de harmonia com a fundamentação que antecede:
- não admito a prestação de depoimento de parte ou de declarações de parte do autor, por inexistência de prévia autorização do respetivo Presidente do Conselho Regional da OA;
- indefiro o pedido de instauração do incidente de quebra do sigilo profissional.»

Inconformado, o A apresentou-se a recorrer, pretendendo que:
i) seja declarada a ineficácia da decisão recorrida ao abrigo do disposto no artigo 625.º do CPC, substituindo-a por outra que admita as declarações e o depoimento de parte do Recorrente, sem restrições decorrentes do regime do segredo profissional, uma vez que o objeto das mesmas se cinge aos factos constitutivos do direito do Recorrente que é objeto dos autos; ou caso assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese,
ii) seja revogada a decisão recorrida, com fundamento em erro de interpretação do disposto no artigo 92.º do EOA, substituindo-a por outra que admita as declarações e o depoimento de parte do Recorrente, sem restrições decorrentes do regime do segredo profissional, uma vez que o objeto das mesmas se cinge aos factos constitutivos do direito do Recorrente que é objeto dos autos; ou, caso não proceda o que fica requerido, o que se admite por mera hipótese,
iii) seja revogada a decisão recorrida, na parte em que indefere o pedido de instauração do incidente de quebra de segredo previsto no artigo 417.º, n.º 4, do CPC, substituindo-a por outra que, no cumprimento do dever de adequação formal, determine a instauração e prosseguimento do referido incidente, com a tramitação definida no artigo 135.º, n.º 3, do CPP.
Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«Do objeto do recurso
I. O presente recurso tem por objeto o despacho proferido nos autos em 11/10/2022, que indeferiu os pedidos de depoimento de parte e de declarações de parte pelo Autor “por inexistência de prévia autorização do respetivo Presidente do Conselho Regional da OA”, bem como o pedido de instauração do incidente de quebra do sigilo profissional, previsto no artigo 417.º, n.º 4, do CPC, por remissão para o artigo 135.º do CPP.
C.2) Dos fundamentos do recurso
II. O Tribunal a quo já se pronunciou acerca das declarações de parte e do depoimento de parte do Recorrente, tendo decidido, expressamente, admitir esses meios de prova, na sessão da audiência prévia de 27/11/2019, por despacho já transitado em julgado.
III. O despacho proferido em 27/11/2019 adquiriu, assim, força de caso julgado formal, tornando-se vinculativo para todas as partes no presente processo.
IV. O despacho recorrido, ao rejeitar esses mesmos meios de prova nos termos acima referidos, incorre numa frontal contradição com o despacho proferido anteriormente, em 27/11/2019.
V. O despacho recorrido deverá, nessa parte, ser declarado ineficaz ao abrigo do disposto no artigo 625.º do CPC, valendo, para todos os efeitos, o despacho proferido em 27/11/2019, que determinou a admissão e a produção das declarações de parte e do depoimento de parte do Recorrente – o que se requer.
Caso assim não se entenda, o que se concebe sem conceder, por mera hipótese de raciocínio, sempre se considere o seguinte:
VI. Atenta a conformação jurídico-factual da causa de pedir, temos que o pedido deduzido nos presentes autos pelo Recorrente consubstancia a pretensão do mesmo em ver cumprido um seu crédito por honorários, vencidos e não pagos, sobre o ex-Réu (…), mediante a concretização duma dação pro solvendo, traduzida numa cessão, a favor do Recorrente, de crédito do ex-Réu (…) sobre o Recorrido.
VII. Esses direitos de crédito do Recorrente, quer sobre o ex-Réu (…), quer sobre o Recorrido, têm fundamento constitucional no direito fundamental à propriedade privada, previsto no artigo 62.º da CRP, cujo âmbito de tutela tem sido pacificamente considerado, pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, extensível aos direitos de crédito.
VIII. A posição do Recorrente entra também no âmbito de tutela do direito fundamental à iniciativa económica privada, prevista no artigo 61.º, n.º 1, da CRP, porquanto o direito à remuneração pelos serviços prestados é um elemento estruturante da própria atividade de
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