Acórdão nº 1371/19.0T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-03-24

Data de Julgamento24 Março 2022
Ano2022
Número Acordão1371/19.0T8VRL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) D. P. veio intentar ação declarativa com processo comum contra G. L., M. P., M. A. e F. M. e mulher A. V., onde conclui pedindo que a ação seja julgada provada e procedente e, em consequência,

a) Ser reconhecido o direito de propriedade da autora sobre o prédio rústico descrito no artigo 1º da petição;
b) Ser reconhecido, à autora, o direito de preferir na compra relativa ao prédio rústico identificado no artigo 8º da P.I.; sendo, por isso, reconhecido o direito de haver para si o referido bem imóvel, substituindo-se na escritura pública de compra e venda aos adquirentes, aqui 4ºs réus, com todas as consequências legais;
c) Que sejam os réus condenados a entregar o referido prédio à autora, livre e desocupado;
d) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que os 4ºs réus, compradores, hajam feito a seu favor em consequência da compra do suprarreferido prédio, designadamente o constante da inscrição .../20190129 com a apresentação, Ap. 428 de 2019/01/19 e outras que venha a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem.
Para tanto alega, em síntese, que a autora é dona e legítima proprietária de um prédio rústico, sito no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de Vila Real, composto por terra de feno, fruta, lenha e vinha, com 26.850 m2 de área, cuja descrição confronta de norte com M. F., de nascente e poente com caminho e de sul com G. L., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., da freguesia de ..., sendo que, a sul confronta com o prédio dos réus.
Mais alega que os 1º, 2ª e 3ª réus, por sua vez, eram donos e legítimos possuidor do prédio rústico, sito no mesmo local ..., freguesia de ..., concelho de Vila Real, composto de mato e monte, com 27777 m2 de superfície, que confronta de norte com A. J. (marido falecido da aqui autora), nascente com Junta de Freguesia de ..., sul com A. A. e poente com A. P., inscrito na matriz sob o art.º ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ....
Acresce que o prédio da autora tem 26.850m2 de área e o dos réus tem a área de 27.777m2 de área, logo têm ambos por si e em conjunto, áreas inferiores à unidade mínima de cultura, prevista para a região onde se encontram os prédios.
Alega ainda que no dia 11 de fevereiro do corrente ano (2019), a autora teve conhecimento efetivo, que por escritura outorgada em 28 de janeiro de 2019, perante o Dr. M. G., Solicitador, com domicílio profissional no Beco ... nº .., freguesia e concelho de Vila Real, que os 1º, 2º e 3º réus, venderam aos 4ºs réus, o prédio rústico identificado no ponto 8, pelo preço de €40.000,00, venda que não foi antecedida de nenhuma comunicação por parte dos 1º, 2ª e 3ª réus, a darem conta à autora dos elementos essenciais do negócio, isto é, nunca foi dado conhecimento à autora do preço, forma de pagamento ou de quem seriam os compradores.
Os réus F. M. e A. V., apresentaram contestação onde concluem entendendo dever a ação ser julgada improcedente por não provada e os réus absolvidos dos pedidos, para tanto alegando inexistir direito de preferir por parte da autora, uma vez que os réus adquiriram o seu prédio para o destinar a outro fim que não a cultura, e para nele construírem um pavilhão.
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Foi proferido despacho saneador, foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
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B) Realizou-se julgamento e foi proferida sentença onde foi decidido julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência,

1) Reconhecer que a autora é proprietária do prédio rústico, sito no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de Vila Real, composto por terra de feno, fruta, lenha e vinha, com 26850 m2 de área, cuja descrição refere confrontar de Norte com M. F., de Nascente e poente com caminho e Sul G. L., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., da Freguesia de ....
2) Absolver os réus, dos demais pedidos formulados.
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C) Inconformada com tal decisão, veio a autora D. P. interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo (ref. 36389964).
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D) Nas alegações de recurso da autora D. P., são formuladas as seguintes conclusões:

I. Entende a autora que, devem ser dados como não provada a matéria dada como provada nos seguintes pontos: 26, 27, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 38, 39, 40, 41, 42, 43 e 44.
II. Entendeu o Tribunal “a quo”, a nosso ver, erradamente, que se verifica e os réus provaram a causa impeditiva a que se alude no nº 2 do art.º 1381 al. a), segunda parte do Código Civil. Aquilo que os réus tentam fazer nestes autos, é enganar o tribunal, criando uma aparência duma construção ou intenção construtiva que, não só não existe, como, de facto, nunca esteve subjacente à aquisição do prédio preferendo e tal aparência só começou após a citação para a presente ação.
III. Assente que está o enquadramento legal do exercício do direito de preferência pela autora – neste sentido vide factos provados 1 a 25, ou seja, encontram-se verificados todos os requisitos legais para a existência do direito de preferência pela autora – resume-se a questão decidenda neste recurso, a saber se, de facto, resultou, objetivamente da globalidade da prova produzida nos autos, para se considerar afastado o exercício do direito de preferência nos termos do nº 2 do artº 1380º do CC.
IV. Para que o facto impeditivo do direito de preferência, aludido no artº 1381º, al. a), 2ª parte, do CC, - aplicado no caso dos presentes autos - opere os seus efeitos é necessário que o adquirente alegue e prove, não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afetação ou um outro destino que não a cultura, mas também que essa projetada mudança de destino é, sem qualquer dúvida, permitida por lei. A prova há-de assentar em critérios legalmente previstos e com base em pressupostos claros e objetivos e não somente com base em opiniões testemunhais, debitadas ao gosto da parte que as indica ou em documentos sem força probatória.
V. Ao invés de recorrer a elementos objetivos, designadamente, documentais certificados, enveredou o tribunal por se limitar a assentar a sua convicção naquilo que, de forma subjetiva, as testemunhas indicadas pelos réus se lembraram de vir dizer, levando a que, o tribunal dê como provados factos que, resultam ser impossíveis por inverídicos, como sucede quanto à matéria prevista no ponto 45 dos factos dados como provados: “Os réus irão avançar com o licenciamento do seu objetivo construtivo até final de outubro de 2020”. Ora tendo a sentença sido proferida em outubro de 2021, ou seja, um ano depois do «suposto licenciamento construtivo» e tal licenciamento não se encontra sequer junto aos autos ou sequer foi pedida informação documental à Câmara Municipal de ... e não o foi porque tal «licenciamento» simplesmente não existe.
VI. Se os réus queriam provar – e o Tribunal dar como provado – o licenciamento dum projeto de construção até … outubro de 2020, só o poderiam ter feito mediante cópia carimbada ou certidão da entrada do projeto ou mediante documento emitido pela entidade administrativa. Dizer-se em outubro de 2021 que até outubro de 2020, ou seja, um ano antes, o réu ia iniciar um licenciamento – o que não sucedeu, nem se encontra provado – é o mesmo que zero, devendo a matéria constante do ponto 45 ser dada como não provada.
VII. No mesmo sentido o assente em 44 onde consta: “44. Previamente questionado sobre a exata pretensão construtiva dos réus, o município de ... deferiu a mesma, o que ocorreu em 06 do corrente mês.”, inexistindo nos autos nenhum elemento – testemunhal ou documental – no qual o tribunal pudesse assentar esta conclusão.
VIII. A intenção de determinada pessoa quanto ao fim a dar a um prédio que adquirir há-de ser apreciada por critérios externos e objetivos, eventualmente enquadrados e explicados por depoimentos testemunhais, mas nunca somente com base nestes.
IX. Para se afastar o direito de preferência com base no impedimento previsto na al. a)/2ª parte do artº 1381º do CC tem que resultar, por um lado, o fim a que o adquirente o destina e por outro, tem que demonstrar que o que o aí pretende construir é legalmente possível, não podendo o Tribunal para afastar o direito de preferência, ficar com dúvidas quanto à legalidade da possibilidade de construção.
X. No caso concreto os réus pretendem fazê-lo alegando ter na sua posse um pedido de informação/viabilidade prévia (PIP) – aliás foi base nele que o tribunal deu como provado a matéria constante dos pontos 29, 30, 31, 32, 33, 34, 43 e 44.
XI. O tribunal não pode socorrer-se de prova testemunhal para dar estes factos como assentes e também não o poderá fazer com base no PIP junto aos autos sob o doc. 4 com a contestação, pois este documento não é por si só bastante, para se concluir pela certeza da legalidade de determinada construção e consequentemente para afastar um direito de preferência legalmente previsto.
XII. O PIP – tal como todas as ações supostamente indicativas da intencionalidade construtiva dos réus para o prédio em causa nos autos – é posterior à realização da escritura pública/documento particular autenticado pelo qual os réus adquiririam o prédio rústico situado no lugar denominado das ..., com a área de 27.777,00m2, datando tal plano de informação prévia de 22 de outubro de 2019 e posterior à citação para a presente ação.
XIII. Na verdade só após a citação para a presente ação, os réus se apressaram a criar uma aparência de «urbanização» ou melhor de «intenção construtiva» do prédio em causa nos autos, sendo que até essa data nada fizeram, ou seja, enquanto este processo judicial não existiu, não foi praticado um único ato indiciador da suposta intenção edificativa no prédio cuja preferência a autora reclama: - A autora deu...

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