Acórdão nº 1359/18.9TXLSB-G.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-04-21

Data de Julgamento21 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão1359/18.9TXLSB-G.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:



I–RELATÓRIO:


No âmbito do Processo n.º 1359/18.9TXLSB-B, do Juízo de Execução de Penas de Lisboa - Juiz 8, por despacho proferido no dia 13.12.2021, foi decidido, na parte que ora releva:
A–Não conceder a liberdade condicional ao condenado J, pelo que o cumprimento efectivo da pena de prisão se manterá.”

Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido, J....., interpor o presente recurso, que, na sua motivação, após dedução das alegações, culmina com as seguintes conclusões e petitório (transcrição):
1.–O recorrente foi condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p.p pelo artigo 21º do DL 15/93, encontrando-se no cumprimento da pena de 6 anos e 6 meses;
2.–Através de sentença proferida a 13 de Dezembro de 2021, o tribunal a quo decidiu recusar a concessão de liberdade condicional ao recorrente, após o cumprimento de mais de metade da pena de prisão em que foi condenado ou seja, mais de 3 anos e 3 meses;
3.–Incidindo ora, o presente recurso sobre tal decisão, por se afigurar que face à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, impunha-se decisão diversa e que concedesse a liberdade condicional ao recorrente;
4.–Entendendo, outrossim, que tal decisão não teve em devida linha de conta a prova produzida, ou que a tenha valorado de forma acertada, ponderada e criteriosa, enfermando a decisão de erro de facto e de direito, impondo-se a reapreciação da prova gravada;
5.–O tribunal a quo considerou como provado que o recluso:“(…) assume motivações económicas para a prática criminal, situação que segundo o próprio terá sido facilitada pelas relações de conhecimento que mantinha, invocando um envolvimento menor, pese embora lhe tenha sido atribuído um maior protagonismo em sede de condenação; (…) trata-se de um indivíduo com recursos cognitivos e com capacidade para adaptar o seu discurso às expectativas e desejabilidade sociais, adoptando uma narrativa pró-social, ainda que deixe transparecer necessidades ao nível da interiorização do desvalor da sua conduta.”
6.–O facto em causa, foi parafraseado de um dos últimos parágrafos do Relatório Social elaborado pela DGRS, e transposto para os factos dados como provados, sem reservas;
7.–O recorrente impugnou as conclusões desse relatório;
8.–As declarações do recorrente, prestadas em sede de audição para concessão de liberdade condiciona, demonstram uma versão e postura diametralmente oposta aquela que resultou desse documento e do ponto 4 da alínea G) dos factos dados como provados;
9.–Em momento algum da decisão do tribunal a quo, é dado a explicar ao recorrente o porquê que, no seu entender, entendeu não dar como provado que o recorrente assumiu, na íntegra, e sem reservas o crime pelo qual foi condenado, a preponderância e relevo que lhe foi atribuído pelo tribunal de julgamento, em contraponto com o que entendeu dar como provado, ou tão pouco valorou as suas declarações que iam no sentido inverso às conclusões do dito relatório, e explicou a razão pela qual as mesmas não eram merecedoras de credibilidade;
10.–Dito de outro modo, não se se afigura possível compreender através da leitura da sentença, a razão pela qual o tribunal a quo deu como provado o facto 4 da alínea G) dos factos dados como provados, quando existia prova nos autos em sentido manifestamente contrário e nada diz quanto à sua eventual desconsideração;
11.–Como é consabido, o exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas, e a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, em detrimento de todos;
12.–Não o fazendo, o tribunal a quo omitiu um aspecto essencial para a fundamentação da sentença, levando a que esta fique inquinada da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP ou, pelo menos, incorreu em erro de julgamento, devendo a mesma ser nessa linha, revogada;
13.–Em sede de apreciação de liberdade condicional, o arrependimento e interiorização o desvalor da conduta do condenado é essencial para aferir o preenchimento das razões de prevenção especial, relativas à reinserção do condenado e prevenção da reincidência;
14.–Portanto, saber se existe e se, existindo, foi dado ou não como provado, esse arrependimento e desvalor da conduta, é um facto essencial a apurar e a sua omissão, ante a sua relevância, não pode deixar de consubstanciar uma omissão de pronúncia;
15.–Inexiste quer nos factos dados como provados quer nos dados como não provados (que inexistem), qualquer alusão relativamente a esta questão;
16.–No entanto, resulta das declarações do recorrente que o mesmo interiorizou o desvalor da sua conduta e assumiu a prática dos factos pelos quais foi condenado, demonstrando arrependimento, assumindo relevo para verificar o nível de consciência crítica do recorrente face aos comportamentos que o levaram à prisão;
17.–In casu, o Tribunal a quo nem chegou a considerar essa questão quer na matéria dada como provada ou como não provada, quando se impunha decisão quanto à mesma;
18.–Pelo que a decisão está inquinada de nulidade, por omissão do dever de pronúncia, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 379º do CPP, devendo ser declarada nula e assim, revogada, ou aditado à matéria de facto dada como provada que o recorrente;

19.– O tribunal a quo considerou como provado que o recluso:
a)-Não tem antecedentes criminais;
b)-Não tem processos pendentes;
c)- Não tem outras penas autónomas a cumprir;
d)-Mantém um comportamento normativo e quase sem registo de infracções disciplinares;
e)-ingressou no decurso da reclusão na Universidade Aberta, estando a frequentar a licenciatura em “Línguas Aplicadas”;

20.–Não se compreendendo a razão pela qual, na sua fundamentação, considerou que o recorrente revela:
a)-uma reiterada actuação particularmente reveladora do modo de ser (valorando
que à razão de ser dos crimes está subjacente a imaturidade que nem com o andar da idade deixa de ser o mote de personalidade e revela carestia de vontade que mantém quanto ao trilhar do bom caminho da lei;
b)-que se está perante um quadro de personalidade pouco alterado face ao quanto foi o seu comportamento anterior, revelador de uma cultura própria de tendência dita irresistível para factos da índole daqueles pelos quais cumpre pena;
c)-Um quadro criminológico muito sedimentado, sendo que em relação ao mesmo o recluso não tem adesão de consciência bastante, antes o justificando de forma injustificável;

21.–Da matéria factual dada como provada, não é, s.m.o., possível extrair-se a conclusão de nenhuma da fundamentação supra referida, com única e exclusiva excepção do que foi extraído do relatório social que foi impugnado, e contrasta com as declarações do arguido que nem sequer foram objecto de valoração ou exame crítico;
22.–A fundamentação do tribunal a quo, está pois, em contraste com os factos dados como provados na sua quase totalidade, não sendo compreensível em que medida ou em quê que o tribunal se baseou para formular a motivação supra;
23.–Tendo aqui também, s.m.o., errado no seu julgamento, inquinou de vício a decisão em causa, devendo ser revogada a decisão porquanto a matéria de facto dada como provada é insuficiente para retirar a fundamentação e conclusão formulada pelo tribunal a quo;
24.–Para além disso, cumpre salientar que o recorrente tinha apenas 23 anos à data da prática dos factos pelos quais foi condenado;
25.–Não tem antecedentes criminais;
26.–Não tem processos pendentes;
27.–Não tem outras penas autónomas a cumprir;
28.–Mantém um comportamento normativo e quase sem registo de infracções disciplinares;
29.–Ingressou no decurso da reclusão na Universidade Aberta, estando a frequentar a licenciatura em “Línguas Aplicadas”, o qual tem tido aproveitamento positivo;
30.–Assumiu a prática dos factos pelos quais foi condenado e a preponderância do seu papel na sua execução;
31.–Demonstrou arrependimento e assumiu o desvalor da sua conduta;
32.–No que tange ao preenchimento dos pressupostos materiais, dir-se-á que os mesmos estão pois, preenchidos;
33.–O recorrente apresenta um percurso muito investido e adequado, realçando-se não só a adequada postura comportamental, como o desempenho de funções laborais, a ingressão num curso superior, e o facto de integrar diversas actividades;
34.–Do ponto de vista do seu posicionamento relativamente ao ilícito cometido, nota-se capacidade crítica na avaliação das suas acções;
35.–O recorrente, após cumprido mais de metade da pena, não conta com a existência de uma única medida de flexibilização, apesar de já a ter requerido por mais do que uma vez, razão pela qual não pode nem deve ser valorado contra si;
36.–Se a finalidade das penas é reintegrar, ressocializar e recuperar o condenado para a sociedade, devolvendo-o ao meio social, para que este retorne os caminhos dos valores humanistas e éticos, poucas dúvidas podem subsistir no sentido em que essa finalidade foi já alcançada quanto ao recorrente, sendo perfeitamente possível realizar um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento em meio livre do recorrente, sendo exígua a probabilidade da reincidência, assim como a satisfação das exigências de prevenção geral, sendo compatível a libertação com a defesa da ordem e da paz social, porquanto considera-se que já se esbateram na sociedade os efeitos negativos do crime e a necessidade de execução da pena;
37.–Por todo o exposto, entende-se que o tribunal a quo, também neste circunspecto, incorreu em erro de julgamento, porquanto não teve em devida linha de conta a demais matéria dada como provada e que deveria ter sido objecto na ponderação global da decisão a proferir, devendo a decisão proferida ser revogada e, em consequência, substituída por
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT