Acórdão nº 1349/09.2 BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 06-12-2022

Data de Julgamento06 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão1349/09.2 BESNT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acórdão
I- Relatório
R…………. & P…….., Lda., deduziu impugnação judicial na sequência do acto tácito de indeferimento formado sobre o recurso hierárquico que havia interposto da decisão que indeferiu expressamente a reclamação graciosa que apresentou contra os actos de liquidação adicional de Imposto sobre o rendimento das Pessoas Colectiva (IRC) com os n.ºs …………….780, no valor de €15.437,79 e …………..868, no valor de €20.469,99, referentes respectivamente, aos exercícios de 2004 e 2005, pedindo ao tribunal que declare a anulação das liquidações impugnadas e que lhe seja concedida indemnização pelos prejuízos sofridos com a prestação da garantia que se mostra indevida. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls.452 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), datada de 01/12/2019, julgou a impugnação procedente e, em consequência, anula as liquidações sindicadas e condena “a Fazenda Pública no pagamento dos prejuízos resultantes da prestação da garantia”. Irresignada com tal decisão, veio a Fazenda Pública apelar para este Tribunal Central Administrativo, tendo na sua alegação recursória, inserta a fls. 491 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), formulado as seguintes conclusões: “
A. O presente recurso vem reagir da douta sentença proferida em 2019-12-05, no processo n.º1349/09.2BESNT, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela sociedade R........... & P.........., Lda., NIPC 503 301 493, contra a formação de ato tácito de indeferimento de recurso hierárquico da decisão de indeferimento de reclamação graciosa das liquidações adicionais de IRC de 2004 e de IRC de 2005, no valor de € 15.437,79 (quinze mil, quatrocentos e trinta e sete euros e setenta e nove cêntimos) e € 20.469,99 (vinte mil, quatrocentos e sessenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), respetivamente.
B. A douta sentença concluiu que (i) ocorreu o vício procedimental de violação do disposto no artigo 58.º da LGT, ficando afetado o direito de audição da ora Impugnante, na vertente de os interessados terem direito a requererem a realização de diligências complementares, anulando os atos tributários impugnados, cf. fls. 12 a 18 da douta sentença, e (ii) julgou procedente o direito da Impugnante a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia, nos termos do n.º1 e do n.º3 do artigo 53.º da LGT.
C. Discorda a RFP, entendendo que a apreciação da questão reclama um enquadramento jurídico-tributário distinto do vertido na douta sentença recorrida.
D. O procedimento inspetivo constitui uma forma de procedimento tributário, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 54.º da LGT, sujeito aos princípios do procedimento tributário e sujeito aos princípios próprios do procedimento inspetivo, vertidos no RCPITA.
E. Entre outros, encontra-se previsto no artigo 6.º do RCPITA o princípio da verdade material, de teor idêntico ao princípio do inquisitório constante do artigo 58.º da LGT, pretendendo-se, através do procedimento inspetivo, descobrir a verdade material, i.e., apurar a realidade tributária do sujeito passivo, devendo a AT recolher toda a prova necessária para atingir esse objetivo.
F. Para isso, a AT tem ao seu dispor um conjunto de prerrogativas, entre as quais tomar declarações dos sujeitos passivos, membros dos corpos sociais, técnicos oficiais de contas, revisores oficiais de contas ou de outras testemunhas, previstas no artigo 29.º do RCPITA.
G. Não decorre do artigo 6.º do RCPITA nem decorre do artigo 58.º da LGT que a produção de prova testemunhal seja obrigatória para o apuramento da verdade material e que se imporia à AT o dever de inquirir as testemunhas indicadas pelo sujeito passivo.
H. O acesso a meios de prova previsto no procedimento inspetivo especificamente para auxiliar a AT a apurar a verdade tributária dos factos não pode ser interpretado como um ónus que impende sobre os Serviços de Inspeção Tributária, cujo incumprimento determina a ilegalidade dos atos tributários subsequentes.
I. Na elaboração do projeto de conclusões do relatório, existe um elevado grau de certeza quanto à verificação dos factos apurados, resultante das realidades observadas, das sucessivas interações com o sujeito passivo e, sobretudo, da prova documental analisada.
J. A Impugnante exerceu o seu direito de audição no procedimento inspetivo, juntando prova documental e requerendo a produção de prova testemunhal, cf. facto provado constante em C) na sentença.
K. Sucede que as diligências já efetuadas no procedimento inspetivo foram consideradas suficientes pelos Serviços de Inspeção Tributária para demonstrar, com elevado grau de certeza, a verificação dos factos, in casu que as faturas emitidas pela empresa …………. – Empreiteiros ……………, Unipessoal, Lda., não correspondiam a serviços efetivamente prestados pelo fornecedor.
L. A motivação do relatório de inspeção assenta em factos cuja verificação não é suscetível de ser abalada pela produção de prova testemunhal, designadamente, a falta de validade do número de identificação fiscal utilizado pela empresa J ………….., Empreiteiros ……………., Sociedade Unipessoal, Lda., a inexistência de trabalhadores na empresa, a falta de alvará emitido para a empresa pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P, entre outros, melhor identificados no parágrafo 35º supra.
M. Por isso, o exercício do direito de participação pela ora Impugnante em sede de procedimento inspetivo não foi suficiente para gerar dúvidas quanto à ocorrência dos factos, em concreto, quanto à natureza das faturas cuja dedutibilidade como custo fiscal não foi aceite pelos Serviços de Inspeção Tributária.
N. Não existindo dúvidas a superar, não era necessária a prática de mais diligências para apurar a verdade material, não tendo sido violado o princípio do inquisitório constante do artigo 58.º da LGT.
O. Consubstanciaria uma violação do princípio do inquisitório (i) se a verdade material não tivesse sido apurada, (ii) se após a prática das diligências pelos Serviços de Inspeção Tributária subsistissem dúvidas sobre a verificação dos factos, ou (iii) se fosse necessário praticar todas as diligências previstas no RCPITA para concretizar o princípio do inquisitório, i.e., se as prerrogativas constantes no RCPITA fossem interpretadas como um ónus ou obrigação da AT.
P. Não cremos, por isso, que assiste razão à douta sentença recorrida quando julga que o facto de não terem sido inquiridas as testemunhas indicadas pela ora Impugnante em sede de exercício de direito de audição no procedimento inspetivo constitui uma violação do princípio do inquisitório, porquanto tal inquirição não foi necessária para o apuramento da verdade material, nem se afigurava, no caso concreto, adequada a contrariar os factos apurados pelos Serviços de Inspeção Tributária indicados parágrafos 30º, 31º e 35º supra.
Q. A omissão de pronúncia sobre o pedido de inquirição de testemunhas formulado pela entidade inspecionada em sede de direito de audição não constitui per se uma violação do princípio do inquisitório porquanto não influencia o apuramento da verdade material (questão diferente de saber se a omissão da inquirição de testemunhas obstou ou não ao apuramento da verdade material).
R. A omissão de pronúncia sobre o pedido de inquirição de testemunhas pode constituir uma violação formal do direito de audição da ora Impugnante no procedimento inspetivo.
S. Desde logo, cremos que não ocorreu uma violação substancial do direito de audição da ora Impugnante no procedimento inspetivo porquanto (i) a Impugnante foi notificada do projeto de conclusões do relatório e exerceu o seu direito de audição, cf. facto provado constante em C) na sentença, (ii) o teor do direito de audição foi efetivamente analisado pelos Serviços de Inspeção Tributária, que discordaram dos argumentos da ora Impugnante, cf. facto provado constante em D) na sentença, e (iii) é um caso muito distinto dos demais casos em que não assiste, de todo, direito de participação aos sujeitos passivos.
T. Até nos cenários de violação material da norma, tem sido jurisprudência assente do Supremo Tribunal Administrativo que é de aplicar o princípio do aproveitamento do ato, verificado um particular condicionalismo, “É de aplicar o princípio do aproveitamento do acto para obstar à anulação de um acto de liquidação efectuado sem prévia audição do destinatário, quando se está perante uma situação de solução legal evidente e não se vislumbra a mínima possibilidade de a audição poder ter influência sobre o conteúdo da decisão.”, cf. acórdão proferido no processo n.º877/09, de 2011-03-30, disponível em www.dgsi.pt.
U. Conforme referido nos parágrafos 32º e 36º das alegações supra, os factos apurados pelos Serviços de Inspeção Tributária não eram suscetíveis de serem contrariados pela produção de prova testemunhal, pelo que a inquirição das testemunhas não teria podido alterar os factos relevados e não iria influenciar o conteúdo da decisão.
V. Acresce que na motivação sobre a decisão da matéria de facto na douta sentença recorrida afirmou-se que “A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos que constam dos autos e do processo administrativo apenso, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, bem como na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados e nos demais elementos que compõem os autos.
Relativamente à prova testemunhal, a mesma não foi sucifiente para criar no Tribunal a convicção sobre a efetiva ocorrência dos factos dados como não provados. Quanto a M ……………………., gerente da Impugnante e ouvida como testemunha nos artigos 7.º e 9.º, o tribunal não pode valorizar o mesmo uma vez que ao longo de todo o depoimento a testemunha afirmou repetidamente “sou muito esquecida”, “não me lembro bem”, “se passou as faturas é porque os trabalhos foram prestados”,...

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