Acórdão nº 1343/21.5T8SNT.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-09-26

Ano2023
Número Acordão1343/21.5T8SNT.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO


Em 26.01.2021, Soleal Stables, Lda. intentou contra A [Miguel …..], B [Paulo …..] (“proprietário do cavalo denominado Madrid OC”), e Reason Journey, Lda. (que também usa Quinta ..... – Centro Hípico”), ação declarativa de condenação, sob processo comum, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de €200.000. Requereu, ainda, a fixação de sanção pecuniária compulsória a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória por cada dia de atraso no pagamento do montante da condenação.

A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
A A. dedica-se ao desenvolvimento de atividades equestres, incluindo a criação de cavalos, treino de cavalos, etc., tendo adquirido uma égua, denominada “Costa Rica”, em 20.1.2018.

No âmbito da sua atividade, a A. contratou a 22.1.2018, os serviços do Centro Hípico Quinta ....., arrendando inicialmente 6 boxes, podendo ir até 8 boxes, para cavalos, entre eles a égua “Costa Rica”, tendo direito a aceder a picadeiros e paddocks, bem como contratou os serviços do treinador Pascal....., o qual se encontra encarregue do tratamento e treino dos cavalos da A.

No dia 3.6.2020, o treinador Pascal..... foi abordado pelo 1ºR., cavaleiro, que lhe perguntou se poderiam organizar horários para a utilização dos paddocks para que o mesmo pudesse lá colocar um cavalo que descreveu como sendo “muito perigoso” com outros cavalos, ao que aquele anuiu, ficando o R. de informar com antecedência para que se pudessem tomar medidas preventivas.

O cavalo inteiro, denominado “Madrid OC”, encontrava-se a cargo do 1ºR.

No dia 4.6.2020, o treinador Pascal..... colocou a égua “Costa Rica” num paddock tendo constatado, quando o fez, que só havia um cavalo cinzento noutro paddock, um cavalo calmo e provavelmente castrado, não se encontrando outros cavalos nas proximidades.
Cerca das 13h15, enquanto estava no período de almoço, foi avisado que a égua “Costa Rica” tinha sido atacada pelo cavalo “Madrid OC” que havia partido as vedações do paddock onde se encontrava e do paddock onde se encontrava aquela, e, chegado ao local, detetou que a mesma não conseguia apoiar o pé posterior direito no chão, estando transpirada e a tremer de dores.

Foi chamada a veterinária que socorreu a égua, e face ao receio de lesões graves foi a mesma transportada para o Serviço de Cirurgia e Urgências de Equinos da Faculdade de Medicina Veterinária, onde acabou por falecer, ainda dentro da carrinha onde foi transportada.

A morte da égua “Costa Rica” foi consequência direta da agressão sofrida pelo cavalo inteiro denominado “Madrid OC”.

A A. adquiriu a égua “Costa Rica” por €15.472,91, e despendeu com a mesma desde então cerca de €119.679,35, num total de €135.152,26, valor que fica muito aquém do seu valor de mercado, que é de cerca de €200.000.

Os 1º e 2º RR. estão obrigados a ressarcir a A. pelos danos sofridos, o 1º por ser proprietário do “Madrid OC” e o 2º por o ter a seu cargo, ou, caso assim não se considere, é responsável a 3ª R., proprietária das instalações onde a A. colocou a sua égua e com quem celebrou contrato para o efeito, e que estava obrigada a garantir o bom estado e segurança daquelas.

Regularmente citados, os RR. contestaram:
os 1º e 2º RR, por exceção, invocando a ilegitimidade da A. e do 1º R., e por impugnação, e terminam pugnando pela total improcedência da ação, devendo os 1º e 2º RR. ser absolvidos da instância por verificação da exceção de ilegitimidade ativa. Subsidiariamente, deve o 1º R. ser absolvido da instância por verificação da exceção de ilegitimidade passiva. Ainda subsidiariamente, devem os 1º e 2º RR. ser absolvidos do pedido, dada a manifesta improcedência do mesmo ou, caso assim não se entenda, ser considerado haver uma concorrência de fatores que determinaram o resultado, totalmente exteriores e independentes aos 1º e 2º RR., fixando-se, segundo critérios de razoabilidade, um valor indemnizatório em função do valor da carne do animal para abate (atento o passaporte da malograda égua);
a 3ª R., por impugnação,e termina pugnando pela improcedência da ação com a sua consequente absolvição do pedido.

A A. respondeu à matéria das exceções invocadas, pugnando pela sua improcedência.

Foi requerida a intervenção principal passiva de BRD – Importação e Exportação, Unipessoal, Lda., a qual foi admitida.

Citada, a interveniente veio declarar a sua adesão à contestação apresentada pelos 1º e 2º RR.

Foi dispensada a realização de audiência prévia, e foi proferido despacho saneador, que relegou para a sentença o conhecimento da exceção de ilegitimidade da A. e sanada a exceção de ilegitimidade do 1º R. com a intervenção da BDR, fixou o objeto do litígio e elencou os temas da prova.

Realizou-se julgamento, e em 30.11.2022, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, por totalmente não provada e absolveu os RR. A, B, Reason Journey, Lda. e BRD – Importação e Exportação, Unipessoal, Lda. do peticionado pela A. Soleal Stables, Lda.

Não se conformando com a decisão, apelou a A., formulando, no final das respetivas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
i)-A situação em causa nestes autos prende-se com um acidente do qual resultou inequivocamente a morte da égua “Costa Rica”, por ação do cavalo “Madrid OC”, como resultou demonstrado de acordo com os factos resultantes do ponto 16 (16.1 a 16.9) do elenco dos factos provados;
ii)-As normas a aplicar à situação demonstrada nos autos são aquelas que disciplinam a responsabilidade civil extracontratual, sendo ainda potencialmente aplicáveis os Arts.º 493 nº 1 e 502º, ambos do Código Civil;
iii)-A douta decisão proferida assentou essencialmente na solução dada em relação a duas questões de facto, tendo-se dado como provado que “no dia dos factos, antes das sua ocorrência, Pascal ….. abriu a caixa da eletricidade das cercas dos paddocks e desligou a eletricidade das mesmas” (ponto 21 do elenco dos factos provados);
iv)-O ónus da prova de tal facto, na medida em que poderia isentar de culpa os Réus, ou, pelo menos, diminuir a culpabilidade destes, seria, nos termos do n.º 1 do Art.º 493º dos Réus.
v)-Não obstante, e ainda que fosse dado provado, tal facto seria irrelevante, caso tivesse sido dado provado um outro facto relevante e que resulta das características inerentes aos cavalos inteiros, ditos, “garanhões”, pois, “mesmo com vedação elétrica ligada, não seria possível conter um cavalo inteiro” (alínea g) dos factos não provados);
vi)-Na verdade aquilo que se encontrava em causa, para prova do ponto 21 dos factos provados, era saber se no específico dia do acidente a testemunha Pascal..... desligara a eletricidade das cercas dos paddocks, o que como se admite na douta sentença, este negou;
vii)-Com relevância para essa questão a testemunha referida, Pascal..... nega que, no dia em que ocorreu o sinistro tenha desligado a eletricidade das cercas e, com relevância, afirma que quando o fez ou a caixa da eletricidade estava aberta ou ia ao escritório da Quinta ..... buscar a chave (vd. excerto do depoimento transcrito no corpo desta alegação);
viii)-Como decorre do ponto 20 do elenco dos factos provados, no dia o acidente a caixa estava aberta e com sinais de arrombamento, pelo que, não poderia ter sido a testemunha a arrombá-la… .
ix)-Como se admite na douta sentença, nenhuma das testemunhas ouvidas a esse respeito, poderia saber se a testemunha antes referida havia cortado a eletricidade, pois, apenas o tinham ouvido dizer a terceiros;
x)-Os depoimentos das testemunhas consideradas mais credíveis na sentença não comprovaram tal facto;
xi)-A testemunha Ana….. apenas refere que Pascal..... muitas vezes desligava a eletricidade, nem sequer dizendo se este o teria feito no dia do acidente (vd. excerto do depoimento transcrito no corpo desta alegação);
xii)-A informação que tinha a testemunha Pedro..... foi-lhe dada por terceiras pessoas, não tendo a testemunha conhecimento direto dos factos (vd. excerto do depoimento transcrito no corpo desta alegação);
xiii)-Mais, a testemunha afirma que foi comentada situação no local, por Vasco..... e Ezequiel....., e, este último, nessa data, não estava no local;
xiv)-E no dia 4 de Junho de 2020, a testemunha Pascal….., treinador dos equinos da Autora, esteve sempre acompanhado pela testemunha, Vasco....., pelo que, caso o mesmo tivesse efetivamente desligado intencionalmente a eletricidade, Vasco..... certamente o teria visto e reportado, o que não sucedeu, nem no dia 4 de Junho de 2020, nem em qualquer outro;
xv)-Acresce ainda, que se a testemunha Pedro….. tinha conhecimento de que tinha sido a testemunha Pascal….. que intencionalmente desligara a eletricidade dos paddocks no dia 04 de Junho de 2020 porque motivo consta do auto da GNR (junto com a petição inicial como Documento n.º 14), que a denúncia foi apresentada contra desconhecidos, tendo essa denúncia sido apresentada pela referida testemunha Pedro....., que apenas declarou que “alguém desligou a ficha da tomada da energia, fazendo com que a cerca eletrificada ficasse desligada” e adianta ainda que “o mesmo desconhece quem terá desligado a energia das cercas elétricas e a intenção de tal ato”;
xvi)-E todas as restantes testemunhas que depuseram sobre os factos, justificaram o seu conhecimento, em informação dada pelos referidos Vasco..... e Ezequiel..... (que reitera-se, não estava presente no dia 04 de Junho de 2020);
xvii)-A testemunha Rita..... (filha e não irmã do 1.º Réu como se diz na sentença), afirma que “ninguém tem acesso à caixa”, pelo que a testemunha Pascal..... não tinha igualmente acesso à caixa (vd. excerto do depoimento transcrito no corpo desta alegação):
xviii)-Não obstante a testemunha Ezequiel....., não tinha também conhecimento dos factos, e não estava na Quinta..... no dia dos factos e soube
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