Acórdão nº 1340/20.8T8BCL-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-11-23

Data de Julgamento23 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão1340/20.8T8BCL-B.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os sinais dos autos, figura nesta acção, sob a forma de processo especial emergente de acidente de trabalho, como sinistrado/autor, correndo agora a acção, aberta que foi a fase contenciosa, contra a seguradora “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.” e a empregadora “EMP02..., Lda”, ambas também nos autos melhor identificadas.

Na fase conciliatória do processo não foi obtido o acordo (integral) das partes, tendo ficado a constar, no que ora releva, do auto de tentativa de conciliação:

I-Descrição do acidente [efectuada pelo Ministério Público no âmbito da proposta de acordo que apresentou, naturalmente de acordo com o relatado pelo sinistrado]
No dia 1 de Abril de 2020, cerca das 14 40 horas, o sinistrado quando se encontrava a trabalhar numa habitação, sita na ..., ..., a exercer as funções de técnico de instalação de telecomunicações, sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade "EMP02..., ..." ao instalar fibra ótica, numa casa de habitação, caiu ao chão, e na sequência da queda ficou com falhas de memória, o que lhe provocou as lesões e sequelas descritas na perícia médica de fls. 74 a 76, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos, que se consolidaram clinicamente em 26/09/2020 e que lhe determinaram os períodos de incapacidades temporárias indicados naquela perícia e a IPP de 4,5%.
II— retribuição do sinistrado:
(…)
III — prestações
(…)”
[Posição do] IV-Sinistrado
Aceita a descrição do acidente e a sua caraterização como de trabalho, o nexo de causalidade entre tais lesões e o acidente e a retribuição anual ilíquida de 10.044,34€
Não aceita os períodos de incapacidades temporárias, a data da alta constantes da perícia médica , nem a a IPP de 4,5% atribuída pelo GML
Por isso. não aceita conciliar-se nos termos supra propostos.”
[Posição da] V-seguradora:
Aceita que lhe foi participado o acidente em causa nos autos
Mais aceita que a entidade empregadora tinha transferido a responsabilidade infortunistica laboral pelo salário anual de 10.044,34€ ( 635,00€ x 14 meses +104,94€x 11 meses)
Não aceita qualquer responsabilidade pelas consequências do acidente, uma vez que o mesmo se deveu a violação das normas de segurança por parte do sinsitrado, razão pela qual recusou, desde início, o acidente
Por isso. não aceita conciliar-se nos termos supra propostos. nada aceitando pagar ao sinistrado.
Seguidamente, pelo Magistrado do Ministério Público foi proferido o seguinte:
-DESPACHO=
Uma vez que a seguradora assume a responsabilidade pela retribuição anual constante da proposta e imputa a violação das regras de segurança ao sinistrado, dispensa-se a intervenção da entidade empregadora na presente diligência.
(…)

Na petição inicial que apresentou o autor/sinistrado demandou quer a mencionada seguradora (1.ª ré) quer a identificada entidade empregadora (2.ª ré), alegando, em suma, como fundamento para demandar, e responsabilizar, esta segunda ré que a mesma o destacou para efectuar o trabalho que levava a cabo aquando do acidente desacompanhado de qualquer outro trabalhador, sendo que esse trabalho tinha de ser executado por duas pessoas, desde logo para montar o equipamento de segurança, pedindo a final que a ré empregadora seja condenada a pagar-lhe as prestações infortunísticas, tudo nos valores que liquida e calculadas de forma agravada a pensão e a indemnização por incapacidade temporária, e ainda o valor de € 40.000,00 a título de indemnização por danos morais.

Na contestação que esta ré apresentou, e conforme síntese feita pelo Tribunal recorrido e que se acolhe, veio “pugnar pela sua absolvição, alegando que apesar do autor agora vir imputar a esta ré a violação de regras de segurança, conforme resulta do auto de conciliação, nem a ré seguradora o fez, imputando a violação dessas regras ao autor. Mais alega que, por isso, foi a ora ré entidade patronal descartada de qualquer responsabilidade e dispensada da diligência de conciliação. Alega, ainda, que a ré entidade patronal apesar de estar presente na tentativa de conciliação foi dispensada de participar.”

Foi então proferido despacho saneador de onde consta, e na parte que agora importa, a seguinte decisão (ora recorrida):
Em sede de contestação, veio a ré entidade patronal, pugnar pela sua absolvição, alegando que apesar do autor agora vir imputar a esta ré a violação de regras de segurança, conforme resulta do auto de conciliação, nem a ré seguradora o fez, imputando a violação dessas regras ao autor. Mais alega que, por isso, foi a ora ré entidade patronal descartada de qualquer responsabilidade e dispensada da diligência de conciliação. Alega, ainda, que a ré entidade patronal apesar de estar presente na tentativa de conciliação foi dispensada de participar.
Cumpre apreciar e decidir.
A fase contenciosa do processo especial para efetivação de direitos emergentes de acidentes de trabalho é aberta quando no final da fase contenciosa se não alcance acordo sobre todos os elementos necessários à reparação do acidente. Caso a divergência se prenda apenas com a questão da incapacidade, o processo seguirá a tramitação simplificada prevista nos artigos 138.º, n.º 2 e 140.º, n.º 1, ambos do Código de Processo do Trabalho. Caso existam divergências quanto a outros aspetos – como a existência ou caracterização do acidente, a retribuição auferida pelo sinistrado, a existência, validade e âmbito de seguro de acidentes de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente – haverá lugar à apresentação de petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 117.º, n.º 1, alínea a) e 119.º do Código de Processo do Trabalho.
Não obstante o alegado pela ré entidade patronal quanto ao sinistrado ter aceite que a entidade empregadora, do auto de tentativa de conciliação resulta claro que não ocorreu qualquer aceitação por parte do sinistrado. Na verdade, a seguradora é que não aceitou a responsabilidade, uma vez que entendeu que o acidente se deveu a violação das normas de segurança por parte do sinistrado, razão pela qual recusou, desde o início, o acidente.
Daqui resulta que a descrição do acidente não foi aceite pela seguradora, o que implica que os factos a tal descrição são controvertidos e podem ser objeto desta fase processual, permitindo, assim, ao autor imputar a responsabilidade pela violação das regras de segurança à entidade patronal.
Queremos com isto dizer que, em face do auto de não conciliação em causa, ficou perfeitamente delimitado o âmbito da questão a discutir na fase contenciosa, ou seja, os factos atinentes à dinâmica do acidente, entendendo-se que tal permite que agora o autor impute tal responsabilidade à entidade patronal, caso contrário seria aceitar que o autor aceitou a sua responsabilidade na violação das regras, o que não é manifestamente a situação dos autos.
Atendendo às considerações tecidas, os factos atinentes à imputação à ré entidade patronal de violação das regras de segurança serão levados aos temas de prova, improcedendo a exceção suscitada pela mesma ré.
Custas pela entidade patronal.
Notifique.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a ré empregadora interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões (transcrição):

“1. A douta decisão em mérito não apreciou os fundamentos invocados pela ora Apelante na sua Contestação, sendo certo que, ao contrário do que é referido, o facto de não poder o Apelado discutir na fase contenciosa a eventual ocorrência de violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora, não implica que este aceite a sua responsabilidade na violação das regras de segurança…
2. Como sabemos, na tentativa de conciliação, presidida pelo Ministério Público, este promove o acordo de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo.
3. Perante essa proposta ou as partes estão de acordo, aceitando-o, ou não estão de acordo, rejeitando-o.
4. Nos casos de falta de acordo, face ao estatuído no artigo 112º do CPT, deve constar nos autos o seguinte: Consignação dos factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve acordo ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída.
5. Não havendo acordo, passa-se para a fase contenciosa, a qual, de acordo com o disposto no artigo 119º do CPT, quando a questão da discordância entre as partes não é a questão da incapacidade ou não é só essa, a fase contenciosa tem o seu início com a petição inicial, em que o sinistrado, doente ou respectivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos (artigo 117º, nº 1, alínea a) do CPT), contra a entidade responsável, seguindo-se a citação (artigo 128º do CPT), a contestação (artigo 129º do CPT).
6. Pode-se dizer que a fase contenciosa destina-se apenas a provocar uma decisão judicial que supere o litígio que subsiste.
7. É no auto de conciliação que globalmente se equacionam todos os pontos decisivos à determinação dos direitos do sinistrado, conforme resulta dos artigos 111º e 112º do CPT, seja no caso de acordo, seja na falta dele.
8. Na fase contenciosa apenas se pode exercitar os pontos ou factos por que o pedido não logrou acordo na fase conciliatória, ou seja, aqueles que ficaram por dirimir na fase conciliatória e que obstaram ao acordo total, à plena reparação, relativamente à pretensão e direitos que o sinistrado reclamou.
9. Do confronto daqueles normativos (artigos 111º e 112º do CPT) podemos concluir que não é possível a posterior discussão de questões acordadas em auto de conciliação, nem o posterior conhecimento...

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