Acórdão nº 13320/17.6T8LSB-A.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-04-11

Ano2023
Número Acordão13320/17.6T8LSB-A.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
Ação
Processo de insolvência, apenso de verificação do passivo.
Insolvente
JC.
Credor/Apelante
AM.
Lista de créditos reconhecidos/não reconhecidos
O administrador da insolvência apresentou a lista de credores a que alude o art.º 129.º do CIRE, identificando o credor AM (apelante), com o crédito de 110.000,00€ e, sob a epígrafe “fundamentos” indicando:
“Este crédito apesar de reclamado nos termos do nº 128 do CIRE não junta quaisquer documentos comprovativos com excepção de um contrato escrito, tais como faturas/recibos ou descontos para a segurança social (ou outro sistema) que comprovem que efetivamente o credor tenha trabalhado 4 anos sem ter qualquer ressarcimento pelo mesmo, motivos pelos quais é o mesmo impugnado” (sublinhado nosso).
Mais indicando ter notificado o credor “nos termos do nº 4 do art.º 129.º do CIRE” [ [1] ].
AM apresentou impugnação, em 06-04-2018 [ [2] ] não tendo sido apresentada qualquer resposta à mesma. A impugnação foi julgada tempestiva por despacho proferido em 03-10-2022, antecedendo a decisão.

Decisão recorrida
Foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em 03-10-2022, com o seguinte segmento dispositivo:
“Todo o exposto conduz à procedência da impugnação no que à existência e valor do crédito respeita e, consequentemente, pela sua verificação, mas como como crédito comum, nos termos do art.º 47º, n.º4 c), posto que não beneficia de garantia real prevalente, de privilégios creditórios, nem é um créditos subordinados, não se enquadrando em nenhuma das classificações discriminadas nesse normativo.
Termos em que, o tribunal julga a impugnação deduzida por AM parcialmente procedente por provada e, consequentemente, verificado o crédito reclamado no valor de €110.000,00, com a natureza de crédito comum”.
E, em sede de graduação:
“Pelo exposto, graduo os créditos sobre o insolvente JC, contribuinte fiscal n.º 147929326, para serem pagos da seguinte forma:
(i) Pelo produto da venda da fracção "A" correspondente ao lugar de estacionamento n.º 72, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 471/19880728 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2782:
- Em 1º lugar: o crédito de IMI reconhecido à Autoridade Tributária, no montante de €13,78 (crédito garantido)
- Em 2º lugar: o crédito de IRS reconhecido à Autoridade Tributária, no montante de €2.751,92 (crédito com privilégio imobiliário geral)
- Em 3º lugar, a par: os créditos comuns (incluindo o crédito hipotecário, o crédito por IMI do imóvel identificado em ii), o crédito referente a IVA, o crédito do requerente da insolvência, o crédito reconhecido no apenso C e o crédito verificado a AM)
(ii) Pelo produto da venda da fracção autónoma designada pelas letras "CC", correspondente ao primeiro (…) do prédio urbano designado (…), penhorada e objecto de venda no âmbito do processo executivo n.º 469/16.9T8SLV, no valor de €95.500,00
- Em 1º lugar: crédito de IMI reconhecido à Autoridade Tributária, no montante de €589,58
- Em 2º lugar: o crédito reconhecido ao Banco B, no montante de €92.928,14 (crédito garantido por hipoteca)
- Em 3º lugar: o crédito de IRS reconhecido à Autoridade Tributária, no montante de €2.751,92 (crédito com privilégio imobiliário geral)
- Em 4º lugar: a par entre si, os créditos comuns (incluindo o crédito por IMI do imóvel identificado em i), o crédito referente a IVA, o crédito do requerente da insolvência, o crédito reconhecido no apenso C e o crédito verificado a AM)
(iii) Para serem pagos pelos bens móveis, incluídos as quantias entregues no período de cessão:
- Em 1º lugar: o crédito de IRS/IVA reclamado pela Fazenda Nacional - €9.369,05 (crédito com privilégio mobiliário geral)
- Em 2º lugar: o crédito privilegiado reclamado por RR, no montante de €9.013,30
- Em 3º lugar: a par entre si, os créditos comuns (incluindo os créditos garantidos por hipoteca, os créditos referentes a IMI, bem como o remanescente do crédito do requerente da insolvência, o crédito verificado no apenso C e o crédito verificado a AM)
*
As dívidas da massa insolvente (artigo 51º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) saem precípuas na devida proporção do produto da venda de cada bem móvel ou imóvel, nos termos do artigo 172º, nºs 1 e 2 do mesmo código.
*
Nos termos do disposto no artigo 303º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a actividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objecto de tributação autónoma.
Assim, não há lugar a custas.
*
Registe e notifique”.

Recurso
Não se conformando, AM apelou, formulando as seguintes conclusões:
“1ª Estamos perante um contrato de trabalho, que respeita o art.º 11º do CT e os indícios de subordinação jurídica conforme à jurisprudência (cfr. por todos Ac. do STJ de 18/12/2008 in 8. recurso nº 2314/08 da 4ª secção).
2ª Também porque as partes assim o quiseram e assim o denominaram.
3ª Embora exista isenção e independência técnica do trabalhador, tal não bule com a subordinação jurídica, sendo até proibida a sua omissão (art.ºs 73º nºs 2 e 3 e 89º do EOA).
4ª E embora também exista isenção de horário, o trabalhador tinha que cumprir todas as tarefas que a entidade patronal lhe distribuía, sendo tal isenção legal no CT (v.g. no teletrabalho).
5ª O local, ou locais, de trabalho e os materiais eram fornecidos pela entidade patronal, que lhe fornecia secretariado.
6ª A retribuição era fixa e mensal e não avença, sendo a natureza dos trabalhos jurídicos.
7ª A não exigência de juros pelo abuso na retribuição, bem como o pagamento das deslocações por parte do trabalhador e o acordo pela inclusão na retribuição dos subsídios de férias e Natal (duodécimos), foram acordados atento o alto valor da retribuição mensal).
8ª Estamos, pois, perante um contrato de trabalho, não questionado por ninguém, nem sequer pela entidade patronal.
9ª Não havendo desacordo quanto ao contrato; reclamação de créditos e impugnação, o mesmo deve ser considerado como de trabalho, face à vontade das partes (art.ºs 342º e 406º do CC e 574º nº 2 do CPC).
10ª E, para não ser assim, teria o tribunal que pedir o parecer do OA, conforme actual art.º 73º nº 6 do EOA, o que não fez, sendo, consequentemente, nula a decisão (art.º 615º nº 1 al. d) do CPC.
11ª Assim sendo, há aplicação dos art.ºs 333º e ss do CT.
TERMOS EM QUE DEVERÁ
A SENTENÇA SER REVOGADA NESTA PARTE, CONSIDE-RANDO-SE O CONTRATO COMO TRABALHO, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS”.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de primeira instância deu por assente a seguinte factualidade:
1. JC, casado, nascido a 20.3.1953, natural da freguesia de (…), foi declarado insolvente por sentença de 16.1.2018, transitada em julgado.
2. Foram reconhecidos pelo Administrador da Insolvência os seguintes créditos:
- Banco CP, SA - €545.252,60 (crédito comum, sendo €6.580,00 sob condição de accionamento da garantia bancária);
- Banco ST, S.A. - €44.957,91 (crédito comum);
- Banco B, S.A. - €155.254,02 (sendo €62.235,88 crédito comum e €92.928,14 crédito garantido por hipoteca);
- D- CI, Lda. - €7.207,14 (crédito comum);
- F El CI, S.F.C., S.A. - €722,62 (crédito comum);
- Fundação L e J - €25.612,00 (crédito comum);
- L - Soc. de Garantia Mutua, S.A. - €29.605,26 (crédito comum);
- Ministério Público - €127.217,64 (sendo €13,78 crédito garantido, referente a IMI; €6.617,13 crédito privilegiado referente a IVA, €2.751,92 crédito privilegiado referente a IRS e €117.068,94 crédito comum);
- NB - €73.085,51 (crédito comum);
- RR - €36.053,22 (crédito privilegiado-requerente da insolvência);
3. Foi apreendida nos autos a fração autónoma designada pela letra “A”, (…) em Lisboa [ [3] ].
4. O insolvente era proprietário da fração autónoma designada pelas letras "CC", (…) freguesia e concelho de Albufeira, (…), penhorada e objecto de venda no âmbito do processo executivo n.º 469/16.9T8SLV [ [4] ].
5. Sobre o imóvel identificado em 4) foi constituída hipoteca a favor do Banco B, S.A., registada por Ap. 33 de 24.3.2006, para garantia do capital no valor de €127.280,00, montante máximo assegurado de €162.036,35.
6. Foi apreendida a quantia de €95.500,00 relativa ao produto da venda do imóvel melhor identificado em 4).
7. Foi apreendido 1/3 da pensão do Insolvente, num total de €14.970,00, com referência à data de 10.3.2020.
8. O Ministério Público reclamou créditos garantidos no valor de €779,65 euros (valor referente a IMIs dos prédios, 110618-U002782-A, concelho de Lisboa; 080102-U-004631-N, concelho de Albufeira e 080106-U-000111- CC, concelho de Albufeira; IUCs de 3 viaturas e juros de mora), sendo o valor de €589,58 referente a IMI do imóvel inscrito na matriz (…) (Albufeira).
9. O crédito reclamado pela Fazenda Nacional a título de IMI, reconhecido como garantido, no valor de €13,78, é referente à fracção autónoma designada pela letra "A" (…), identificada em 3).
10. Por decisão transitada em julgado proferida no Apenso C, foi verificado a favor de J, Lda., um crédito comum no montante de €27.509,26.
*
O tribunal de primeira instância considerou ainda que “[c]om relevo para a decisão da impugnação, resulta ainda dos autos que”:
1. O Insolvente e AM subscreveram o documento intitulado "Contrato de Trabalho - Art.º 68.º do EOA", datado de 6.6.2014, com cópia a fls. 8 e verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. O reclamante é advogado (cfr. artigo 1.º da impugnação);
3. Nada foi pago ao reclamando pelo insolvente no âmbito do acordo referido em 1). (cfr. artigo 4.º da impugnação).

III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem
...

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